Nanociência: o país
não pode perder mais tempo
Para pesquisadores da Unicamp, hora
é de unir competências, identificar oportunidades
e usar infra-estrutura instalada
MANUEL
ALVES FILHO
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O professor José Antônio Brum: O
momento é de tomar decisões, de
focalizar |
O Brasil dispõe de boa infra-estrutura
científica e de pessoal altamente qualificado
em nanociência e nanotecnologia, mas ainda precisa
superar importantes desafios para vir a se tornar
competitivo nessas áreas. Além de equacionar
o histórico problema da carência de recursos,
é indispensável promover a união
de competências e a identificação
de oportunidades. A avaliação, uma síntese
do pensamento de três destacados pesquisadores
brasileiros, José Antônio Brum, Marcelo
Knobel e Vitor Baranauskas, todos professores da Unicamp,
não deixa dúvidas sobre o estágio
da nanociência e da nanotecnologia em terras
tupiniquins. Embora com visões próprias
acerca das discussões envolvendo a comunidade
científica e das políticas públicas
adotadas até aqui, os cientistas têm
posições convergentes quanto ao tema.
E estão convencidos: se quiser ser um dos protagonistas
dessa anunciada revolução tecnológica,
o Brasil não poderá perder mais tempo.
Mesmo os cientistas mais conservadores
projetam um futuro inovador a partir da nanociência
e da nanotecnologia. São áreas consideradas
emergentes e, também por isso, estratégicas
e extremamente promissoras, com possibilidade de alcançar
praticamente todos os campos do conhecimento e movimentar
quantias astronômicas de dinheiro. Imagina-se
que, brevemente, a capacidade de manipular, fabricar
e funcionalizar objetos com medida equivalente ao
milionésimo do milímetro gerará
sistemas capazes de transportar, através de
organismo humano, drogas que atingirão o ponto
exato de um tumor. Num exercício de ficção
científica, há até mesmo os que
antevêem o desenvolvimento de nanorrobôs,
com variadas funções.
Tal previsão, porém,
não é levada a sério pela maioria
dos pesquisadores.
Mas afinal, diante de perspectivas tão alvissareiras,
qual o estágio do Brasil em termos de nanociência
e nanotecnologia? Na opinião do professor José
Antônio Brum, que se licenciou temporariamente
da Unicamp para assumir a direção do
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
(LNLS), também instalado em Campinas, o país
tem sido menos do que tímido nas
duas áreas. Para sustentar a sua análise,
ele faz um pequeno retrospecto das ações
voltadas ao desenvolvimento de um programa nacional
de nanociência e nanotecnologia. De acordo com
o especialista, que tem se dedicado ao longo dos últimos
anos ao estudo de nanoestruturas, a comunidade científica
e os agentes governamentais começaram a discutir
o tema no ano 2000.
Entre 2001 e 2002, foram efetivadas
quatro redes de nanotecnologia e foram feitos os primeiros
esforços na direção da criação
de um Centro de Referência em Nanotecnologia.
As discussões nesse sentido se aprofundaram,
mas não foram transformadas em medidas concretas.
Em seguida, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso,
foi elaborado o primeiro Programa Nacional de Nanotecnologia,
a pedido do Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT), sob a coordenação de Cylon Gonçalves
da Silva, professor emérito da Unicamp. Com
a troca de governo, o documento foi abandonado, optando-se
por preparar um segundo programa, este sob os cuidados
de Fernando Galembeck, também docente da Unicamp.
Nenhum deles, porém, saiu do plano das propostas
até agora.
Comparado com os esforços
internacionais, sobretudo os dos países centrais,
a iniciativa brasileira apresenta-se como incipiente.
Apenas para se ter uma idéia, os recursos destinados
às quatro redes de nanotecnologia não
superaram a casa dos R$ 3 milhões anuais. Já
os Estados Unidos, que iniciaram os investimentos
ainda na administração Clinton, têm
realizado aportes financeiros da ordem de US$ 700
milhões ao ano para os projetos relativos à
nanociência e nanotecnologia. Embora essa
corrida ainda esteja no começo, a diferença
de escala mostra que nós estamos partindo com
menos força e menos combustível do que
os concorrentes mais poderosos. Se perdermos mais
tempo, dificilmente conseguiremos alcançá-los
e muito menos acompanhá-los, compara
o diretor do LNLS.
Mas como ser competitivo num cenário
que apresenta tanta disparidade? Na opinião
do professor Brum, antes de tudo é preciso
unir competências. Ele destaca que tanto a nanociência
quanto a nanotecnologia são áreas essencialmente
multidisciplinares. Há, portanto, a necessidade
de amadurecer o diálogo entre físicos,
químicos, biólogos, engenheiros etc,
de modo a aprimorar o conhecimento, criando conseqüentemente
as condições necessárias à
formulação de projetos consistentes.
Outro diálogo que precisa ser aprimorado é
o que tem sido travado entre os atores que compõem
um esforço dessa natureza, a saber: academia,
governo e setor produtivo. Cada um cumprindo
o seu papel, mas sem perder a perspectiva de uma interação
virtuosa, afirma Brum.
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O professor Marcelo Knobel: Temos que buscar
um programa nacional |
Também é indispensável,
segundo ele, a identificação de oportunidades.
Ou seja, o país precisa definir em que nichos
poderá atuar, tendo em vista sua vocação,
competência e, evidentemente, possibilidade
de conquista de mercado. Existem segmentos dentro
da nanociência e da nanotecnologia que são
produtos de uma maturação tecnológica.
São áreas de difícil penetração,
pois requerem conhecimentos tecnológicos que
não possuímos. Entrar nesses setores
exigiria grandes investimentos. Por isso é
preciso pensar bem. Creio que podemos buscar nichos
específicos nas novas áreas da nanotecnologia,
o que nos colocaria em pé de igualdade com
os demais países. O momento é de tomar
decisões, de focalizar. Não podemos
perder mais tempo, pontifica.
Opção - Marcelo
Knobel, que tem se dedicado às investigações
envolvendo nanomagnetos, materiais que interessam
a uma indústria que movimenta bilhões
de dólares ao ano no mundo, concorda que o
momento é de definições. De acordo
com ele, o Brasil precisa de um programa claro e contínuo
em nanociência e nanotecnologia, caso contrário
ficará eternamente dependente nessas áreas.
A criação das redes de nanotecnologia,
diz, não surtiu o efeito desejado por dois
motivos básicos. Primeiro, porque foram constituídas
por grupos muito grandes, o que dificultou a interação
entre os pesquisadores. Além disso, os recursos
foram tão escassos, que, se fossem divididos
entre os integrantes, não dariam para comprar
um computador para cada um.
Por esse motivo, diz, não
foi possível trabalhar focos claros de ação.
Faltou ainda, no entender do professor do Instituto
de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp,
uma atuação mais efetiva do governo
na tentativa de catalisar idéias. A alternativa
encontrada pelos cientistas diante desses problemas
foi aplicar os recursos destinados às redes
na promoção de workshops e outros eventos,
como forma de criar ao menos um ambiente propício
à interação. Knobel reconhece
que fazer ciência é caro e fazer nanociência
tende a ser mais caro ainda. Um bom microscópio
eletrônico, calcula, não custa menos
de US$ 1,5 milhão. A pequena disponibilidade
de dinheiro, frisa, é um fator limitador, mas
não determina, por si só, o insucesso
de uma empreitada científico-tecnológica.
Ele considera ser possível
desenvolver projetos importantes, a partir de investimentos
que se enquadrem na realidade brasileira. Sabendo-se
que o Brasil tem pessoal competente e uma boa infra-estrutura
instalada, sobretudo no que se refere à pesquisa
básica, resta ao país, na visão
do pesquisador, somar essas competências e discutir
os caminhos que se quer trilhar. Assim como Brum,
Knobel está convencido de que existem áreas
em que dificilmente poderíamos ser competitivos,
caso do segmento de gravações magnéticas.
Mas há outras, ainda nascentes, em que poderíamos
atuar ombro a ombro com o restante do mundo, desde
que identifiquemos nichos específicos. Dois
exemplos em sua área de atuação
específica, segundo o físico: o segmento
de magnetos moleculares e o de eletrônica de
spin.
Temos que buscar um programa
nacional em nanociência e nanotecnologia com
direção clara. Assim, poderemos canalizar
os recursos e os conhecimentos disponíveis
para objetivos específicos. Creio que, observadas
essas premissas, conseguiremos fazer coisas muito
boas, mesmo sem contarmos com recursos abundantes,
afirma. O físico ressalta que, a despeito de
não ser trivial, essa tarefa precisa ser executada
com urgência. E tem de contar, obviamente, com
o envolvimento da academia, da esfera governamental
e do setor produtivo. Para Knobel, ao governo cabe
o papel de promover a conexão entre os diversos
atores e a catalisação das idéias.
Também é do Poder Público, na
visão do físico, a responsabilidade
de financiar a pesquisa básica.
A iniciativa privada, por sua vez,
deve se fazer mais presente no investimento em P&D.
É na empresa, afirma, que se faz tecnologia.
Por último, resta à academia continuar
cumprindo, cada vez com mais competência e abrangência,
o papel de formar pessoas qualificadas e gerar o saber.
Dominar a técnica de caracterizar, produzir
e funcionalizar nanoobjetos, sustentam Brum e Knobel,
é de fato estratégico para o Brasil.
Por meio dessa tecnologia, vislumbram os pesquisadores,
será possível desenvolver materiais
e dispositivos em praticamente todas as áreas,
algumas delas ainda sequer aventadas. Espera-se que,
num futuro muito próximo, muitos dos objetos
e equipamentos que nos cercam sofram alguma influência
por parte da nanociência e nanotecnologia. Se
não quisermos ser meros espectadores dessa
história, temos que começar a agir,
conclui Knobel.
Inércia pode levar
à eterna
dependência, alerta professor
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O professor Vitor Baranauskas: momento é
de definição |
O Brasil
ainda não dispõe de uma política
de fomento voltada paras as áreas de
nanociência e nanotecnologia. Até
mesmo as discussões em torno do assunto
têm sido incipientes. A falta de foco
e de ação tende a colocar o país
em desvantagem no plano competitivo internacional,
haja vista que as nações centrais
já investem pesadamente nos dois segmentos.
A opinião é do professor Vitor
Baranauskas, da Faculdade de Engenharia Elétrica
e Computação (FEEC) da Unicamp.
De acordo com ele, que tem se dedicado ao desenvolvimento
de novos produtos em escala nanométrica,
a inércia pode nos levar à eterna
dependência tecnológica.
Baranauskas
também considera que o momento é
de definição. Para exemplificar
melhor a situação do Brasil, ele
se vale de uma situação hipotética.
Imagine-se que, no lugar do país, está
uma pessoa que precisa ir de Campinas ao Rio
de Janeiro. Para alcançar o seu destino,
ela tem duas alternativas. A primeira é
importar um carro de luxo e cumprir os cerca
de 450 quilômetros que separam as duas
cidades em cerca de cinco horas, sem considerar
os períodos de parada. A outra opção
é desenvolver um ultraleve que seja seguro,
confortável, eficiente e veloz o suficiente
para atingir o mesmo objetivo, mas na metade
do tempo gasto pelo automóvel.
No
primeiro caso, a pessoa só teria que
dispor do dinheiro. Já a segunda alternativa
exigiria, além dos recursos financeiros,
tempo, criatividade e competência. A
opção pela importação
do carro é bem mais simples. Em compensação,
a escolha impediria que ela estabelecesse as
bases para desenvolver soluções
inovadoras para este e outros problemas,
compara Baranauskas. Segundo ele, a julgar pela
ausência até aqui de um esforço
concentrado para o desenvolvimento da nanociência
e da nanotecnologia nacionais, o Brasil parece
estar inclinado a adquirir o veículo
importado. Pessoalmente, sinto-me mais
seduzido pelo ultraleve, diz o pesquisador.
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