Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 241 - de 16 a 29 de fevereiro de 2004
Leia nessa edição
Capa
Política C&T
Fundos setoriais: padrão
Unicamp testa vacina dupla
Nanociência: sem perder tempo
Política: semicondutores
Licenciamento de patentes
Rivalidade nas quatro linhas
Teses da semana
Pós: reajuste de bolsas
O sabor do trabalho
Bicentenário: Hércules Florence
 

6

Em busca de uma política industrial para a área de semicondutores
Gap exclui Brasil do mercado internacinal

CLAYTON LEVY

Criar um cenário econômico capaz de atrair investimentos externos, conceder incentivos a empresas menores que possam crescer a partir de nichos de mercado, e formar mão-de-obra capacitada. Esta é a receita do professor Jacobus W. Swart para a formulação de uma política industrial capaz de levar o Brasil a recuperar-se do atraso de 20 anos na área de microeletrônica. Coordenador do Centro de Componentes Semicondutores (CCS), da Unicamp, ele integrou uma missão brasileira em recente visita à Europa para conhecer empresas e um importante centro tecnológico especializados em semicondutores.

A viagem fez parte das ações que o governo federal está realizando para tentar recuperar o atraso do País em microeletrônica. A questão passou a ser tratada como estratégica para a economia nacional, já que esse gap está excluindo o Brasil de um dos maiores mercados do mundo. Só no ano passado, o setor de microeletrônica movimentou cerca de US$ 1,5 trilhão. Os semicondutores, que constituem a base dos componentes eletrônicos, movimentaram US$ 200 bilhões.

Trata-se de um dos setores que mais avançam no mundo. Enquanto a economia mundial cresceu em média 4% ao ano nas últimas décadas, o mercado de eletrônica tem crescido em torno de 9% e o de semicondutores, 16%. Defasado em relação aos países que investiram nessa área, como Coréia do Sul e China, o Brasil importa pelo menos US$ 2 bilhões por ano em componentes eletrônicos.
Além do professor Jacobus, representando a Unicamp, também participaram da viagem Antônio Sergio Martins Mello, do Ministério do Desenvolvimento; Edmundo Machado de Oliveira, do Ministério da Fazenda; e Júlio César Maciel Ramundo, do BNDES. Todos integram o grupo de trabalho que tem como missão desenhar uma política industrial para a área de semicondutores capaz de recuperar o atraso brasileiro.

Na Europa, a missão brasileira fez escala na empresa ítalo-francesa ST Microelectronics e no Inter-university Microelectronics Center (IMEC), centro belga de pesquisa e desenvolvimento em microeletrônica e nanotecnologia. Criada em 1987, a ST Microelectronics ocupa atualmente o posto de quarta maior fabricante mundial de Circuitos Integrados, com destaque na área de produtos de aplicação específica para bens de consumo, telecomunicações e bens de capital.

“Acredito que o Brasil tem condições para se destacar na atração de investimento externo nos próximos anos. Estamos olhando o mercado e não descartamos de antemão nenhum tipo de operação”, disse ao grupo brasileiro o vice-presidente corporativo da empresa, Carmelo Papa. A maior tendência da empresa é iniciar por design house. Papa, segundo Jacobus, também manifestou interesse em produzir smart cards no país e solicitou aos membros do governo que facilitassem o contato com potenciais clientes no Brasil.

Já o IMEC, fundado em 1984, destaca-se na pesquisa colaborativa com as mais importantes empresas do mundo na área de microeletrônica. Desenvolve tecnologia de ponta para a indústria de semicondutores e conta com uma forte participação das empresas de equipamentos que utilizam esses componentes. Atrai pesquisadores de todo o mundo.

O professor Jacobus integrou a equipe na qualidade de um dos maiores especialistas do Brasil em microeletrônica. Natural de um vilarejo a 30 quilômetros de Amsterdã, na Holanda, Jacobus chegou ao país quando tinha oito anos de idade. Do município de Holambra, formado por imigrantes holandeses, na região de Campinas, ele foi direto para o ITA, onde graduou-se em engenharia eletrônica. Daí em diante nunca mais saiu dos laboratórios de pesquisa. Fez pós-doutorado nos Estados Unidos e hoje coordena o CCS, da Unicamp, único laboratório de microeletrônica no país que desenvolve processos completos de fabricação de circuitos integrados.

Apesar das raízes européias, Jacobus já incorporou a cultura brasileira. Admirador da Bossa Nova e de comida caseira, esse holandês de fala educada e acolhedora garante que o Brasil é capaz de alcançar o bonde dos semicondutores. De volta ao país, o grupo, segundo Jacobus, trouxe na bagagem muitos ensinamentos.

O primeiro deles é que o país não pode mais perder tempo. “Não fazer nada, agora, seria um erro, não só do ponto de vista do conhecimento, mas também da vulnerabilidade externa de longo prazo e também das possibilidades de negócios e da cultura de start-ups”, alerta Jacobus em suas anotações de viagem. Entretanto, segundo ele, tentar fazer tudo e correr atrás do estado da arte da tecnologia “seria ingenuidade e resultaria possivelmente em perda de recursos”.

Na visão de Jacobus, que chegou a atuar no IMEC nas atividades iniciais do centro belga, o país tem conhecimento acadêmico suficiente para diminuir o gap, gerando e transferindo conhecimento para a indústria local. Na linha de P&D, segundo ele, é preciso desenvolver uma política de longo prazo, bem articulada nos vários órgãos de governo, com recursos estáveis e com mecanismos de gestão adequados.
Jacobus também apóia os planos do governo para a criação de um centro nacional nos moldes do IMEC belga, mas diz que um eventual centro nacional de excelência na área da microeletrônica deve ter como meta não apenas o domínio da tecnologia CMOS, mas também acompanhar detidamente as novas tendências tecnológicas, e mesmo os modelos de negócio da indústria, de forma que o país tenha chance de acompanhar eventual mudança de paradigma da indústria.

No campo da atração de investimentos, na linha de componentes de aplicação específica, o Brasil, segundo Jacobus, deve valer-se da diversidade de sua indústria e da presença de importantes demandantes da indústria mundial operando no país.
“Os exemplos da STM e do IMEC mostram que ter foco correto, desde a partida, em negócios e pesquisa aplicada, é fundamental, requer planejamento estratégico e investimento de longo prazo”, observa. Jacobus lembra, ainda, que por trás da STM e do IMEC, existem governos que destinam recursos estáveis ao P&D para universidades e centros de pesquisa, com seleção de prioridades, retêm e atraem cérebros do mundo todo, adotam critérios de desempenho e buscam resultados.
“Como mostra a experiência internacional, é muito difícil se imaginar o desenvolvimento do setor de semicondutores sem uma participação significativa do Estado, com recursos, infra-estrutura de pesquisa e estreita ligação com a indústria”, diz. “Mesmo empresas privadas articulam seus interesses com o Estado, como demonstra o caso da participação dos governos da França e da Itália no capital da STM”, completa.

Especialmente em se tratando de instituições de pesquisa colaborativa, como o IMEC, Jacobus diz que é crucial a correta interconexão com as principais empresas do setor, o acompanhamento de suas necessidades de inovação e a busca da excelência em pesquisas que antecipem tendências tecnológicas. “Institutos desta natureza são fundamentais para fazer a ponte entre a ciência básica e a ciência aplicada”.Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Jacobus falou sobre as perspectivas para o Brasil na área de semicondutores.

Fotos: Neldo Cantanti
O professor Jacobus Swart, coordenador do Centro de Componentes Semicondutores (CCS): “O Brasil pode chegar lá”

Jornal da Unicamp – O Brasil perdeu o bonde dos semicondutores. O que fazer agora?
Jacobus—Não existe um bonde que tenhamos perdido. Há um processo em andamento e sempre é possível entrar em certas áreas. É um sistema dinâmico e vários países entraram em momentos diferentes. Há vários exemplos que demonstram a possibilidade de recuperar o atraso. Se isso não fosse possível, apenas as indústrias que iniciaram o processo teriam permanecido, o que não é verdade.

JU—O que é necessário fazer em termos de política industrial para o Brasil entrar nesse processo e recuperar o tempo perdido?
Jacobus – Primeiro, é preciso um ambiente econômico favorável para que as empresas invistam nesse setor. Ninguém vai investir para levar prejuízo. Além disso, é preciso recursos humanos com formação adequada. E isso é mais demorado porque exige um processo lento e gradual.

JU – O senhor acredita que o quadro econômico atual no Brasil oferece estas condições?
Jacobus – Atualmente não. Caso contrário, as empresas já estariam aqui. Mas acho que esse quadro já começou a ser desenhado. O governo promete ter um quadro definido dentro de 60 dias.

JU – Em sua opinião, qual o melhor modelo a ser seguido pelo Brasil?
Jacobus – Há várias ações que devem ser feitas paralelamente. Uma delas é tentar atrair as grandes empresas. Mas isso tem de ser feito em condições razoáveis. Não se deve pagar mundos e fundos para trazer uma multinacional. Ao mesmo tempo, investir em empresas menores que possam crescer a partir de nichos de mercado que ofereçam uma demanda significativa. Também seria importante criar incentivos para que os produtores de equipamentos usem os componentes fabricados no país. Uma alternativa seria criar taxas diferenciadas para a compra de componentes nacionais e isenção de impostos para insumos importados. Outra medida necessária é a geração de recursos humanos e tecnologia capaz de manter as atividades.

JU – O Brasil conta com bons centros de formação nessa área?
Jacobus – Sim. As grandes universidades têm bons pesquisadores e oferecem boa formação de recursos humanos. Mas a maior parte atua mais na área de projetos do que em tecnologia de fabricação. Nesse setor atuam poucos centros, como Unicamp, Politécnica da USP, Universidade Federal de Porto Alegre e a Federal de Pernambuco. Estes quatro centros dispõem de tecnologia em microeletrônica na área de silício, que é a tecnologia dominante.

JU –O governo brasileiro está tomando como base o modelo de política econômica para semicondutores adotado por Taiwan que, entre outras medidas, ofereceu isenção de impostos por cinco anos. O senhor acredita que seja esse o modelo ideal a ser seguido?
Jacobus – Acho que sim, mas também temos de aumentar o mercado local, o que significa incentivar a produção nacional de equipamentos que utilizam os semicondutores como componentes. Atualmente, por exemplo, a indústria de celulares importa seus componentes. Uma indústria de semicondutores tem de visar o mercado global e o mercado local. Isso depende de uma política industrial adequada.

JU –De que maneira o CCS da Unicamp está participando da elaboração de uma política industrial para o setor?
Jacobus – Estamos participando de várias comissões. Participamos do grupo de trabalho que elaborou o PPA de nanotecnologia; dos grupos de trabalho da Finep na área de microeletrônica; e com o grupo interministerial encarregado de elaborar essa política.

JU – O senhor integrou a missão do governo brasileiro que visitou recentemente a Europa para conhecer empresas e um centro de desenvolvimento tecnológico voltados para semicondutores. Que balanço o senhor faz dessa viagem?
Jacobus – Visitamos a STmicroeletronics, que é a quarta do mundo em semicondutores. Eles estudam a possibilidade de instalar uma unidade no Brasil. Seria um passo importante para incrementar o setor. A empresa está no Brasil desde o seu início, mas vem ampliando as operações nos últimos quatro anos. Tem hoje um faturamento de cerca de US$ 240 milhões, com escritórios de representação comercial em São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Joinville. O dado mais relevante da operação é o relacionamento com a Nokia. A ST tem uma venda mundial superior a US$ 1 bilhão para a empresa finlandesa de celulares (sobretudo memórias flash), dos quais US$ 100 milhões no mercado brasileiro.

JU – O grupo também visitou o IMEC, um grande centro de tecnologia na Bélgica. Qual o papel desse centro na indústria européia de semicondutores?
Jacobus – O centro é referência mundial e vem ganhando importância crescente à medida que aumentam as incertezas sobre o futuro da tecnologia e os custos de desenvolvimento dos processos mais avançados. Desenvolve tecnologia de ponta para a indústria de semicondutores e conta com uma forte participação das empresas de equipamentos que utilizam esses componentes. Atrai pesquisadores de todo o mundo. Há alguns poucos brasileiros que assaram pelo IMEC e atualmente estão em outros países ou no Brasil (ex: CPQD e Universidades).

JU – Quem financia esse centro?
Jacobus –Uma boa parte vem do governo da Bélgica, que também financiou a implantação do centro. Gradualmente, o governo também conseguiu a participação da iniciativa privada. Hoje, o maior parceiro do governo nesse empreendimento é a Philips, que mantém mais de cem pesquisadores no centro. Esses pesquisadores utilizam a estrutura do centro para desenvolver seus projetos. O IMEC hoje é capaz de gerar grande parte de seus recursos. O orçamento anual é da ordem de 130 milhões de euros, sendo 75% obtidos a partir de projetos desenvolvidos para empresas no formato de pesquisa colaborativa.Tem dotação orçamentária estável, em contratos de cinco anos, sendo regido por critérios de desempenho fixados pelo governo regional da Flandres. É submetido à auditoria independente a cada cinco anos, para medir critérios de desempenho, nos marcos do contrato de gestão assinado com o governo da Flandres, que abrange o número de acordos com empresas; número de acordos com universidades; número de papers publicados; número de spin-offs gerados; número de PhDs formados; número de patentes registradas.

JU – Em sua opinião, quais os fatores que contribuíram para o surgimento desse centro na Bélgica?
Jacobus – O que favoreceu o surgimento, em primeiro lugar, foi a união da comunidade acadêmica da Bélgica. Havia um grupo maior que conseguiu convencer as outras universidades a se unirem para criar um centro inter-universitário, o que difere de outros países, como Alemanha e Holanda, onde as universidades ficaram competindo entre si.

JU – O governo brasileiro também fala em criar o Laboratório Nacional de Tecnologia Industrial, que demandaria investimentos da ordem de R$ 300 milhões. O IMEC belga serviria como modelo para o projeto brasileiro?
Jacobus – Acredito que sim. Inclusive seria interessante estudar mais a fundo o modelo de gestão do IMEC belga. Trata-se de uma tarefa complexa porque envolve a participação de várias empresas e a questão dos direitos autorais. É preciso saber como fazer isso para atrair as empresas. É preciso estabelecer regras em relação à propriedade intelectual dos produtos que vierem a ser desenvolvidos nesse instituto.

JU – O senhor acredita que para implantar um centro como esse no Brasil haveria facilidade em termos de recursos humanos, entendimentos entre as universidades e apoio do governo para financiar o projeto?
Jacobus – Acredito que estamos num momento propício para atender a todas estas questões. A comunidade universitária está mais amadurecida e há a disposição para essa união. O governo também está sinalizando favoravelmente. Quanto aos recursos humanos, o crescimento será gradual. Com o IMEC belga também foi assim. Há 20 anos, eles tinham 50 pessoas e hoje são 1.300.

JU – Que papel o CCS da Unicamp desempenha atualmente na área de pesquisa e formação de recursos humanos no setor de semicondutores?
Jacobus – O CCS é o único laboratório de microeletrônica do Brasil que desenvolve em suas instalações processos completos de fabricação de circuitos integrados, tais como CMOS, nMOS e HBT. Desenvolvemos um processo CMOS completo com porta de silício policristalino, com dimensões mínimas de até um micrometro. Também fabricamos e testamos circuitos como amplificadores de sinal e amplificadores de transipedância integrados com fotodetetores. Este último tipo de circuito é chamado de OEIC (circuito integrado optoeletrônico) e é a primeira vez que se fabricou no país um circuito com essa tecnologia. Também estamos trabalhando no desenvolvimento de processos de fabricação de microssensores. Essa área tem um futuro muito promissor no País, sobretudo para a área agrícola que precisa de sensores automatizados.

JU – Quais as perspectivas do Brasil nesse mercado?
Jacobus – Os microssistemas (MEMS) encontram-se na fronteira dos novos e potenciais negócios. Um país retardatário tem longa estrada a percorrer, mas também não precisa começar do marco zero, nem iniciar pela ponta tecnológica. Na vaga da eletrônica embarcada há um número cada vez maior de bens da vida cotidiana, assim como de bens de produção. Assim, é possível discutir e formular modelos de negócios tendo em conta as vantagens comparativas do Brasil, sobretudo sua base industrial representativa, mais complexa que de muitos países em desenvolvimento.

JU – O Brasil conta com alguma característica própria que pode representar alguma vantagem?
Jacobus – Uma grande vantagem comparativa brasileira são a agricultura e a pecuária. Explorar chances de embarcar, fortemente, eletrônica em nosso agronegócio, para começar com um foco bem justo e correr contra o atraso, parecem ser um bom caminho. As estratégias de negociação com fabricantes devem potencializar os grandes demandantes internacionais de semicondutores que atuam no Brasil. Tal estratégia pode contribuir, simultaneamente, para aumentar as chances de sucesso da atração de IDE e aumentar o volume de exportações brasileiras de bens finais.

JU – Que visão de futuro se pode ter desse setor?
Jacobus – Um dos pontos-chave no atual modelo da indústria de CIs encontra-se nos limites nanométricos da abertura de canal para as portas (gates) dos transistores implantados no silício na tecnologia CMOS. A evolução encontra-se perto dos limites físicos, que seriam por volta de 30 nm, segundo os padrões atuais. Os custos de P&D e industriais, a partir daí, tornam-se ainda mais elevados. Embora já haja demonstração experimental de transistores isolados, com dimensões mínimas menores que 10 nm, o limite real da tecnologia CMOS só o futuro determinará. Não se sabe como nem quando a tecnologia de CMOS poderia ser superada. Sabe-se, porém, que ela traz uma tendência forte de concentração de sistemas em um só.

JU – O grupo que estuda a formulação de uma política industrial para o setor de semicondutores fala em levar o Brasil para a fronteira tecnológica em dez anos. Isso é possível?
Jacobus – Por que não? Isso foi feito em outros países. Há dez anos a China não tinha nada nessa área e hoje tem uma indústria significativa. A Sansung, que é a segunda maior empresa do setor, em dez anos cresceu de US$ 2,5 bilhões para US$ 35 bilhões anuais. Também podemos chegar lá.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP
pa,