As oficinas coordenadas por Carnicel, que é pesquisador do Centro de Memória da Unicamp (CMU) e professor da PUC-Campinas, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e das Faculdades Hoyler, integram o projeto intitulado “Memória, qualidade de vida e cidadania: os bairros populares de Campinas”, desenvolvido pelo CMU. Este compreende outras oficinas além da de Jornalismo Comunitário, tais como fotografia, história oral, criatividade, hip-hop etc. As três comunidades objeto do trabalho foram a Vila Costa e Silva, o Complexo São Marcos (formado pelos jardins São Marcos, Campineiro, Santa Mônica e Recanto Fortuna) e Vila Castelo Branco, localizadas na periferia do município. Em todos os bairros, destaca o pesquisador, o projeto contou com a parceria de uma ONG ou da paróquia local.
Carnicel afirma que todo o trabalho deu-se num processo de aprendizado mútuo. “Se a iniciativa de elaboração de um jornal comunitário consistiu em novidade para os adolescentes, a transmissão do conhecimento e o meio utilizado para a materialização dos ensinamentos também foram atividades inéditas para mim”. A experiência, reconhece, foi marcada por várias dificuldades. O autor da tese lembra que muitos jovens tinham dificuldade para ler ou escrever. Outro problema foi a falta de familiaridade dos adolescentes com as práticas da educação não-formal. “A educação não-formal é caracterizada pela participação espontânea e pela inexistência de cobranças e punições. Também não há relação hierárquica entre as pessoas. Mesmo assim, tanto na Vila Costa e Silva quanto no Complexo São Marcos os garotos e garotas insistiam em me chamar de ‘professor’. Além disso, nossos encontros se davam numa sala, onde eu me valia de lousa e giz para explicar o que era uma entrevista ou uma reunião de pauta. De algum modo, isso criava um ambiente próximo ao da escola convencional”, explica.
Na Vila Costa e Silva, os adolescentes produziram um jornal mural, cujos exemplares foram afixados em pontos estratégicos do bairro, como estabelecimentos comerciais e locais de grande concentração dos moradores. Entretanto, assim que Carnicel deixou a coordenação das atividades, para dar prosseguimento à sua pesquisa, os trabalhos foram encerrados. No Complexo São Marcos, lembra o jornalista, houve um problema adicional. “Alguns dos adolescentes estavam na situação de liberdade assistida. Assim, a presença na oficina era uma condição imposta pela Justiça. Isso colide com os princípios da educação não-formal, que defende a participação espontânea”, reforça o pesquisador. Em razão dessas dificuldades, o trabalho junto àquela comunidade não pôde ser materializado na forma de um jornal comunitário. “Entretanto, penso que a experiência foi positiva tanto para os adolescentes quanto para mim”, analisa Carnicel.
Na Vila Castelo Branco, a situação foi totalmente diferente das experiências anteriores. Conforme o jornalista, os jovens do bairro já tinham familiaridade com a educação não-formal, em virtude do trabalho realizado pela ONG Projeto Gente Nova (Progen). Dessa forma, a maioria dos participantes entendeu a proposta da oficina desde logo e demonstrou grande interesse pelas atividades. Lá, o pesquisador teve a oportunidade de constatar de forma ainda mais efetiva a importância do jornal comunitário como ferramenta para a promoção da auto-estima e da cidadania. “Inicialmente, quando nos reuníamos para definir as pautas, os jovens sugeriram muitos temas relacionados à violência, pois isso fazia parte do cotidiano deles. Em pouco tempo, porém, acabaram percebendo que o bairro também tinha aspectos positivos, como o morador que escrevia poesia ou a moradora que trabalhava com artesanato”, relata.
O fato de o jornal, batizado de “Conexão Jovem”, divulgar “as coisas boas” do bairro elevou a auto-estima tanto dos jovens quanto do restante da comunidade, segundo Carnicel. Ao verem a vila retratada fora das páginas policiais dos jornais, os moradores não só aprovaram a iniciativa, como começaram a participar dela, por meio da sugestão de pautas, publicação de anúncios e até mesmo de apoio material. “Um leitor, que tinha uma filmadora e algumas fitas, doou tudo para a redação, justificando que seria importante registrarmos nossa experiência em vídeo”, conta o autor da tese de doutorado. Umas das conseqüências do trabalho realizado na Vila Castelo Branco, prossegue o jornalista, é que praticamente todos os integrantes da primeira oficina estão hoje no mercado de trabalho. “Eles disseram que a oportunidade de planejar e produzir um jornal, no caso um fanzine, teve influência na obtenção do emprego, pois todos se sentiram mais preparados para enfrentar o processo seletivo, no qual o candidato normalmente é submetido a uma entrevista e tem que apresentar uma redação”.
Novos frutos Mas os resultados não pararam aí. Ao acompanharem os objetivos alcançados pelo jornal, que entra agora na sua décima edição, com tiragem de 5 mil exemplares [começou com mil], dirigentes de escolas da região procuraram o Progen com o objetivo de também produzirem uma publicação, com a participação de seus alunos. A partir do ano que vem, Carnicel dará aulas de capacitação para os professores dessas unidades de ensino, de modo a prepará-los para coordenarem oficinas de Jornalismo Comunitário junto aos estudantes. Este projeto já foi apresentado para algumas empresas e fundações, que deverão patrociná-lo. De acordo com o jornalista, esse tipo de ação representa uma efetiva abertura de espaço a grupos marginalizados cultural e geograficamente. “Embora o jornal comunitário valorize os fatos positivos do bairro, ele não fecha os olhos para os problemas. Nas várias matérias publicadas, os jovens trataram de questões como droga e violência, sempre com um olhar bastante crítico”.
A exemplo de outros fanzines produzidos com a mesma proposta, assinala Carnicel, o “Conexão Jovem” não tem a pretensão de ser um modelo de democratização dos meios de informação. “Este tipo de publicação, pelas suas características, pode e deve conviver pacificamente com os jornais de médio e grande porte”, analisa. O autor da tese de doutorado, que foi orientado pela professora Elisa Angotti Kossovitch, considera, ainda, que a educação não-formal não compete com o ensino convencional. Portanto, não deve ser encarada como uma forma de reforço escolar. “Uma atividade não exclui a outra. Na verdade, elas são complementares”, sustenta.