Ministro quer instituir "padrão
de gerência" para fundos setoriais
Recém-empossado, Eduardo
Campos garante que cortes no Orçamento não
atingirão C&T
CLAYTON
LEVY
O recém-empossado ministro
da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, pretende
dar ao governo maior poder de influência sobre
os fundos setoriais. Em visita ao Laboratório
Nacional de Luz Sincrotron (LNLS), no último
dia 9, ele revelou a intenção de formar
um colegiado, que seria composto pelos presidentes
de cada fundo e presidido pelo próprio ministro.
A idéia, segundo Campos, é dar um padrão
de gerência aos fundos que, segundo ele,
têm a tendência de ficar uns de
costas para os outros, sem uma visão mais sistêmica.
Hoje, os 14 fundos setoriais, cujos recursos para
2004 são estimados em R$ 600 milhões,
são geridos por comitês gestores com
independência.
O ministro nega, porém,
que a medida reduziria a autonomia dos fundos. Segundo
ele, a criação do colegiado é
uma oportunidade para garantir a integração
dos recursos dentro das políticas de governo.
Nós nunca assistimos uma reunião
com todos os comitês, disse, ao salientar
que essa situação é uma demonstração
de que os comitês gestores não são
integrados.
Acompanhado pelo novo secretário
executivo do MCT, Luis Fernandes, o ministro garantiu,
ainda, que os cortes no Orçamento anunciados
pelo governo federal não deverão afetar
a sua pasta. Campos também condicionou o aumento
dos investimentos privados em P&D à aprovação
da Lei de Inovação. Na entrevista que
segue, o ministro fala de seus planos à frente
do MCT.
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Eduardo Campos (centro), ministro da Ciência
e Tecnologia, durante visita ao LNLS: por uma
visão sistêmica |
JU - Os cortes que o governo
anunciou para o orçamento da União deverão
afetar a área de C&T?
Eduardo Campos Pelo projeto dos cortes, a área
de Ciência e Tecnologia está preservada.
Os cortes estarão em cima de uma política
geral de custeio. Não serão cortes lineares.
Serão cortes diferenciados por área
e o governo entende a importância estratégica
da área de Ciência e Tecnologia, sobretudo
em um ano em que estamos preparando o país
para voltar a crescer. Se desejamos que esse crescimento
seja sustentado, precisamos de investimentos nessa
área para atender à nova política
industrial, tecnológica e de comércio
exterior.
JU - Que política o ministério
irá adotar para incentivar a iniciativa privada
a investir em pesquisa e desenvolvimento?
Campos O primeiro passo é aprovar no
Congresso Nacional a proposta do governo para uma
nova Lei de Inovação Tecnológica.
Hoje, o fato de não termos uma lei como essa
tem inibido os investimentos. Há fundos da
iniciativa privada querendo fazer investimentos em
inovação tecnológica, mas a ausência
desse marco legal regulatório tem inibido essa
iniciativa. Nós entendemos que é possível,
com a colaboração do parlamento brasileiro,
ainda nesse primeiro semestre, dar ao País
uma nova lei que discipline a relação
entre a empresa, a universidade e os institutos de
pesquisa. Esse seria um grande passo para multiplicar
os recursos na área de Ciência e Tecnologia.
JU - O senhor pretende mudar
a forma de condução dos fundos setoriais?
Campos Os fundos setoriais têm leis que
os disciplinam. O que pretendemos fazer é conceber
um padrão de gerência para os fundos.
Não estamos cogitando de alterar a legislação,
mas vamos ter um colegiado dos presidentes dos fundos
setoriais com reuniões periódicas com
o ministro. Os fundos setoriais representam recursos
importantes para nossa pesquisa, nossa ciência
e precisam ter uma sintonia com a política
do governo.
JU - Não está havendo
essa sintonia?
Campos Os fundos setoriais, exatamente por
serem setoriais, têm uma tendência natural
a ficarem um de costas para o outro sem ter uma visão
mais sistêmica. No momento em que se estabelece
um colegiado dos presidentes dos fundos setoriais
e o próprio ministro preside esse colegiado,
estabelecendo uma relação com o conjunto
do governo e da academia, pode-se potencializar esses
recursos. No momento em que se tem uma gestão
como essa o governo se anima muito mais em aportar
os recursos para os fundos setoriais. Tivemos, há
um ano, R$ 200 milhões, passamos para R$ 500
milhões, e para este ano, a previsão
é de R$ 600 milhões. Vamos ver se realizamos
mais do que o previsto.
JU - Isso significa que o ministério
de C&T quer ter maior autonomia para decidir sobre
a utilização dos recursos? Nesse caso,
os comitês gestores perdem um pouco de sua autonomia?
Campos Não. Os comitês gestores
continuam desempenhando o papel que a lei define.
O que estamos fazendo é simplesmente uma forma
de tentar integrá-los mais. Nunca assistimos
a uma reunião de todos os comitês de
uma vez só. Fazer participar de uma mesma reunião
todas as pessoas que vêm da academia e do governo
para falar sobre suas áreas. O papel dos comitês
gestores está definido por lei e não
depende do ministro a ou do ministro b.
Simplesmente queremos integrar o seu trabalho de maneira
a potencializá-los para que o governo perceba
que vale a pena colocar mais recursos nos fundos setoriais.
JU - Haverá alguma mudança
na forma de direcionar esses recursos?
Campos Houve uma dúvida em relação
à possibilidade de utilização
de recursos dos fundos setoriais para organizações
sociais, como por exemplo o LNLS (Laboratatório
Nacional de Luz Sincrotron). Num determinado momento
a área jurídica do ministério
questionava se as organizações sociais
poderiam utilizar esses recursos. A nossa posição
é clara. Achamos que organizações
como esta fazem parte do patrimônio de ciência
e tecnologia do Brasil. Simplesmente se organiza na
forma de organização social para que
não percamos a capacidade de competir e segurar
nossos quadros. Então não se justifica
de forma alguma que recursos de infra-estrutura não
sejam utilizados em organizações sociais
como esta. Essa é a posição do
ministério e vamos implementá-la.
JU - Quais os planos para 2004
em relação ao programa espacial brasileiro?
Campos Esse é um programa estratégico,
que tem o apoio do governo. O presidente Lula deverá
anunciar em breve uma série de providências
que envolvem o programa espacial. Isso tem interface
com o nosso ministério e também com
o ministério da Defesa.
JU - Há nessa área
alguma divergência entre o ministério
de C&T e o ministério da Defesa com relação
à tecnologia a ser empregada?
Campos Não temos política de
ministérios e sim de governo. A política
espacial brasileira será definida pelo presidente
Lula. Temos uma integração das equipes
até porque as alternativas não são
excludentes. Elas podem ser, inclusive, complementares.
Investimentos na área
vão aumentar, garante secretário
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O secretário-executivo do MCT,
Luis Fernandes: ações estratégicas |
Vincular as ações
do Ministério da Ciência e Tecnologia
a um projeto mais amplo de desenvolvimento nacional.
Esta é a estratégia do novo secretário-executivo
do MCT, Luis Fernandes, para aumentar o financiamento
à ciência e tecnologia no Brasil.
Isso viabilizaria a liberação
de recursos, inclusive recursos dos fundos setoriais,
que hoje estão contingenciados,
diz. Segundo ele, uma aproximação
com as ações estratégicas
do programa de desenvolvimento nacional de política
industrial favorecerá a alavancagem de
recursos além dos limites existentes
no MCT.
Fernandes reafirmou a intenção
do governo em aumentar de 1% para 2% do PIB
os investimentos do Brasil em C&T. Ele não
soube estimar, porém, quanto desse total
caberia à iniciativa privada. Infelizmente
na história do Brasil os investimentos
em P&D do setor privado sempre foram muito
limitados, comentou. Essa é
uma característica de todos os países
em desenvolvimento, o que é extremamente
grave porque, no domínio do conhecimento
e na sua aplicação tecnológica,
reside hoje boa parte do poder econômico
global.
Assim como o ministro, Fernandes
considera a aprovação da Lei de
Inovação um passo importante para
incentivar as empresas a investirem mais em
P&D. Há, porém, segundo ele,
outras ações a serem feitas. A
questão crucial é vincular mais
proximamente os investimentos feitos no sistema
de tecnologia nacional a projetos estruturantes
do desenvolvimento econômico, que terão
repercussão positiva para ação
das empresas privadas, explica.
Para alcançar essa
meta, um dos caminhos, segundo Fernandes, seria
combinar projetos do MCT com investimentos do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDEES) em obras estruturantes. Com
isso podemos alavancar investimentos em P&D
feitos pelo MCT com grandes investimentos de
capacitação tecnológica
e produtiva comandados pelo governo. O
novo secretário-executivo ressalta, porém,
que o governo pretende adotar uma política
diversificada em razão da complexidade
do sistema de C&T nacional. As diferentes
necessidades serão atendidas com diferentes
ações.
Ao falar sobre os fundos setoriais,
Fernandes demonstrou estar afinado com o novo
ministro. Nossa intenção
é unificar a gestão dos fundos,
integrando-os num sistema de gestão unificada
da C&T nacional, disse. O secretário
informou que o MCT está aprofundando
um levantamento dos fundos para propor um modelo
de gestão unificada. A idéia é
promover a aproximação dos investimentos
dos fundos com outras áreas do governo.
Vamos dar uma atenção
absolutamente estratégica para os fundos
setoriais, garante. Segundo ele, os fundos
foram criados com a idéia de serem fundos
complementares do fundo nacional de desenvolvimento
científico e tecnológico, mas
ao longo do tempo tornaram-se fundos substitutivos.
Isso gerou uma fragmentação
na ação dos fundos setoriais,
que são os principais instrumentos de
investimentos que o MCT tem ao seu dispor,
concluiu.
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