A pesquisa feita pelo cirurgião dentista Sebastião Batista Bueno, o “doutor Batista”, como é conhecido em Campo Limpo Paulista, cidade em que reside e onde o trabalho foi desenvolvido junto a crianças atendidas em creches municipais, deu origem à dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Odontologia da Unicamp (FOP), orientada pelo professor Marcelo de Castro Meneghim, e teve como objetivo ampliar as referências entre aleitamento materno e suas implicações na respiração oral, no desenvolvimento de oclusopatias e de hábitos deletérios, assim chamados os nocivos à saúde. A pesquisa embasa, assim, possíveis programas interdisciplinares na área de saúde coletiva.
Centrada em 138 crianças entre quatro e cinco anos, previamente selecionadas, a pesquisa procurou relacionar oclusopatias, aeração nasal e hábitos deletérios com o tempo de aleitamento materno. Para tanto, com base em questionários, o pesquisador fez, auxiliado pelos profissionais técnicos das creches envolvidas, o levantamento do tipo de parto (normal ou cesárea), gênero, tempo de amamentação e hábitos de sucção associados ao tipo de oclusão e aeração nasal.
Com base no trabalho, Batista foi levado a concluir que o aleitamento materno é decisivo para a correta maturação e crescimento das estruturas do sistema estomatognático que abrange os músculos e ossos que formam a região bucal , estimula o desenvolvimento das funções fisiológicas e garante sobrevivência e qualidade de vida. Constatou que prevalecem nos grupos que menos recebem amamentação, determinadas oclusopatias, entre as quais: surgimento de espaços entre as arcadas na região anterior provocado por colocação de dedo ou interferência da língua; espaçamento entre os dentes anteriores; arcada superior projetada para frente; arcada superior menor que a inferior, o que leva os dentes superiores a tocarem os inferiores internamente à cavidade bucal; arcada dentária estreita; e hábitos persistentes de sucção de chupeta.
Batista diz que “a amamentação, incluindo aleitamento materno exclusivo, é de baixa prevalência e sugere programas que combatam o desmame precoce”. E acrescenta: “O aleitamento materno parece diminuir a prevalência de hábitos deletérios, principalmente os persistentes. Estes, juntamente com a respiração oral, influenciam altamente a incidência de oclusopatias”.
O pesquisador lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros seis meses, pois a redução desse tempo leva a uma diminuição do tempo de amamentação. Mais: a alimentação suplementar deve ser implementada apenas por volta dos seis meses. Batista constata que mães devidamente esclarecidas e incentivadas reagem bem a essas orientações. Na opinião do cirurgião dentista, o aleitamento materno constitui fator decisivo e primordial para a correta maturação e crescimento das estruturas estomatognáticas, mantendo-as aptas para exercerem o desenvolvimento da musculatura orofacial, que guia e estimula o desenvolvimento das funções fisiológicas.
Segundo o pesquisador, no aleitamento materno é muito maior o número de movimentos mandibulares em relação ao que se verifica na alimentação artificial, o que amplia a estimulação do sistema oral moto-sensorial. “As crianças tentam suprir suas necessidades neurais através de hábitos orais que em muitos casos levam a uma patogenecidade do sistema estomatognático”.
Resultados Além de comprometer a dicção e a mastigação, a oclusopatia afeta a respiração, o que, nas crianças, leva até à diminuição do rendimento escolar. Seu elevado grau de incidência e o alto custo dos tratamentos corretivos, principalmente para as classes de baixa renda, a experiência acumulada por meio de programas sociais desenvolvidos junto aos usuários das creches em Campo Limpo Paulista, a escassez de dados sobre amamentação e sua relação com a oclusão e a inexistência de uma política de amamentação no país motivaram o trabalho de Sebastião Batista Bueno.
A pesquisa mostrou que o desmame precoce ocorre no terceiro mês de vida em 30% das crianças, no sexto mês em 55% delas, e que em doze meses apenas 25% são mantidas com amamentação, enquanto a OMS recomenda a prática até 24 meses, em países pobres. Quanto à amamentação exclusiva, que deveria ser mantida por quatro a seis meses, a pesquisa revelou que já no terceiro mês o desmame é de 49% e que em seis meses chega a 74%. A necessidade da sucção, essencial no período inicial da vida, tende a desaparecer até os quatro anos, mas acaba se estendendo além desse período quando o aleitamento materno é deficiente, esclarece Batista.
Ao analisar crianças que usaram mamadeira por um ano ou mais constatou que 74% delas possuem hábitos de sucção de chupeta ou dedo. “A probabilidade dessas crianças desenvolverem hábitos de chupeta ou dedo é oito vezes maior quando comparada com as que nunca fizeram alimentação por esse meio”. O cirurgião dentista esclarece ainda que a criança que usa chupeta por mais de três anos aumenta em 33 vezes a possibilidade de desenvolver problemas oclusais em relação àquelas que dela não fizeram uso.
Segundo Batista, o estudo permite-lhe algumas conclusões que podem vir a orientar futuras políticas publicas multidisciplinares: “A amamentação, incluindo a amamentação exclusiva, possui uma baixa prevalência, segundo os critérios da OMS, exigindo programas que combatam o desmame precoce; a freqüência de oclusopatias é alta, principalmente as ligadas a hábitos deletérios; o fluxo aeronasal é alterado por determinadas oclusopatias; a falta de aleitamento materno influencia o surgimento de hábitos deletérios; hábitos deletérios persistentes influenciam altamente a prevalência de oclusopatias e comprometem a respiração nasal; e a estimulação do aleitamento materno é um fator de prevenção de hábitos deletérios, respiração oral e oclusopatias”.