Em busca de uma política industrial para a
área de semicondutores
Gap exclui Brasil do mercado internacinal
CLAYTON
LEVY
Criar um cenário econômico
capaz de atrair investimentos externos, conceder incentivos
a empresas menores que possam crescer a partir de
nichos de mercado, e formar mão-de-obra capacitada.
Esta é a receita do professor Jacobus W. Swart
para a formulação de uma política
industrial capaz de levar o Brasil a recuperar-se
do atraso de 20 anos na área de microeletrônica.
Coordenador do Centro de Componentes Semicondutores
(CCS), da Unicamp, ele integrou uma missão
brasileira em recente visita à Europa para
conhecer empresas e um importante centro tecnológico
especializados em semicondutores.
A viagem fez parte das ações
que o governo federal está realizando para
tentar recuperar o atraso do País em microeletrônica.
A questão passou a ser tratada como estratégica
para a economia nacional, já que esse gap está
excluindo o Brasil de um dos maiores mercados do mundo.
Só no ano passado, o setor de microeletrônica
movimentou cerca de US$ 1,5 trilhão. Os semicondutores,
que constituem a base dos componentes eletrônicos,
movimentaram US$ 200 bilhões.
Trata-se de um dos setores que
mais avançam no mundo. Enquanto a economia
mundial cresceu em média 4% ao ano nas últimas
décadas, o mercado de eletrônica tem
crescido em torno de 9% e o de semicondutores, 16%.
Defasado em relação aos países
que investiram nessa área, como Coréia
do Sul e China, o Brasil importa pelo menos US$ 2
bilhões por ano em componentes eletrônicos.
Além do professor Jacobus, representando a
Unicamp, também participaram da viagem Antônio
Sergio Martins Mello, do Ministério do Desenvolvimento;
Edmundo Machado de Oliveira, do Ministério
da Fazenda; e Júlio César Maciel Ramundo,
do BNDES. Todos integram o grupo de trabalho que tem
como missão desenhar uma política industrial
para a área de semicondutores capaz de recuperar
o atraso brasileiro.
Na Europa, a missão brasileira
fez escala na empresa ítalo-francesa ST Microelectronics
e no Inter-university Microelectronics Center (IMEC),
centro belga de pesquisa e desenvolvimento em microeletrônica
e nanotecnologia. Criada em 1987, a ST Microelectronics
ocupa atualmente o posto de quarta maior fabricante
mundial de Circuitos Integrados, com destaque na área
de produtos de aplicação específica
para bens de consumo, telecomunicações
e bens de capital.
Acredito que o Brasil tem
condições para se destacar na atração
de investimento externo nos próximos anos.
Estamos olhando o mercado e não descartamos
de antemão nenhum tipo de operação,
disse ao grupo brasileiro o vice-presidente corporativo
da empresa, Carmelo Papa. A maior tendência
da empresa é iniciar por design house. Papa,
segundo Jacobus, também manifestou interesse
em produzir smart cards no país e solicitou
aos membros do governo que facilitassem o contato
com potenciais clientes no Brasil.
Já o IMEC, fundado em
1984, destaca-se na pesquisa colaborativa com as mais
importantes empresas do mundo na área de microeletrônica.
Desenvolve tecnologia de ponta para a indústria
de semicondutores e conta com uma forte participação
das empresas de equipamentos que utilizam esses componentes.
Atrai pesquisadores de todo o mundo.
O professor Jacobus integrou
a equipe na qualidade de um dos maiores especialistas
do Brasil em microeletrônica. Natural de um
vilarejo a 30 quilômetros de Amsterdã,
na Holanda, Jacobus chegou ao país quando tinha
oito anos de idade. Do município de Holambra,
formado por imigrantes holandeses, na região
de Campinas, ele foi direto para o ITA, onde graduou-se
em engenharia eletrônica. Daí em diante
nunca mais saiu dos laboratórios de pesquisa.
Fez pós-doutorado nos Estados Unidos e hoje
coordena o CCS, da Unicamp, único laboratório
de microeletrônica no país que desenvolve
processos completos de fabricação de
circuitos integrados.
Apesar das raízes européias,
Jacobus já incorporou a cultura brasileira.
Admirador da Bossa Nova e de comida caseira, esse
holandês de fala educada e acolhedora garante
que o Brasil é capaz de alcançar o bonde
dos semicondutores. De volta ao país, o grupo,
segundo Jacobus, trouxe na bagagem muitos ensinamentos.
O primeiro deles é que
o país não pode mais perder tempo. Não
fazer nada, agora, seria um erro, não só
do ponto de vista do conhecimento, mas também
da vulnerabilidade externa de longo prazo e também
das possibilidades de negócios e da cultura
de start-ups, alerta Jacobus em suas anotações
de viagem. Entretanto, segundo ele, tentar fazer tudo
e correr atrás do estado da arte da tecnologia
seria ingenuidade e resultaria possivelmente
em perda de recursos.
Na visão de Jacobus, que
chegou a atuar no IMEC nas atividades iniciais do
centro belga, o país tem conhecimento acadêmico
suficiente para diminuir o gap, gerando e transferindo
conhecimento para a indústria local. Na linha
de P&D, segundo ele, é preciso desenvolver
uma política de longo prazo, bem articulada
nos vários órgãos de governo,
com recursos estáveis e com mecanismos de gestão
adequados.
Jacobus também apóia os planos do governo
para a criação de um centro nacional
nos moldes do IMEC belga, mas diz que um eventual
centro nacional de excelência na área
da microeletrônica deve ter como meta não
apenas o domínio da tecnologia CMOS, mas também
acompanhar detidamente as novas tendências tecnológicas,
e mesmo os modelos de negócio da indústria,
de forma que o país tenha chance de acompanhar
eventual mudança de paradigma da indústria.
No campo da atração
de investimentos, na linha de componentes de aplicação
específica, o Brasil, segundo Jacobus, deve
valer-se da diversidade de sua indústria e
da presença de importantes demandantes da indústria
mundial operando no país.
Os exemplos da STM e do IMEC mostram que ter
foco correto, desde a partida, em negócios
e pesquisa aplicada, é fundamental, requer
planejamento estratégico e investimento de
longo prazo, observa. Jacobus lembra, ainda,
que por trás da STM e do IMEC, existem governos
que destinam recursos estáveis ao P&D para
universidades e centros de pesquisa, com seleção
de prioridades, retêm e atraem cérebros
do mundo todo, adotam critérios de desempenho
e buscam resultados.
Como mostra a experiência internacional,
é muito difícil se imaginar o desenvolvimento
do setor de semicondutores sem uma participação
significativa do Estado, com recursos, infra-estrutura
de pesquisa e estreita ligação com a
indústria, diz. Mesmo empresas
privadas articulam seus interesses com o Estado, como
demonstra o caso da participação dos
governos da França e da Itália no capital
da STM, completa.
Especialmente em se tratando
de instituições de pesquisa colaborativa,
como o IMEC, Jacobus diz que é crucial a correta
interconexão com as principais empresas do
setor, o acompanhamento de suas necessidades de inovação
e a busca da excelência em pesquisas que antecipem
tendências tecnológicas. Institutos
desta natureza são fundamentais para fazer
a ponte entre a ciência básica e a ciência
aplicada.Em entrevista ao Jornal da Unicamp,
Jacobus falou sobre as perspectivas para o Brasil
na área de semicondutores.
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O professor Jacobus Swart, coordenador do Centro
de Componentes Semicondutores (CCS): O Brasil
pode chegar lá |
Jornal da Unicamp O Brasil
perdeu o bonde dos semicondutores. O que fazer agora?
JacobusNão existe um bonde que tenhamos
perdido. Há um processo em andamento e sempre
é possível entrar em certas áreas.
É um sistema dinâmico e vários
países entraram em momentos diferentes. Há
vários exemplos que demonstram a possibilidade
de recuperar o atraso. Se isso não fosse possível,
apenas as indústrias que iniciaram o processo
teriam permanecido, o que não é verdade.
JUO que é necessário
fazer em termos de política industrial para
o Brasil entrar nesse processo e recuperar o tempo
perdido?
Jacobus Primeiro, é preciso um ambiente
econômico favorável para que as empresas
invistam nesse setor. Ninguém vai investir
para levar prejuízo. Além disso, é
preciso recursos humanos com formação
adequada. E isso é mais demorado porque exige
um processo lento e gradual.
JU O senhor acredita que
o quadro econômico atual no Brasil oferece estas
condições?
Jacobus Atualmente não. Caso contrário,
as empresas já estariam aqui. Mas acho que
esse quadro já começou a ser desenhado.
O governo promete ter um quadro definido dentro de
60 dias.
JU Em sua opinião,
qual o melhor modelo a ser seguido pelo Brasil?
Jacobus Há várias ações
que devem ser feitas paralelamente. Uma delas é
tentar atrair as grandes empresas. Mas isso tem de
ser feito em condições razoáveis.
Não se deve pagar mundos e fundos para trazer
uma multinacional. Ao mesmo tempo, investir em empresas
menores que possam crescer a partir de nichos de mercado
que ofereçam uma demanda significativa. Também
seria importante criar incentivos para que os produtores
de equipamentos usem os componentes fabricados no
país. Uma alternativa seria criar taxas diferenciadas
para a compra de componentes nacionais e isenção
de impostos para insumos importados. Outra medida
necessária é a geração
de recursos humanos e tecnologia capaz de manter as
atividades.
JU O Brasil conta com
bons centros de formação nessa área?
Jacobus Sim. As grandes universidades têm
bons pesquisadores e oferecem boa formação
de recursos humanos. Mas a maior parte atua mais na
área de projetos do que em tecnologia de fabricação.
Nesse setor atuam poucos centros, como Unicamp, Politécnica
da USP, Universidade Federal de Porto Alegre e a Federal
de Pernambuco. Estes quatro centros dispõem
de tecnologia em microeletrônica na área
de silício, que é a tecnologia dominante.
JU O governo brasileiro
está tomando como base o modelo de política
econômica para semicondutores adotado por Taiwan
que, entre outras medidas, ofereceu isenção
de impostos por cinco anos. O senhor acredita que
seja esse o modelo ideal a ser seguido?
Jacobus Acho que sim, mas também temos
de aumentar o mercado local, o que significa incentivar
a produção nacional de equipamentos
que utilizam os semicondutores como componentes. Atualmente,
por exemplo, a indústria de celulares importa
seus componentes. Uma indústria de semicondutores
tem de visar o mercado global e o mercado local. Isso
depende de uma política industrial adequada.
JU De que maneira o CCS
da Unicamp está participando da elaboração
de uma política industrial para o setor?
Jacobus Estamos participando de várias
comissões. Participamos do grupo de trabalho
que elaborou o PPA de nanotecnologia; dos grupos de
trabalho da Finep na área de microeletrônica;
e com o grupo interministerial encarregado de elaborar
essa política.
JU O senhor integrou a
missão do governo brasileiro que visitou recentemente
a Europa para conhecer empresas e um centro de desenvolvimento
tecnológico voltados para semicondutores. Que
balanço o senhor faz dessa viagem?
Jacobus Visitamos a STmicroeletronics, que
é a quarta do mundo em semicondutores. Eles
estudam a possibilidade de instalar uma unidade no
Brasil. Seria um passo importante para incrementar
o setor. A empresa está no Brasil desde o seu
início, mas vem ampliando as operações
nos últimos quatro anos. Tem hoje um faturamento
de cerca de US$ 240 milhões, com escritórios
de representação comercial em São
Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Joinville. O dado
mais relevante da operação é
o relacionamento com a Nokia. A ST tem uma venda mundial
superior a US$ 1 bilhão para a empresa finlandesa
de celulares (sobretudo memórias flash), dos
quais US$ 100 milhões no mercado brasileiro.
JU O grupo também
visitou o IMEC, um grande centro de tecnologia na
Bélgica. Qual o papel desse centro na indústria
européia de semicondutores?
Jacobus O centro é referência
mundial e vem ganhando importância crescente
à medida que aumentam as incertezas sobre o
futuro da tecnologia e os custos de desenvolvimento
dos processos mais avançados. Desenvolve tecnologia
de ponta para a indústria de semicondutores
e conta com uma forte participação das
empresas de equipamentos que utilizam esses componentes.
Atrai pesquisadores de todo o mundo. Há alguns
poucos brasileiros que assaram pelo IMEC e atualmente
estão em outros países ou no Brasil
(ex: CPQD e Universidades).
JU Quem financia esse
centro?
Jacobus Uma boa parte vem do governo da Bélgica,
que também financiou a implantação
do centro. Gradualmente, o governo também conseguiu
a participação da iniciativa privada.
Hoje, o maior parceiro do governo nesse empreendimento
é a Philips, que mantém mais de cem
pesquisadores no centro. Esses pesquisadores utilizam
a estrutura do centro para desenvolver seus projetos.
O IMEC hoje é capaz de gerar grande parte de
seus recursos. O orçamento anual é da
ordem de 130 milhões de euros, sendo 75% obtidos
a partir de projetos desenvolvidos para empresas no
formato de pesquisa colaborativa.Tem dotação
orçamentária estável, em contratos
de cinco anos, sendo regido por critérios de
desempenho fixados pelo governo regional da Flandres.
É submetido à auditoria independente
a cada cinco anos, para medir critérios de
desempenho, nos marcos do contrato de gestão
assinado com o governo da Flandres, que abrange o
número de acordos com empresas; número
de acordos com universidades; número de papers
publicados; número de spin-offs gerados; número
de PhDs formados; número de patentes registradas.
JU Em sua opinião,
quais os fatores que contribuíram para o surgimento
desse centro na Bélgica?
Jacobus O que favoreceu o surgimento, em primeiro
lugar, foi a união da comunidade acadêmica
da Bélgica. Havia um grupo maior que conseguiu
convencer as outras universidades a se unirem para
criar um centro inter-universitário, o que
difere de outros países, como Alemanha e Holanda,
onde as universidades ficaram competindo entre si.
JU O governo brasileiro
também fala em criar o Laboratório Nacional
de Tecnologia Industrial, que demandaria investimentos
da ordem de R$ 300 milhões. O IMEC belga serviria
como modelo para o projeto brasileiro?
Jacobus Acredito que sim. Inclusive seria interessante
estudar mais a fundo o modelo de gestão do
IMEC belga. Trata-se de uma tarefa complexa porque
envolve a participação de várias
empresas e a questão dos direitos autorais.
É preciso saber como fazer isso para atrair
as empresas. É preciso estabelecer regras em
relação à propriedade intelectual
dos produtos que vierem a ser desenvolvidos nesse
instituto.
JU O senhor acredita que
para implantar um centro como esse no Brasil haveria
facilidade em termos de recursos humanos, entendimentos
entre as universidades e apoio do governo para financiar
o projeto?
Jacobus Acredito que estamos num momento propício
para atender a todas estas questões. A comunidade
universitária está mais amadurecida
e há a disposição para essa união.
O governo também está sinalizando favoravelmente.
Quanto aos recursos humanos, o crescimento será
gradual. Com o IMEC belga também foi assim.
Há 20 anos, eles tinham 50 pessoas e hoje são
1.300.
JU Que papel o CCS da
Unicamp desempenha atualmente na área de pesquisa
e formação de recursos humanos no setor
de semicondutores?
Jacobus O CCS é o único laboratório
de microeletrônica do Brasil que desenvolve
em suas instalações processos completos
de fabricação de circuitos integrados,
tais como CMOS, nMOS e HBT. Desenvolvemos um processo
CMOS completo com porta de silício policristalino,
com dimensões mínimas de até
um micrometro. Também fabricamos e testamos
circuitos como amplificadores de sinal e amplificadores
de transipedância integrados com fotodetetores.
Este último tipo de circuito é chamado
de OEIC (circuito integrado optoeletrônico)
e é a primeira vez que se fabricou no país
um circuito com essa tecnologia. Também estamos
trabalhando no desenvolvimento de processos de fabricação
de microssensores. Essa área tem um futuro
muito promissor no País, sobretudo para a área
agrícola que precisa de sensores automatizados.
JU Quais as perspectivas
do Brasil nesse mercado?
Jacobus Os microssistemas (MEMS) encontram-se
na fronteira dos novos e potenciais negócios.
Um país retardatário tem longa estrada
a percorrer, mas também não precisa
começar do marco zero, nem iniciar pela ponta
tecnológica. Na vaga da eletrônica embarcada
há um número cada vez maior de bens
da vida cotidiana, assim como de bens de produção.
Assim, é possível discutir e formular
modelos de negócios tendo em conta as vantagens
comparativas do Brasil, sobretudo sua base industrial
representativa, mais complexa que de muitos países
em desenvolvimento.
JU O Brasil conta com
alguma característica própria que pode
representar alguma vantagem?
Jacobus Uma grande vantagem comparativa brasileira
são a agricultura e a pecuária. Explorar
chances de embarcar, fortemente, eletrônica
em nosso agronegócio, para começar com
um foco bem justo e correr contra o atraso, parecem
ser um bom caminho. As estratégias de negociação
com fabricantes devem potencializar os grandes demandantes
internacionais de semicondutores que atuam no Brasil.
Tal estratégia pode contribuir, simultaneamente,
para aumentar as chances de sucesso da atração
de IDE e aumentar o volume de exportações
brasileiras de bens finais.
JU Que visão de
futuro se pode ter desse setor?
Jacobus Um dos pontos-chave no atual modelo
da indústria de CIs encontra-se nos limites
nanométricos da abertura de canal para as portas
(gates) dos transistores implantados no silício
na tecnologia CMOS. A evolução encontra-se
perto dos limites físicos, que seriam por volta
de 30 nm, segundo os padrões atuais. Os custos
de P&D e industriais, a partir daí, tornam-se
ainda mais elevados. Embora já haja demonstração
experimental de transistores isolados, com dimensões
mínimas menores que 10 nm, o limite real da
tecnologia CMOS só o futuro determinará.
Não se sabe como nem quando a tecnologia de
CMOS poderia ser superada. Sabe-se, porém,
que ela traz uma tendência forte de concentração
de sistemas em um só.
JU O grupo que estuda
a formulação de uma política
industrial para o setor de semicondutores fala em
levar o Brasil para a fronteira tecnológica
em dez anos. Isso é possível?
Jacobus Por que não? Isso foi feito
em outros países. Há dez anos a China
não tinha nada nessa área e hoje tem
uma indústria significativa. A Sansung, que
é a segunda maior empresa do setor, em dez
anos cresceu de US$ 2,5 bilhões para US$ 35
bilhões anuais. Também podemos chegar
lá.