Para esta pesquisa, a Unicamp (Caism) foi a primeira instituição brasileira a contar com a técnica de SKY (Spectral karyotyping), ou cariotipagem espectral, que permite visualizar cada um dos pares de cromossomos e os cromossomos sexuais X e Y em cores diferentes. “Com a técnica inédita no país, investigamos se há troca de material genético dos cromossomos (translocações), bastante freqüentes em doenças como cânceres e mal-formações fetais. É como se pintássemos cada um dos 46 cromossomos de uma pessoa normal. Havendo troca de segmento cromossômico, conseguimos enxergá-lo facilmente. Por técnicas convencionais, visualizamos apenas padrões em preto e branco das células de sangue e tecidos, parecidos com códigos de barras, em que o diagnóstico é menos assertivo”, explica Juliana Heinrich.
A geneticista ressalta neste trabalho a parceria do CPqD (antiga Telebrás), com um financiamento do Funttel de R$ 400 mil para compra de equipamentos, insumos de laboratório e pagamento de bolsistas. Os equipamentos (que não se limitam ao SKY) chegaram em outubro de 2004 e permanecerão em comodato no Caism, estando já em uso para outras pesquisas e sobretudo para o atendimento de pacientes do SUS. Em relação aos celulares foram analisados 221 artigos indexados ao Medline banco mundial de dados sobre literatura biomédica. “Tivemos a preocupação de não repetir erros de outros trabalhos e realizar um estudo bem desenhado, monitorando e controlando variáveis como tempo de exposição, níveis de radiação e tipo de célula a ser exposta”, afirma a pesquisadora.
Foram irradiadas no CPqD, em níveis diversos, amostras de células doadas por dez voluntários, considerando o limite estabelecido internacionalmente para absorção de radiação, medido em SAR (2 watts por quilo de massa corporal). Os telefones celulares no mercado apresentam taxas aproximadas de 1.5 e 1.6 watts. “Expondo as células ao nível de radiação dos aparelhos, não houve quebra ou troca de material genético. O estudo indica que os limites determinados estão corretos e que, a princípio, não há motivo para pânico por parte dos usuários. No entanto, registramos danos ao DNA a partir de potências dez vezes superiores ao limite, o que sugere uma discussão do problema na área ocupacional, ou seja, quanto a trabalhadores expostos a radiações muito mais elevadas do que a população em geral”, adverte Juliana Heinrich.
Irradiação Como o telefone celular surgiu há apenas dez anos, a pesquisadora aponta uma grande dúvida: se a absorção da radiação pelo corpo humano é um processo cumulativo ou não. “Ainda não temos como oferecer uma resposta, pois um estudo exigiria o acompanhamento do problema por 20 ou 30 anos. Sabemos que corpo é capaz de compensar danos em células, mesmo porque vivemos sob outras radiações, como as do televisor ou do raio-ultravioleta do sol. Mas existe a hipótese de que havendo danos grandes e permanentes às células, tais erros aumentem e se acumulem a outros, caso a incidência de radiação seja contínua”, afirma.
A propósito, Juliana Henrich julga importante abordar a polêmica sobre as antenas, embora elas não tenham sido objeto do estudo por exigir uma medição totalmente diferente. “As antenas preocupam porque aparentemente concentram radiação e são instaladas perto das casas, sem consulta aos moradores. Na verdade, sua potência é dissipada na distância até as residências, sendo muito menor do que a de um aparelho celular colocado ao ouvido, junto da cabeça. Já o telefone, que levamos sempre junto ao corpo, emite radiação mesmo quando está em modo de espera”, pondera.
Na leitura dos artigos indexados ao Medline, Juliana Heinrich encontrou temas inusitados, como de pesquisadores interessados nos efeitos da radiação na produção de espermatozóides, devido ao hábito dos homens em levar o celular preso à cinta, na região pélvica. As mulheres, no caso, estariam mais protegidas porque carregam o aparelho perdido dentro da bolsa. “Os grandes focos de pesquisa, porém, são as leucemias (cânceres que partem da medula óssea) e alguns tumores cerebrais e de cabeça e pescoço. O fato é que não encontramos nenhum trabalho conclusivo”, esclarece a geneticista. O estudo do Caism com o CPqD, por sua vez, já resultou em uma monografia e vem sendo apresentado em congressos no Brasil e no exterior, com dois artigos às vésperas de publicação. Outros estudos ainda serão realizados no mesmo convênio.
Assistência “O Laboratório de Citogenética e Cultivo Celular não se dedica apenas à pesquisa, mas também a análises clínicas. Por isso, os equipamentos de ponta adquiridos para este estudo, que permanecerão no Caism, estão sendo utilizados para diagnósticos complexos em pacientes atendidas pelo SUS”, comemora a doutora. Sendo um hospital de referência, o Caism atende a pacientes da oncologia, medicina fetal e ginecologia endócrina, e um dos trabalhos clínicos de rotina é a detecção de doenças genéticas relacionadas com malformações fetais. “Os equipamentos são usados para o diagnóstico fetal realizado a partir do líquido amniótico e sangue do cordão umbilical”, acrescenta.
Uma sala do laboratório guarda o microscópio de fluorescência acoplado a um interferômetro e um computador com um sistema de captura e análise de imagens. Além do SKY, o sistema é composto por outros três softwares: de Banda G (cariotipagem convencional), FISH (hibridação in situ por fluorescência) e CGH (hibridação genômica comparativa). “Com o novo sistema fechamos diagnósticos que ficariam sem finalização em técnicas convencionais. Utilizando uma ou várias técnicas ao mesmo tempo, é possível analisar com maior assertividade as aberrações numéricas e estruturais dos cromossomos humanos”, explica Juliana Heinrich.
Como exemplos, a pesquisadora do Caism informa que a técnica de CGH, em outro estudo, possibilitou identificar regiões específicas do genoma que podem aumentar a resistência ao tratamento quimioterápico em pacientes com câncer de ovário. Pela mesma técnica, constatou-se que fetos portadores de gastrosquise, um defeito de fechamento da parede abdominal, possuem padrões genômicos normais, ou seja: que o aparecimento da doença não parece estar ligado a ganhos ou perdas de certas regiões nos cromossomos, diferentemente do que acontece na onfalocele, patologia muito próxima. Tal informação pode ajudar no diagnóstico diferencial das duas patologias.