Quando integrava a seleção brasileira de judô, no início da década e 70, Daniel Carreira Filho assegurava a boa forma física e atlética por meio de treinamento e alimentação balanceada. O único recurso extra que se permitia utilizar à época era um suplemento alimentar, hoje presente nas gôndolas dos supermercados, ao lado de produtos classificados como “matinais”. Passados 30 anos, o agora professor de educação física resolveu investigar em sua tese de doutoramento, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, a quantas anda o uso de técnicas e substâncias químicas com a finalidade de modelar o corpo por jovens de 14 a 18 anos, mas que não desenvolvem atividades físicas e esportivas ou que as praticam sem o objetivo da competição. Os resultados do estudo, conforme o autor, foram preocupantes. Entre o universo pesquisado, 60% disseram lançar mão de técnicas de emagrecimento, 11,18% admitiram tomar remédio para perder peso e 2,39% confessaram consumir esteróides anabólicos para ganhar massa muscular. E o mais grave: a maioria reconheceu desconhecer as conseqüências de suas atitudes.
A pesquisa de Carreira Filho foi desenvolvida junto a alunos de escolas públicas e particulares de São Caetano do Sul, considerada um exemplo de inclusão social no Brasil. Os adolescentes, de ambos os sexos, foram submetidos a um questionário composto por 71 questões de múltipla escolha. O objetivo, de acordo com o autor do trabalho, foi identificar a prevalência do uso de técnicas ou substâncias químicas com finalidade de modelagem corporal entre os jovens. Tratou-se, portanto, de um estudo epidemiológico, o primeiro do gênero realizado no país, conforme o pesquisador. Ao tabular os dados, por meio de um software para cálculos estatísticos, o professor de educação física obteve resultados inquietantes.
Entre os 2.219 estudantes que responderam ao questionário, número que corresponde a 14,8% da população do município nessa faixa etária, 60,07% disseram fazer uso de técnicas para emagrecimento. A prática é mais comum entre as mulheres (76% delas) do que entre os homens (44%). O consumo de remédios com o objetivo de perder peso foi admitido por 11,18% dos adolescentes. Mais uma vez, as meninas (15,17%) relevaram maior preocupação com o assunto do que os meninos (7,38%). Em relação aos esteróides anabólicos, 2,39% dos entrevistados confessaram administrá-los, índice que coincide com os dados da literatura mundial. A utilização das substâncias, nesse caso, é mais freqüente no meio masculino (3,7%) do que no feminino (0,93%).
Ainda de acordo com a investigação, apenas 30% das mulheres pesquisadas afirmaram praticar atividades físicas regulares, percentual que sobe para 60% entre os homens, porém sem caracterizar vínculo com o rendimento no campo esportivo. “Esses dados permitem considerar que a prática esportiva não é fator preponderante na adoção dessas técnicas ou substâncias. O comportamento está vinculado à necessidade da modelagem corporal, de modo a atender as exigências culturais presentes na sociedade”, analisa Carreira Filho. Ele conta que somente 16% dos jovens que participaram da entrevista disseram estar satisfeitos com o próprio corpo. Entre os rapazes, 31% revelaram estar preocupados em aumentar a massa muscular, enquanto 47,55% das garotas demonstraram o desejo de emagrecer.
Nesse ponto, o pesquisador faz um parêntese. De acordo com ele, 6% dos jovens que estão abaixo do peso e 12% dos que têm peso normal revelaram que tomam remédios para emagrecer. Dos que estão abaixo do peso, 40% disseram buscar técnicas de emagrecimento. O autor da tese de doutorado assinala que a pesquisa identificou que entre os usuários de substâncias químicas ou de técnicas para modelagem corporal, a maioria desconhece as conseqüências desse comportamento. Entre os que tomam remédio para perder peso, 85% disseram não saber quais os riscos oferecidos pelas drogas.
Dentre os que aderem a técnicas para modelar o corpo, 94% assumiram não ter informações sobre as conseqüências da cirurgia plástica ou da aplicação de botox, por exemplo. Para Carreira Filho, que foi orientado pelo professor José Martins Filho, ex-reitor da Unicamp e professor da FCM, os desdobramentos desse comportamento juvenil podem ser graves. Ele lembra que no meio esportivo as informações sobre os riscos do uso de determinadas substâncias para alcançar o “corpo perfeito” estão bastante disseminadas. Boa parte dessas “bombas”, como são popularmente chamadas, é considerada doping para efeito competitivo. “Mas entre a população em geral, o desconhecimento ainda é grande. Muitas dessas substâncias estão ao alcance de quem desejar, a preços acessíveis”, diz.
Carreira Filho considera que o problema do uso indiscriminado de técnicas e substâncias químicas para a modelagem corporal deve ser enfrentado por meio da orientação da população, sobretudo da camada jovem. “Não adianta colocar medo, pois isso não funciona. A melhor alternativa é a informação honesta”. A escola, a seu ver, seria um bom local para desenvolver esse trabalho. “Tratar o tema no seio da escola seria uma boa alternativa para os estudantes discutirem as conseqüências daquilo que colocam em seu organismo, com a participação de várias disciplinas escolares”, sugere. Além disso, a mídia, que ajuda a potencializar o narcisismo já latente na sociedade, também poderia colaborar ao adotar uma postura mais responsável em relação ao tema, conforme o pesquisador.
De acordo com o professor de educação física, os jovens têm buscado o que ele classifica como fast body, ou seja, a rapidez do corpo perfeito em razão de pressões sócio-culturais. “Trata-se, em outras palavras, da construção social do poder do corpo. Não podemos continuar transmitindo a esses jovens o conceito segundo o qual existem características corporais que facilitam a inserção social”, afirma o pesquisador, que leciona atualmente na Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo.