Trabalho que o consumidor
não vê mas saboreia
LUIZ
SUGIMOTO
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A professora Rosiane Lopes da Cunha: “O consumidor
não percebe o que está por trás
dos alimentos” |
Dona Vicentina, mãe da professora
Rosiane Lopes da Cunha, não entende direito
porque a filha tanto labuta no laboratório
de Engenharia de Processos da Faculdade de Engenharia
de
Alimentos. Mas vai torcer o nariz
diante de um iogurte cheio de “flocos”,
sem a cremosidade habitual, e talvez jogue fora o
produto. “O iogurte não está estragado,
o floculado indica que não fizeram uma combinação
adequada dos ingredientes”, simplifica a pesquisadora.
“Na prática, trabalhamos como nossas mães
quando fazem um bolo: procuramos conhecer cada ingrediente,
dosar quantidades e avaliar a interação
entre eles, chegando a um resultado bom ou não”,
acrescenta, mesmo que não seja tão simples
fazer a “caracterização de propriedades
termodinâmicas, termofísicas e reológicas
de alimentos líquidos e sólidos”,
sua linha de pesquisa.
Pesquisadores e indústrias
precisam caminhar muito para levar o produto final
até o consumidor. Rosiane da Cunha e sua equipe
pesquisam interações entre proteínas
e polissacarídeos, visando à substituição
de ingredientes em produtos derivados do leite e da
soja, mais especificamente. “Em relação
à indústria de laticínios, por
exemplo, existe grande gama de produtos light no mercado.
Se retirarmos a gordura para diminuir o teor de calorias,
a proteína permanece, mas o alimento perde
a cremosidade, tornando-se aguado; se colocarmos proteína
além da conta, ele ‘endurece’. É
preciso adicionar algum ingrediente, como um polissacarídeo,
para absorver a água e obter uma textura similar
à original”, explica a professora.
Serve como ilustração
o amido (maisena), polissacarídeo que absorve
água e por isso engrossa o caldo. O grupo da
FEA pesquisa um similar muito utilizado na indústria
de alimentos, a xantana, cujo efeito é mais
pronunciado. “O problema é que, quando
se coloca um novo ingrediente, o produto não
é mais o mesmo.
Complica-se o sistema. Podem ser
alterados não apenas a textura, mas também
o sabor e o valor nutricional. Mesmo uma formulação
já aprovada pelo consumidor pode ser alterada,
visando a melhora da sua qualidade. Tem-se trabalhado
muito, por exemplo, no desenvolvimento de produtos
destinados a nichos de consumidores impedidos de ingerir
certos ingredientes – hipertensos, diabéticos,
doentes renais – ou mesmo aqueles que não
têm tempo para cozinhar, o que é cada
vez mais comum nos dias atuais”, observa Rosiane
da Cunha.
Agregar a menor quantidade possível
de novos ingredientes, obtendo a melhor qualidade
e o menor custo, é uma charada ainda não
resolvida que requer altos e constantes investimentos
em pesquisas por parte de grandes indústrias
do setor alimentício como Procter & Gamble,
Unilever, Nestlè e Danone. “O consumidor
não percebe o que está por trás
dos alimentos, mas desenvolvê-los é desafiador
para nós pesquisadores: as proteínas
e os polissacarídeos (quando juntos) são
muito complicados de se trabalhar, são imprevisíveis,
nunca se sabe o que vai acontecer. Diria que mostram
um comportamento quase feminino”, brinca a pesquisadora.
A soja – Outro
vértice das pesquisas de doutorado, mestrado
e de iniciação científica coordenadas
por Rosiane da Cunha é a aplicação
da proteína de soja em embutidos e diversos
tipos de massas e bebidas. “A proteína
da soja apresenta alto valor nutricional e propriedades
funcionais interessantes, sendo apontada como capaz
de prevenir e tratar doenças como as cardiovasculares,
câncer e osteoporose”, justifica a professora.
Apesar de sua importância também para
a economia (o Brasil é o segundo maior produtor
mundial), estudos sobre o grão e seus derivados
ainda são escassos na literatura científica,
desinteresse que se estende aos consumidores.
“O que vemos no mercado
são basicamente o óleo e, recentemente,
algumas bebidas à base de proteína de
soja. Por conta de uma introdução desastrosa
no país durante os anos 70, o alimento ficou
com uma imagem muito negativa. Como a mídia
vem destacando os benefícios da soja, é
provável que as pessoas voltem a consumi-la,
verificando que as bebidas presentes no mercado possuem
um sabor bastante agradável”, prevê
Rosiane da Cunha.