Resíduo da mandioca pode
ser usado no refino de petróleo
RAQUEL DO CARMO SANTOS
Pesquisadoras
da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp
(FEA) descobriram um processo inovador para aproveitar
a água derivada da prensagem de mandioca
na produção de biossurfactantes
que permitem, entre diversas aplicações,
o refino de petróleo. A técnica
é simples e tira do meio ambiente um resíduo
incômodo para a indústria de mandioca,
que não dispõe de local apropriado
para o descarte das sobras. As pesquisas demonstraram
que o produto alcança níveis de
80% no refino do petróleo incorporado em
areia, além de demonstrar enorme potencial
para a indústria alimentícia e de
fármacos. Ensaios preliminares constataram
ainda ação contra o desenvolvimento
de células cancerígenas. Os estudos
precisam ser aprofundados, mas a atividade já
desponta como esperança no tratamento de
tumores.
As pesquisadoras Gláucia Maria Pastore e Gisele Nobre, autoras da patente “Produção de Biossurfactantes utilizando manipueira como substrato” esclarecem que a capacidade do microorganismo Bacillus subtilis de produzir a substância denominada surfactina um detergente degradável já era mencionada na literatura. A novidade foi conseguir desenvolver um processo que originasse o biossurfactante, subproduto metabólico de bactérias, fungos e leveduras, através de um meio de cultura insólito, no caso a manipueira resíduo gerado na prensagem da mandioca. O processo para que o microorganismo se reproduza com intensidade demanda, em geral, um meio de cultura singular. “Este fator encarece bastante o produto, pois as proteínas utilizadas são de alto valor, o que torna o custo das técnicas convencionais inviáveis do ponto de vista econômico”, explica Gisele.
Os biossurfactantes possuem a propriedade de misturar as fases oleosas e aquosas através de um processo chamado emulsificação. No caso da pesquisa da Unicamp, a substância junta homogeneamente o petróleo na água e liga quimicamente com as moléculas de petróleo, realizando a sua degradação. Com isso, a indústria petroquímica ganha um importante aliado no refino do óleo em poços profundos.
Sabe-se que, tradicionalmente, as indústrias conseguem a purificação de 60% do volume de petróleo nos poços, sendo a porcentagem restante inviável de se alcançar com os produtos convencionais. A principal questão para a indústria, portanto, era encontrar um microrganismo com poder de procriação abundante e potencial produtor de biossurfactante para se atingir o rendimento adequado. Gláucia e Gisele realizaram diversos experimentos e não escondem a satisfação de exibir as amostras que comprovam a capacidade do produto. “É visível o poder de absorção do biossurfactante em relação aos produtos tradicionais. Com esse resultado será possível auxiliar em situações como um vazamento de petróleo no mar, limpando as regiões afetadas”, explica Gláucia.
As pesquisas avançam agora para o campo da engenharia genética. A idéia é isolar os genes e cultivar o Bacillus para a produção em escala industrial. Já existe uma empresa do ramo ambiental interessada na patente depositada pela Agência de Inovação da Unicamp. Mas o processo de negociação deve prosseguir até o início de 2005. “Mesmo com os resultados da pesquisa, sabemos que o microorganismo possui um potencial ainda maior. Queremos investigar outras propriedades”, destaca Gláucia. A inovação abre um leque de aplicações tanto para a indústria alimentícia, quanto para a produção de fármacos. Pode-se compor os molhos para salada, maionese e massa de pão, dando homogeneidade e diminuindo o teor de óleo. Isto garantiria qualidade maior aos produtos, uma vez que não conseguem manter por muito tempo uma consistência cremosa.
A gama de aplicações para o produto sugere ainda a ação antiviral e também bacteriostática nos alimentos e agiria em contaminantes fortes como a Salmonela e Staphiloccus. Outros ensaios atestam a utilização contra patógenos de difícil tratamento, como por exemplo, microorganismos Pseudomonas aeroginosa presentes nos ventiladores e ar condicionado, responsável por infecções nas vias aéreas superiores.
Resíduo A manipueira é gerada na etapa de prensagem da mandioca para se obter a farinha. A substância é riquíssima em açúcar, mas não há um destino útil e se constitui em um produto nocivo ao meio ambiente. É armazenada em taques para fermentação e na seqüência é descartada em água de rio ou solo. Por ser altamente tóxico, polui o solo e mata a vegetação. Gláucia explica que é comum o Laboratório de Bioquímica receber amostras de solo, água, plantas, frutas e vegetais de várias partes do país, para se realizar o isolamento dos microorganismos dessas amostras e fazer uma checagem do que eles produzem. A água de lavagem de frango foi um dos resíduos testados. O crescimento das bactérias, no entanto, não foi se deu com tanta eficiência como com a manipueira.