A exploração e aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas brasileiras, tema historicamente polêmico e explosivo, acaba de ser analisado na dissertação de mestrado da advogada Melissa Volpato Curi, apresentada no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Ela tomou para estudo a Terra Indígena Roosevelt, em Rondônia, área ocupada pela etnia Cinta Larga. Tendo como referência dois projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e que tratam da regulamentação dessa atividade, a pesquisadora considerou quatro cenários possíveis. A principal preocupação da autora foi avaliar a sustentabilidade dos modelos que, pelas suas hipóteses, poderiam surgir a partir da aprovação das propostas que estão sendo discutidas pelos parlamentares.
De acordo com Melissa, os dois projetos de lei que tramitam no Congresso são muito parecidos, embora um atenda aos interesses da chamada “bancada da mineração” e o outro, da “bancada indigenista”. Um ponto importante que diferencia a primeira proposta, formulada em 1991, da segunda, que data de 1996, é a dispensa da realização do estudo prévio e do relatório de impacto ambiental para a exploração dos recursos minerais nas terras ocupadas pelos índios. Tal exigência, conforme a pesquisadora, sequer deveria ser motivo de discussão, visto que está contemplada na Constituição Federal. Na perspectiva da advogada, existem quatro alternativas possíveis para a questão da mineração nas áreas indígenas.
A primeira, diz, é que a atividade fique restrita à atuação de empresas. Nesse caso, a autora da dissertação entende os trabalhos deveriam ser antecedidos do estudo e do relatório de impacto ambiental e social, de modo a preservar tanto os recursos naturais quanto a cultura e o bem-estar dos índios. “Penso que a melhor opção seria a criação de uma estatal para explorar os recursos naturais, pois isso permitiria, por exemplo, uma maior fiscalização dos trabalhos. Não sei, entretanto, se essa proposta poderia vingar num contexto em que prevalecem as idéias neoliberais”. A segunda alternativa seria autorizar a mineração por parte dos garimpeiros. Essa saída, na opinião de Melissa, seria desastrosa. “Nós já conhecemos os resultados desse modelo. O garimpo traz, invariavelmente, danos ambientais e sociais, como assoreamento de rios, destruição da mata ciliar, consumo de drogas e prostituição”.
A terceira hipótese é a de que os próprios índios sejam autorizados a explorar os recursos minerais. Embora a Constituição não trate dessa questão, o Estatuto do Índio diz que “a garimpagem em terras indígenas é exclusividade dos índios”. Os Cinta Larga, segundo Melissa, reivindicam esse direito, a exemplo do que fez, com relativo sucesso, a etnia Waiãpi, do Amapá. “Essa hipótese também tem de ser analisada com cuidado, pois pode trazer resultados negativos. Talvez isso seja viável com a participação do Estado, que se encarregaria capacitar os índios para essa tarefa. Nesse caso, a atividade deveria fazer parte de um projeto de revitalização da cultura local, de modo que a garimpagem fosse mais uma forma de subsistência daquele povo”, analisa a advogada.
Por último, há a possibilidade de a mineração ser totalmente proibida em terras indígenas. Na opinião de Melissa, essa hipótese também deve ser levada em conta, dado que poderá haver o entendimento de que o interesse nacional, entendido como a preservação dos índios e da sua cultura, sobrepõe-se ao interesse econômico. Segundo a autora da dissertação, que foi orientada pelo professor Hildebrando Herrmann e contou com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), é preciso que haja algum marco legal em relação à mineração, mas esta regulamentação não pode ser geral. “Penso que cada caso deve ser analisado separadamente, uma vez que cada etnia ou região tem as suas particularidades”.
Apenas para se ter uma idéia do que está em jogo no que toca à regulamentação da exploração e aproveitamento dos recursos minerais em terras indígenas, basta saber que a estimativa é de que a área ocupada pelos Cita Larga em Rondônia dispõe de uma reserva de diamante da ordem de 1 milhão de quilates por ano, que equivaleria, segundo alguns cálculos, a US$ 3,5 bilhões. A Polícia Federal avalia que entre 2002 e 2003, aproximadamente US$ 50 milhões em diamantes tenham saído ilegalmente da região com destino ao exterior. Não por acaso, aquele ponto do país tem sido palco de sérios conflitos. Em abril de 2004, os Cinta Larga mataram 29 garimpeiros que agiam irregularmente em suas terras. “Aquela área ainda vive em constante tensão, o que mostra que a regulamentação da mineração não pode ser protelada por muito mais tempo. Além disso, as propostas devem obedecer ao princípio da sustentabilidade”, adverte Melissa.