Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 241 - de 16 a 29 de fevereiro de 2004
Leia nessa edição
Capa
Política C&T
Fundos setoriais: padrão
Unicamp testa vacina dupla
Nanociência: sem perder tempo
Política: semicondutores
Licenciamento de patentes
Rivalidade nas quatro linhas
Teses da semana
Pós: reajuste de bolsas
O sabor do trabalho
Bicentenário: Hércules Florence
 

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Vacina dupla contra tuberculose
e hepatite B é testada na Unicamp
Médicos da FCM monitoram 320 recém-nascidos no Caism e na Maternidade de Campinas

LUIZ SUGIMOTO

Fotos: Neldo Cantanti
Maria Marluce dos Santos Vilela, professora da FCM e coordenadora do projeto na Unicamp: universalizando a cobertura vacinal

Por volta do ano de 1900, a criança tomava apenas a vacina contra a varíola, em injeção única. Um século depois, erradicada a varíola, o calendário de 2003 do Ministério da Saúde recomenda vacinas contra 11 doenças, até os 15 meses de idade: tuberculose, hepatite B, poliomielite, difteria, tétano, coqueluche, meningite por Haemophylus do tipo b, febre amarela, sarampo, rubéola e caxumba. A tríplice (difteria, tétano e coqueluche), que já existe há bom tempo e é aplicada em três doses, agora está associada à antimeningite – o que significa três picadas a menos no bebê.

Para amenizar um pouco mais o desconforto das crianças e a aflição das mães, um grupo de dez pesquisadores da Unicamp está testando uma vacina combinada contra hepatite B e tuberculose (BCG), desenvolvida pelo Instituto Butantan. São outras duas vacinas em uma injeção. Serão monitorados 320 recém-nascidos no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) e na Maternidade de Campinas, todos de mães que apresentaram gestação normal (nove meses) e com sorologias negativas para sífilis, HIV e hepatite B. A metade dos bebês receberá a vacina combinada, e outros 160, as vacinas convencionais.

Em dose única, esta vacina combinada é aplicada ainda na maternidade. Um carimbo na carteira de vacinação informa aos postos de saúde que os bebês não devem receber as duas doses subseqüentes contra hepatite B, pois a própria equipe da Unicamp se encarregará de aplicá-las durante as visitas domiciliares, dentro dos prazos estipulados – no primeiro e sexto meses de vida. Haverá uma última visita no sétimo mês, em que se coletará sangue para análise dos títulos de anticorpos.
“Até dezembro deste ano, teremos como comparar os dados colhidos no acompanhamento dos dois grupos de bebês”, afirma a imunologista Maria Marluce dos Santos Vilela, coordenadora do projeto, que conta com financiamento da Fapesp principalmente para a parte logística, custeando técnicos em enfermagem e materiais como seringas e reagentes, além de transporte.

Professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e responsável pelo Centro de Investigação em Pediatria (Ciped), Marluce Vilela explica que a combinação de vacinas contribui para universalizar a cobertura vacinal: “As maternidades oferecem apenas a primeira dose contra hepatite B, cuja aplicação é recomendada com até 12 horas de vida. Quanto à BCG, como depois as mães precisam recorrer aos postos de saúde, muitas crianças ficam sem ela no primeiro mês. A combinação de ambas vai significar, também, a garantia desta dose contra tuberculose”, justifica.

Isaias Raw, presidente da Fundação Butantan: é preciso investir em competência tecnológica

Picadas – O professor Isaias Raw, diretor da Divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção do Instituto Butantan, informa que outras vacinas combinadas poderão ser disponibilizadas em curto prazo. A vacina quadrivalente (tríplice mais antimeningite) poderá se tornar pêntupla em 2005, associada com a hepatite B. A própria vacina combinada da BCG com hepatite B, em avaliação na Unicamp, já está recebendo a toxina da coqueluche (pertussis) e passará por pesquisas de campo ainda em 2004.

Diante deste esforço para o desenvolvimento de vacinas combinadas, o conforto proporcionado ao bebê com a redução de injeções, torna-se um benefício secundário. Segundo Marluce Vilela, em experimentos com animais de laboratório, a vacina combinada contra tuberculose e hepatite B ofereceu a hipótese de que este esquema de imunização resulte em maior imunogenicidade, e que talvez com duas doses apenas – e não as três atuais – sejam suficientes para a criança alcançar os títulos de anticorpos considerados, hoje, como protetores. “Mais importante é a economia substancial no atendimento a uma população imensa, em termos de pessoal, seringas e agulhas, além do próprio custo das vacinas”, avalia a pesquisadora.

 

O duelo entre o Butantan
e os grandes laboratórioso

Foto: Arquivo Central do Instituto Butantan
Laboratório do Instituto Butantan: desenvolvimento de vacinas combinadas para aumentar a cobertura das campanhas

“Por que um país de terceiro mundo deveria se preocupar em produzir vacinas?”, questionou o representante de uma grande empresa privada do setor, numa reunião há dez anos em Kyoto. O professor Isaias Raw, presidente da Fundação Butantan, devolveu a ironia lembrando que décadas antes, naquele mesmo local, o secretário de Estado Foster Dulles perguntara por que o Japão pretendia produzir automóveis, quando a indústria norte-americana poderia fornecê-los melhores e mais baratos.

Hoje, o Butantan, que mantém tradição centenária no desenvolvimento de soros contra venenos de animais peçonhentos e a raiva, é também o maior produtor de vacinas da América Latina e principal parceiro do Ministério da Saúde nas campanhas nacionais de vacinação. “O Brasil é o único país do mundo que oferece vacinas gratuitamente para crianças, jovens e idosos”, orgulha-se Isaias Raw. Uma decepção para o representante do grande laboratório, haja vista que a dose contra hepatite B chegava a custar US$ 8 no mercado internacional – tornando impossível a imunização de todas as crianças – e agora vem sendo disponibilizada pelo Instituto a 76 centavos de real.

Em 2003, o Butantan distribuiu 26 milhões de doses da vacina tríplice (difteria, tétano e coqueluche), 40 milhões da dT (difteria e tétano para adultos), 32 milhões contra a hepatite B, 2 milhões contra a tuberculose, 16,4 milhões contra a gripe (Influenza), 1,2 milhão contra a raiva. Do total de 210 milhões de doses disponibilizadas, 192 milhões (91%) foram produzidas pelo Butantan, que espera nacionalizar totalmente as vacinas contra gripe e raiva até 2006. Isto vem trazendo uma economia anual de US$ 26 milhões para os cofres públicos.

A produção brasileira de vacinas em 2003 foi complementada com mais 144 milhões de doses: a Fiocruz respondeu com 30 milhões de doses contra a febre amarela, 16 milhões de doses anti-hemófilos B (antimeningite) e 83 milhões contra a pólio (importada a granel e envasada aqui); a Fundação Ataulpho de Paiva fabricou 15 milhões de doses da BCG (tuberculose).

O Programa de Auto-Suficiência Nacional em lmunobiológicos, lançado em 1984 para atender à demanda nacional, eliminando a necessidade de importação, trouxe recursos para instalações e equipamentos de laboratórios, além de investimentos em pesquisa e desenvolvimento. No Butantan, criou-se o Centro de Biotecnologia, visando à pesquisa de novas tecnologias para soros e vacinas. “No entanto, os investimentos pararam com a saída de Adib Jatene em 1996, e o dinheiro derreteu por causa da inflação e a incompetência”, acusa Isaias Raw.

P&D – O professor do Butantan pede a volta dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a fim de criar competência tecnológica para continuar produzindo vacinas a preços muito menores que os do mercado internacional. “A vacina não é um remédio para doentes. É um produto muito mais complexo, destinado a pessoas saudáveis, principalmente crianças, e o menor erro pode trazer sérias conseqüências”, adverte.

O Butantan, além de desenvolver as vacinas mencionadas nesta página, está preparando um surfactante pulmonar para prematuros, a toxina botulínica para uso neurológico e estético, e eritropoietina para pacientes renais. Negocia, ainda, a produção das vacinas contra rotavírus, papiloma do colo do útero e leishmaniose. No final de janeiro, o Estado fechou a licitação para a construção de um prédio (RS 16 milhões, mais R$ 30 milhões para compra de equipamentos) destinado à produção da vacina contra a gripe, que será totalmente nacionalizada em dois anos.

 

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