Leia nessa edição
Capa
Diário da Cátedra
Krieger: desempenho das
   universidades
Biodiversidade
Garrafas de vidro versus PET
Desafios do desenvolvimento
Velasco e Cruz: ensaio
Produção de tomate
Ciclo básico 2 - novos
   laboratórios
Síndrome de Down: ácido fólico
Teses da semana
Orçamento estadual
A palavra cênica
 

8

Pesquisa analisa as relações da agroindústria com produtores do Estado de Goiás

Tese de doutorado revela
conflitos e interesses na
produção de tomate



CARMO GALLO NETO


O professor Walter Belik, orientador da tese: estudo pode servir de parâmetro para entender outros tipos de relações agroindustriais (Foto: Antoninho Perri)Há cerca de duas décadas, ainda era muito comum a dona-de-casa procurar as feiras livres para adquirir dois tipos de tomate: o mais firme, para saladas, e o mais maduro, para molhos. O progressivo processo de urbanização e a conseqüente mudança de hábitos levaram o tomate para um lugar de destaque nas gôndolas dos supermercados, na forma de molhos, extratos e polpas. O tomate in natura ficou mais restrito à mesa. A evolução nos insumos e equipamentos agrícolas e nos meios de produção na agroindústria, aliados a um mercado em profunda transformação, determinaram também mudanças na produção do tomate, como o desenvolvimento de espécies rasteiras, mais adequadas ao processamento industrial. Mudaram também, substancialmente, as relações entre produtores agrícolas e a agroindústria. É o que mostra o trabalho de Darlene Ramos Dias, que estuda as relações contratuais na agroindústria de Goiás, o grande pólo produtor de tomate industrial do país. Segundo o professor Walter Belik, que orientou a tese de doutorado apresentada no Instituto de Economia da Unicamp, o estudo pode servir de parâmetro para entender outros tipos de relações agroindustriais.

Pesquisa investiga estrutura contratual

O professor Belik esclarece que os contratos de produção estabelecem as relações de compra e venda entre produtores agrícolas e empresas agroprocessadoras. Constituem alternativa entre dois extremos: a empresa assumindo a atividade agrícola ou adquirindo a matéria-prima em mercados abertos. A primeira tem custos altos e a segunda a deixa à mercê das oscilações de preços e das quantidades em oferta. Segundo o docente, a agricultura contratual tem sido vista como uma possível ferramenta rural dos países em desenvolvimento.

No caso do tomate no Brasil, os contratos refletiriam uma parceria dinâmica entre empresas transnacionais e pequenos produtores em que ambos se beneficiariam sem sacrificar os seus direitos. Os produtores teriam mercado para seus produtos e garantiriam através de contratos o acesso a modernas tecnologias, o que levaria ao melhor desempenho e à melhoria da qualidade dos produtos. Diz ainda que outro enfoque considera as transformações do sistema agroalimentar: produtos frescos, processados e produzidos em novos locais, sob novos tipos de condições técnicas, sociais e organizacionais. A pesquisa tem o objetivo de estudar a agricultura de contratos no Brasil, utilizando como referência o sistema agroindustrial do tomate no Estado de Goiás e investigando as principais características da estrutura contratual vigente.

Produtividade passa a ser elevada

O trabalho mostra que, na década de 90, as profundas modificações no sistema produtivo decorrem de alterações da base técnica de produção. O melhoramento genético de variedades mais adaptadas ao clima, relevo e topografia propicia a elevação da produtividade, condizente com as novas exigências industriais.

A elevada produtividade na cultura de tomate rasteiro resulta de cultivos híbridos, resistentes às múltiplas doenças, de maturação uniforme, e de cor, consistência, forma, espessura da parede do fruto mais adequadas à obtenção de derivados de alto valor agregado. A pesquisa e a disseminação do uso desses híbridos e o emprego de outras tecnologias de produção foram capitaneadas pela indústria graças a uma maior integração desta com a produção agrícola. O resultado: de 1990 a 1996, em média, a produção de tomate rasteiro na região do cerrado (MG e GO) correspondia a 34% da produção anual nacional. Em 2001 esse índice saltou para 84%.

Atualmente operam no Estado de Goiás grandes e médias empresas de processamento. Na década de 90, conforme crescia a produção do tomate rasteiro, as empresas deslocavam suas unidades industriais para o Estado. No mesmo período deu-se também a reestruturação no controle de empresas, num claro processo de concentração de capital. Ao exigir alguns atributos tecnológicos através dos contratos de suprimento de matéria-prima, as empresas incorporavam espaços geográficos mais adequados à obtenção de um produto agrícola de melhor qualidade.

Para analisar as condições estruturais e institucionais das relações contratuais que passam a vigorar a partir dos anos 90, a autora decidiu-se pela realização de uma pesquisa com produtores de tomate para a indústria. Segundo dados obtidos, dos 80 mil hectares destinados à agricultura irrigada no Estado, cerca de 10 mil eram contratados por cinco das mais importantes agroprocessadoras: Arisco/Cica, Quero, Olé, Brasfrigo e Ciro. Respondem por essa produção 163 tomaticultores que atendem aos requisitos mínimos exigidos pelas empresas agroprocessadoras. Qual o perfil desses produtores? Baseada nas respostas de 29 produtores, a pesquisa revela que, ao contrário do que ocorreu em Presidente Prudente, eles são proprietários das terras. Nas propriedades cultivam-se, além do tomate, outras lavouras, sendo predominantes o milho doce, o feijão e a soja. A grande maioria das propriedades dedica-se a algum tipo de criação, com destaque para os bovinos, seguidos de aves, eqüinos e suínos. Mas é o tomate que responde pela maior geração de renda dessas propriedades: cerca de 40%.

O nível técnico é bastante elevado e as máquinas pertencem aos produtores, na grande maioria dos casos, o que não constitui nenhuma surpresa para a autora já que para constar do cadastro das empresas é necessário que os produtores possuam máquinas e implementos agrícolas específicos à cultura e solo corrigido, destinem pelo menos 35 ha para a lavoura de tomate, módulo mínimo de terra que sustenta a produtividade média exigida, e tenham propriedade localizada em um raio de até 180 quilômetros da fábrica.

A pesquisa constatou ainda que um significativo número de produtores tinha experiência em culturas irrigadas, embora a grande maioria não possuísse anteriormente quaisquer conhecimentos da cultura do tomateiro. As agroprocessadoras mantêm quadro técnico qualificado, constituído de engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas, que ensinam as técnicas e acompanham o ciclo de produção, conforme previsto em contrato. A grande totalidade das propriedades utiliza trabalhadores permanentes em número muito reduzido e, no período da colheita, contrata trabalhadores temporários.

Na transação, preço é determinante

O tomate rasteiro ou industrial tem mercado restrito. Na comercialização, não há intermediários nem participação de cooperativas. O comportamento oportunista, ou seja, o rompimento de contrato para a venda a outro consumidor, não ultrapassa o 1% e encontra explicações no custo do transporte, distância e no fato de o produto ser altamente perecível.

Constitui uma produção de alto risco em decorrência de variações climáticas. Por isso, as empresa compradora busca a estabilidade de preços e a garantia de oferta, enquanto os produtores almejam mercado e preço. A autora constata que o preço constitui o elemento determinante para o produtor e que a cultura do tomate é a mais rentável da região. Para garantir a qualidade da matéria-prima e o abastecimento regular os contratos funcionam como elemento de controle e acompanhamento da atividade agrícola em todas as suas fases, o que restringe a liberdade dos produtores e suscita reclamos.

Outra queixa diz respeito à demora na recepção dos caminhões por ocasião das entregas. Como a matéria-prima é classificada e remunerada segundo certos critérios de qualidade, conforme contrato, a perda de qualidade durante o transporte e espera significa variação de remuneração. Além do mais, o produtor não tem acesso aos critérios utilizados na classificação e em grande parte dos casos discorda da avaliação, o que gera conflitos, pois raramente as empresas se dispõem a negociações.

Parte dos produtores acredita que não deveria haver descontos ou incentivos pelo tipo de produto recebido já que a condução da lavoura é de inteira responsabilidade dos técnicos. A responsabilidade do produtor se restringe apenas à contratação da mão-de-obra e à execução da colheita. Mas há problemas: os produtores podem deixar de seguir as instruções técnicas quanto à aplicação dos insumos e práticas produtivas, como plantar na época que lhes parecer mais conveniente, ignorando o estabelecido no contrato, o que compromete a capacidade produtiva da empresa; as empresas podem tentar vantagens sobre os produtores manipulando a inspeção da qualidade dos produtos e reduzindo a assistência técnica prevista no contrato, expedientes que podem ser utilizados quando a safra se mostra abundante.

Os produtores estão contentes com a rentabilidade? A pesquisa mostra que a opinião predominante é a de que ela é factível quando se atinge uma alta produtividade.Verificam-se grandes ganhos e grandes perdas. Segundo os produtores, há necessidade de dedicação total à cultura, obediência aos critérios da empresa e atenção total ao desenvolvimento da lavoura. Segundo a autora, um indício da rentabilidade é o fato de os agricultores não recorrerem ao crédito bancário.

Conclui que a estabilidade e a sustentabilidade das relações contratuais na produção de tomate dependem, portanto, do emprego simultâneo de outras culturas rentáveis, do estágio técnico e do conhecimento do produtor. Os produtores esperam das relações contratuais principalmente preços, acesso à tecnologia e segurança na renda. A grande maioria considera que há necessidade de mudanças nas relações contratuais vigentes. Os itens mais considerandos, segundo a pesquisa, foram política de preços, reformulações no transporte e na colheita e a inclusão do sólido solúvel (rendimento do tomate) na elaboração do pagamento do produtor. Apesar dos conflitos e de sua falta de solução, continuam aderindo aos contratos, garantindo-lhes a freqüência, que assegura a continuidade e estabilidade das relações, o que pode ser explicado pela especificidade dos ativos, que tem mercado restrito, e pelas incertezas da produção. A autora conclui que a formação de uma associação de classe dos produtores seria fundamental para a articulação de seus interesses.

O tomate no Brasil


A produção de tomate acompanhou a cultura do café. Os imigrantes italianos foram os primeiros a cultivá-lo nas fazendas de café.

No início do século 20 era consumido in natura embora já se empregassem processamentos para sua conservação. Devido às condições climáticas mais favoráveis, a produção se concentrou em Campinas e Sorocaba. Nessa época, cultivava-se o tomate estaqueado no interior de São Paulo e as indústrias de processamento utilizavam o produto refugado.

Nos anos 40, mais acentuadamente na década de 50, a cultura do tomate rasteiro torna-se extensiva. Desenvolveram-se espécies que podiam ser cultivadas ou pelo sistema rasteiro ou pelo sistema de estaqueamento. Instalam-se, então, em Monte Alto, interior de São Paulo, importantes empresas que produziam principalmente massa de tomate. Utilizavam cerca de 80% da produção, sendo o restante destinado ao consumo in natura.

Durante a década de 50 a cultura de tomate se transfere para Taquaritinga sob o impulso de vários fatores, entre eles a boa adaptação aos solos arenosos e ao clima.

Nas décadas de 70 e 80 dá-se uma conjunção de transformações favoráveis ao setor agroindustrial: modernização dos equipamentos e ampliação da capacidade de processamento da matéria-prima, organização da produção, incentivos ao setor agrícola e agroindustrial, condições favoráveis de exportação e crescente urbanização.

Em 1974, a instalação da Cica em Presidente Prudente desencadeou o cultivo do tomate rasteiro em grande escala na região. A empresa se beneficiou de vários fatores favoráveis ao desenvolvimento da tomaticultura local: existência de agricultores com experiência em lavouras e no arrendamento de terras; produtores com nível tecnológico mais adequado ao cultivo do tomate rasteiro; região com predominância de solos arenosos, de clima quente com inverno seco; atividade pecuária realizada em grandes áreas, favoráveis à prática do arrendamento; terras não contaminadas pelos agentes causadores de doenças e que, pela abundância, permitiam a rotatividade exigida na cultura do tomate; preços de arrendamento inferiores às das áreas agrícolas; linhas de crédito para os produtores; fornecimento gratuito de sementes selecionadas e assistência técnica; programas de treinamento para os agricultores. A autora ressalta que cerca de 90% dos tomaticultores arrendavam áreas tradicionalmente ocupadas por pastagens, utilizavam mão-de-obra familiar e na fase produtiva valiam-se de trabalhadores temporários.

No Brasil, os contratos entre produtores e agroindústrias tornam-se predominantes nos anos 70. Especificavam o preço do produto, área cultivada, cronograma de plantio, produtividade, critérios de classificação, fornecimento de sementes, assistência técnica aos produtores. A partir de meados de 80 a produção de tomate na região de Presidente Prudente se retrai devido à dificuldade de arrendamento de terras por causa da valorização, alem da crise econômica do grupo que financiava os agricultores. Surge então uma nova fronteira agrícola que se consolida a partir de meados de 90: a região dos cerrados de Goiás e Minas Gerais.

Topo

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2004 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP