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Projeto de pós-doutorado prevê a tradução de
pelo menos 120 poemas da poeta campineira

Escritora traduz
4 livros de Hilda Hilst

ÁLVARO KASSAB

Cristiane Grando: "O tradutor tem de estar acostumado a lidar com perdas" (Foto: Antoninho Perri)Projeto de pós-doutorado da escritora Cristiane Grando, com supervisão do professor Jorge Coli, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, prevê a tradução de quatro obras da escritora Hilda Hilst (1930-2004) para o francês. Além de verter 120 poemas dos livros “Amavisse”, “Alcoólicas”, “Da morte. Odes mínimas”, “Cantares do sem nome e de partidas”, Cristiane estuda os manuscritos dessas obras para saber em que medida os processos criativos da escritora poderiam dialogar com o modus operandi do tradutor. A pesquisa envolve também a participação da escritora na organização do “Fundo Hilda Hilst”, do Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio” (Cedae), que pertence ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.

Obra deve reunir conjunto de poemas

A pesquisa, intitulada “Do desejo e da morte – tradução de poemas de Hilda Hilst para o francês a partir do estudo dos manuscritos”, deve estar concluída em um ano. Um texto sobre tradução vai figurar como prólogo de um livro que Cristiane pretende lançar. “Trabalho com a idéia de que o tradutor tem de estar acostumado a lidar com perdas. E saber avaliar em que aspectos é possível amenizá-las. É preciso interpretar o texto o tempo todo, conhecer e reler constantemente a obra do autor”. Na opinião da autora da pesquisa, o pós-doutorado é uma oportunidade “de dar um passo a mais” em seu trabalho.

Graduada em Letras na USP, onde também realizou pós-graduação, Cristiane, orientada por Philippe Willemart, vem estudando há 10 anos a obra de Hilda Hilst – incluindo mestrado (1998) e doutorado (2003) sobre a autora de “Amavisse”, tempo suficiente para tornar-se referência no assunto. “Sou muito procurada por estudantes, pesquisadores e até mesmo por atores que encenam peças e textos hilstianos”. A pesquisadora lembra que, aos poucos, a obra de Hilda está sendo mais difundida. “Quando comecei meu projeto de mestrado, em 1995, eram no total apenas quatro doutorados ou mestrados sobre sua obra. Hoje está difícil catalogar todas as pesquisas. Ademais, muitas universidades já introduziram a obra de Hilda Hilst em cursos de literatura e até mesmo no vestibular”.

O escritor e tradutor chileno Leo Lobos: elogios à literatura brasileira (Foto: Antoninho Perri)Dizendo-se “apaixonada” pela obra da escritora, o primeiro objetivo de Cristiane é continuar estudando os trabalhos de Hilda e aprofundar suas pesquisas em crítica genética (estudos literários de manuscritos modernos e contemporâneos). A procura por um novo enfoque e sua afinidade com a França, onde morou duas vezes, levaram Cristiane ao desafio de verter as obras. As revisões dos textos traduzidos serão definidas na França, para onde Cristiane volta no ano que vem, com o objetivo de realizar um trabalho em parceria com a poeta e professora francesa Espérance Aniesa. Depois de concluído o pós-doutorado, Cristiane vai em busca de uma editora que publique seu trabalho em edição bilíngüe. Algumas obras de Hilda Hilst já foram publicadas na França, inclusive pela prestigiosa Gallimard.

Cristiane conviveu com Hilda nos últimos anos de vida da escritora. Lembra que, ao finalizar o mestrado sobre “Amavisse”, levou para a poeta o trabalho impresso. “Hilda chorou de emoção, talvez por ter se identificado com o lado artístico do projeto”, relembra Cristiane, que diz ter como influências, além da própria Hilda, Baudelaire, Manuel Bandeira e Drummond.

Para Cristiane, a originalidade de sua pesquisa consiste na observação dos processos criativos do autor e do tradutor. “Para traduzir poesia é muito importante ser poeta; é mais fácil para trabalhar e repensar os processos de criação e tradução. Sempre gosto de traduzir os meus próprios poemas porque tenho mais liberdade de criação, o que acaba influenciando os processos tradutórios como um todo”.

Foto de Jorge Bercht, que foi exposta na Casa do Lago juntamente com obras de Cristiane Grando (Foto: Reprodução)Já pensando no pós-doutorado, Cristiane traduziu para o francês seu último livro de poemas “Fluxus”, recém-lançado, experiência também compartilhada com Espérance Aniesa. “Escrever e traduzir são processos bastante diferentes porque na tradução você parte de um texto que já existe. A liberdade não é total. É preciso, com a experiência, conquistá-la pouco a pouco. No meu projeto de pós-doutorado, é um desafio verter para uma língua que não é a minha língua materna”. Os poemas de “Fluxus” também foram traduzidos para o espanhol pelo escritor, tradutor e ilustrador chileno Leo Lobos e para o inglês pela professora norte-americana Levana Saxon. Leo Lobos participa de “Fluxus” também como ilustrador.

O projeto da pesquisadora de mergulhar no universo da tradução consolidou-se depois de conhecer Lobos, durante uma residência internacional promovida pela Unesco, que concedeu a bolsa de criação Unesco-Aschberg aos melhores projetos artísticos, avaliados por uma comissão em Paris. No transcorrer do projeto, ambos moraram na cidade francesa de Marnay-sur-Seine, entre setembro de 2002 e janeiro de 2003. Da convivência nasceu o livro “Caminantes”, que reúne poemas de Cristiane escritos em francês e português, traduzidos por Lobos ao espanhol.

Lobos, que tem uma extensão produção poética no Chile, revela sua admiração pela literatura brasileira, classificando-a de “extraordinária” no contexto latino-americano. “Infelizmente, a barreira idiomática impede que seja mais conhecida. O Brasil tem uma riqueza cultural fascinante. Para mim, trata-se de um exercício muito interessante a tradução dos poemas de Cristiane para o espanhol”, argumenta o poeta.

Virtual – A rápida difusão da Internet transformou-se, para Cristiane Grando, em aliada na sua empreitada. A escritora lembra que, com o advento da rede mundial, os poemas podem ser lidos em qualquer canto do planeta. “Publicar um livro em várias línguas oferece a oportunidade de fazê-lo migrar para um site. Com isso, você ganha leitores no mundo todo”, comemora a pesquisadora, que prega a recriação como ferramenta fundamental na tradução.

A escritora incursiona também pela fotografia. Recentemente, a Casa do Lago da Unicamp abrigou a exposição “Crônicas do Cotidiano”, que reuniu fotografias suas e de Jorge Bercht, engenheiro-arquiteto formado na USP, radicado em Cerquilho, cidade do interior paulista, onde Cristiane nasceu e desenvolve atividades na área de gestão cultural em parceria com Bercht e Lobos.

Um poema de
Cristiane Grando
*

pensas
que sou feita
de carne, ossos, sangue?

não

sou vento, chuva, fogo, nada

*Extraído do livro "Fluxus"

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