Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 241 - de 16 a 29 de fevereiro de 2004
Leia nessa edição
Capa
Política C&T
Fundos setoriais: padrão
Unicamp testa vacina dupla
Nanociência: sem perder tempo
Política: semicondutores
Licenciamento de patentes
Rivalidade nas quatro linhas
Teses da semana
Pós: reajuste de bolsas
O sabor do trabalho
Bicentenário: Hércules Florence
 

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Trabalho que o consumidor
não vê mas saboreia

LUIZ SUGIMOTO

Foto: Neldo Cantanti
A professora Rosiane Lopes da Cunha: “O consumidor não percebe o que está por trás dos alimentos”

Dona Vicentina, mãe da professora Rosiane Lopes da Cunha, não entende direito porque a filha tanto labuta no laboratório de Engenharia de Processos da Faculdade de Engenharia de

Alimentos. Mas vai torcer o nariz diante de um iogurte cheio de “flocos”, sem a cremosidade habitual, e talvez jogue fora o produto. “O iogurte não está estragado, o floculado indica que não fizeram uma combinação adequada dos ingredientes”, simplifica a pesquisadora. “Na prática, trabalhamos como nossas mães quando fazem um bolo: procuramos conhecer cada ingrediente, dosar quantidades e avaliar a interação entre eles, chegando a um resultado bom ou não”, acrescenta, mesmo que não seja tão simples fazer a “caracterização de propriedades termodinâmicas, termofísicas e reológicas de alimentos líquidos e sólidos”, sua linha de pesquisa.

Pesquisadores e indústrias precisam caminhar muito para levar o produto final até o consumidor. Rosiane da Cunha e sua equipe pesquisam interações entre proteínas e polissacarídeos, visando à substituição de ingredientes em produtos derivados do leite e da soja, mais especificamente. “Em relação à indústria de laticínios, por exemplo, existe grande gama de produtos light no mercado. Se retirarmos a gordura para diminuir o teor de calorias, a proteína permanece, mas o alimento perde a cremosidade, tornando-se aguado; se colocarmos proteína além da conta, ele ‘endurece’. É preciso adicionar algum ingrediente, como um polissacarídeo, para absorver a água e obter uma textura similar à original”, explica a professora.

Serve como ilustração o amido (maisena), polissacarídeo que absorve água e por isso engrossa o caldo. O grupo da FEA pesquisa um similar muito utilizado na indústria de alimentos, a xantana, cujo efeito é mais pronunciado. “O problema é que, quando se coloca um novo ingrediente, o produto não é mais o mesmo.

Complica-se o sistema. Podem ser alterados não apenas a textura, mas também o sabor e o valor nutricional. Mesmo uma formulação já aprovada pelo consumidor pode ser alterada, visando a melhora da sua qualidade. Tem-se trabalhado muito, por exemplo, no desenvolvimento de produtos destinados a nichos de consumidores impedidos de ingerir certos ingredientes – hipertensos, diabéticos, doentes renais – ou mesmo aqueles que não têm tempo para cozinhar, o que é cada vez mais comum nos dias atuais”, observa Rosiane da Cunha.

Agregar a menor quantidade possível de novos ingredientes, obtendo a melhor qualidade e o menor custo, é uma charada ainda não resolvida que requer altos e constantes investimentos em pesquisas por parte de grandes indústrias do setor alimentício como Procter & Gamble, Unilever, Nestlè e Danone. “O consumidor não percebe o que está por trás dos alimentos, mas desenvolvê-los é desafiador para nós pesquisadores: as proteínas e os polissacarídeos (quando juntos) são muito complicados de se trabalhar, são imprevisíveis, nunca se sabe o que vai acontecer. Diria que mostram um comportamento quase feminino”, brinca a pesquisadora.

A soja – Outro vértice das pesquisas de doutorado, mestrado e de iniciação científica coordenadas por Rosiane da Cunha é a aplicação da proteína de soja em embutidos e diversos tipos de massas e bebidas. “A proteína da soja apresenta alto valor nutricional e propriedades funcionais interessantes, sendo apontada como capaz de prevenir e tratar doenças como as cardiovasculares, câncer e osteoporose”, justifica a professora. Apesar de sua importância também para a economia (o Brasil é o segundo maior produtor mundial), estudos sobre o grão e seus derivados ainda são escassos na literatura científica, desinteresse que se estende aos consumidores.

“O que vemos no mercado são basicamente o óleo e, recentemente, algumas bebidas à base de proteína de soja. Por conta de uma introdução desastrosa no país durante os anos 70, o alimento ficou com uma imagem muito negativa. Como a mídia vem destacando os benefícios da soja, é provável que as pessoas voltem a consumi-la, verificando que as bebidas presentes no mercado possuem um sabor bastante agradável”, prevê Rosiane da Cunha.


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