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Jornal da Unicamp - Fevereiro de 2000
Páginas 6-7
Genoma
O mapa da Xylella
Há entre três e oito milhões de
pessoas infectadas no Brasil
MARISTELA TESSEROLI SANO
O Brasil
está prestes a anunciar ao mundo uma conquista sem precedentes
na área de biotecnologia. Até março, deverá estar concluído o seqüenciamento
genético completo da bactéria Xylella fastidiosa. É o primeiro (e, por enquanto,
único) trabalho do gênero em um agente causador de doenças em vegetais. A expectativa
é grande entre os pesquisadores brasileiros. Afinal, até o momento são conhecidas
apenas 24 seqüências completas de genomas microbianos; nenhuma delas, entretanto,
elaborada fora do eixo Estados Unidos Europa - Japão.
Quando for anunciado o término do projeto, os pesquisadores brasileiros da rede ONSA
(Organização para Seqüência e Análise de Nucleotídeos), composta por 34
laboratórios paulistas de pesquisa, entre eles laboratórios da Unicamp (veja quadro ao
lado), terão mesmo muitos motivos para comemorar.
O primeiro deles será ter correspondido à confiança depositada no ONSA pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em parceria com o Fundecitrus
(Fundo de Defesa da Citricultura), a Fapesp investiu 98% do total de US$ 15 milhões na
pesquisa, o maior financiamento de sua história a um projeto científico. O segundo, e
não menos importante, será a conclusão do trabalho antes do prazo previsto. Pelo
cronograma, os pesquisadores deveriam finalizá-lo entre 30 e 36 meses. Entretanto, os
esforços empreendidos pelo grupo levaram ao término do trabalho em apenas 27 meses.
Finalmente, ao concluir um dos mais ambiciosos projetos já desenvolvidos
no país na área de biotecnologia, os pesquisadores brasileiros terão também o mérito
de ter feito do Brasil o único país do Hemisfério Sul a desenvolver um projeto de
seqüenciamento completo de um organismo.
Retoques finais - O final da jornada de trabalho da rede ONSA no Projeto Genoma
começou a se delinear no início deste ano, quando, finalmente,
fecharam-se os gaps (buracos) na seqüência total do genoma e conseguiu-se o
seqüenciamento completo da bactéria. Mas, nem assim, o projeto foi finalizado.
"Falta ainda conseguir com que todas as bases da seqüência atinjam um nível
mínimo de qualidade", explica um dos coordenadores do Laboratório de
Bioinformática da ONSA, João Carlos Setúbal. No momento, este é o trabalho que
vem sendo executado pelos laboratórios de biologia molecular da rede. Menos de 600 pares
de bases, de um total de 2.700.000, ainda precisam chegar a esse nível mínimo de
qualidade".
Como esse trabalho está quase concluído, alguns pesquisadores dedicam-se
agora às anotações, uma parte do projeto em que a longa seqüência de bases da
bactéria é interpretada e decodificada para identificação de seus genes. Assim que o
trabalho de anotação for finalizado, a rede ONSA submeterá um paper à aprovação do
conselho editorial da Nature, uma das revistas de maior prestígio junto à comunidade
científica mundial.
Levando-se em consideração a avaliação do trabalho dos pesquisadores
brasileiros feita por um comitê internacional composto por um cientista belga, um
inglês e um grego - a publicação na Nature estaria garantida. Um parecer de
acompanhamento, emitido em novembro ultimo, assinado pelos três cientistas que
monitoraram todo o projeto, além de tecer vários elogios ao trabalho, em determinado
trecho afirma que a decisão de estruturar a rede para seqüenciar o genoma tem
funcionado em São Paulo ainda melhor do que funcionou na Europa.
O futuro da ONSA Pelos próximos dois anos, o futuro da rede ONSA
já
está definido. Antes m*esmo do término do projeto de seqüenciamento do
genoma da Xylella fastidiosa, outros três trabalhos começaram a ser
desenvolvidos: cana-de-açúcar, Xanthomonas citri e câncer humano. Alguns
dos laboratórios da Unicamp, envolvidos no projeto Xylella, estão também
participando desses novos desafios.
No projeto cana-de-açúcar, financiado pela Fapesp (95%) e pela Coopersucar (5%), 30
laboratórios trabalham para identificar cerca de 50 mil genes da planta. O projeto terá
investimentos de US$ 6 milhões. Já no projeto Xanthomonas citri - que receberá US$ 5
milhões da Fapesp (95% do total) e do Fundecitrus (5%), estão envolvidos 12
laboratórios que pretendem elaborar o seqüenciamento genético completo dessa bactéria
causadora do cancro cítrico em laranjais. Finalmente, o projeto câncer humano envolve o
trabalho de 25 laboratórios que pretendem obter o seqüenciamento de genes humanos
relacionados ao câncer.
No projeto câncer humano, a Fapesp conta com um importante aliado. Depois de participar
da rede ONSA, o Instituto Ludwig, uma entidade internacional sem fins lucrativos, decidiu
apostar na capacidade dos pesquisadores brasileiros e está investindo US$ 5 milhões no
projeto - exatamente 50% do custo total, estimado pela Fapesp em US$ 10 milhões.
A aventura acontece aqui
Conheça os laboratórios da
Unicamp envolvidos
no projeto Genoma e seus coordenadores:
Xylella fastidiosa:
* Laboratório de Bioinformática, Instituto de Computação, coordenado
pelos professores João Carlos Setúbal e João Meidanis.
* Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG),
coordenado pelo professor Paulo Arruda
* Departamento de Genética, Instituto de Biologia, coordenado pelo
professor Gonçalo Guimarães Pereira
* Hemocentro, Faculdade de Ciências Médicas, coordenado pelo
professor Fernando Costa
Cana-de-açúcar:
* Laboratório de Bioinformática, Instituto de Computação, coordenado
pelos professores João Carlos Setúbal e João Meidanis.
* Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG),
coordenado pelo professor Paulo Arruda
Xanthomonas citri:
* Laboratório de Bioinformática, Instituto de Computação, coordenado
pelos professores João Carlos Setúbal e João Meidanis.
Câncer humano:
* Departamento de Genética, Instituto de Biologia, coordenado pelo
professor Gonçalo Guimarães Pereira
* Hemocentro, Faculdade de Ciências Médicas, coordenado pelos
professores Fernando Costa e Silvana Bordin
* Departamento de Genética Médica, Faculdade de Ciências Médicas,
coordenado pela professora Christine Hackel
* Departamento de Morfologia, Faculdade de Ciências Médicas,
coordenado pela professora Maria de Fátima Sonati
O amarelinho
Não foi por acaso que a Fapesp, através da rede ONSA, escolheu a Xylella fastidiosa para
realizar o primeiro seqüenciamento genético de um agente
causador de doenças em vegetais. Causadora da Clorose Variegada dos Citros (CVC), também
conhecida como amarelinho, a Xylella foi identificada em 1987 e hoje atinge
34% dos pomares paulistas. Como a doença ataca principalmente plantas jovens, os
especialistas acreditam que o futuro da citricultura no Estado estará seriamente
ameaçado caso a doença não seja detida a tempo. Os pomares de laranja são hoje a base
de sustentação de uma agroindústria com faturamento anual de US$ 2 bilhões e geradora
de 400 mil empregos diretos e indiretos no Estado de São Paulo. Maior produtor de
laranjas do mundo, o Brasil responde por 34,8% da produção mundial, seguido pelos
Estados Unidos, que produzem 17,8% do total. Estatísticas apontam que a cada dez copos de
suco concentrado de laranja servidos no mundo, oito são de suco brasileiro. Daí a
importância da pesquisa. Quando finalizarem o trabalho, os pesquisadores
terão identificado os pontos frágeis da bactéria e, assim, haverá a possibilidade de
desenvolver um controle químico ou biológico da praga. |