Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 277 - 14 a 27 de fevereiro de 2005
Leia nessa edição
Capa
Ciência nas férias
Sucessão de Brito Cruz
Ciência & cotidiano
Identificação de microtoxina
Matemática que simplifica
Matemática brasileira
Velhice saudável versus
  rejuvenescimento
Europa social
Painel da semana
Teses da semana
Valor nutricional dos cogumelos
Arquitetura goiana
 

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Pesquisas apenas engatinham em busca de fórmulas
contra o envelhecimento, que a indústria já vende como prontas


A confusão entre velhice
saudável e rejuvenescimento




LUIZ SUGIMOTO


A professora Nelci Fenalti Hoehr, da FCM, e Renato Haddad, autor de tese: metodologia pioneira (Foto: Antoninho Perri)Notícias e propagandas veiculadas pela mídia criam a falsa impressão de que a ciência nos leva a passos largos em direção à fonte da juventude. É fato que o ser humano está mais longevo, graças ao avanço das ciências médicas, mas ainda são parcos os resultados das pesquisas para conter a degradação da vida celular. Confunde-se, porém, longevidade com rejuvenescimento. Por baixo da pele que cirurgias plásticas e cremes podem até tornar mais bonita, o processo de envelhecimento prossegue com alterações moleculares e celulares que acarretam em perdas funcionais progressivas dos órgãos e do restante do organismo. “Não existe comprovação científica de produtos ou medicamentos que ajudem a rejuvenescer. Estamos apenas engatinhando em busca daquilo que a indústria já coloca como verdadeiro”, afirma a professora Nelci Fenalti Hoehr, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

Não falta conhecimento de causa a Nelci Hoehr, que trabalhou no Instituto Nacional do Envelhecimento (National Institute on Aging, NIA), um enorme prédio em Baltimore (EUA), povoado por pesquisadores envolvidos com os genes do envelhecimento e as mudanças provocadas por defeitos genéticos, doenças ou fatores ambientais. A professora ressalta que os esforços da ciência, no momento, não se concentram em conter o envelhecimento, mas em assegurar maior qualidade de vida enquanto a idade avança. “Os estudos genéticos permitem saber para quais doenças estamos predispostos, influenciando em condutas médicas que evitem ou retardem seu desenvolvimento. A primeira recomendação do médico é sempre de fugir de alimentos gordurosos e de praticar exercícios físicos, prevenindo contra o acúmulo de substâncias oxidantes no organismo”, exemplifica.

Nesta batalha no mundo celular, a comunidade científica volta-se principalmente para os radicais livres, visto que esses grupos de átomos contendo oxigênio já estão associados à maioria das doenças freqüentes na velhice, como as cardiovasculares, as neurodegenerativas, arteriosclerose, catarata, cânceres e hipertensão. São chamados de radicais livres porque possuem um ou mais elétrons desemparelhados, quando o normal é que os elétrons se organizem em pares. Obviamente, é muito mais complicado do que isso, mas a ação dos inimigos pode ser resumida assim: em busca do elétron para formar o par, os radicais livres atacam moléculas presentes nas células, que são oxidadas e degradadas. Há uma reação em cadeia, formando-se novos radicais livres que atacam outros compostos, o que resulta em vastas lesões nas estruturas celulares.

As células podem produzir radicais livres a partir da própria respiração, quando uma pequena parte do oxigênio é desviada de seu curso metabólico normal, ganhando um elétron. Drogas e medicamentos, como álcool, antibiótico e cigarro, formam outra fonte de produção de radicais livres pelas células do fígado. Radiações de ultravioleta solares, infravermelho, gama (aparelho de raios-x) e de luz fluorescente (lâmpadas do ambiente de trabalho) também promovem lesões oxidativas. Por outro lado, as células possuem mecanismos de defesa contra os radicais livres: as enzimas e compostos antioxidantes naturais como as vitaminas C e E, os carotenos e polifenóis.

“Uma das capas da revista Science traz a figura de homenzinhos colocando cada enzima no lugar certo para reparar o DNA”, ilustra a pesquisadora da Unicamp. Ela observa que os radicais livres não são prejudiciais ao organismo quando produzidos em quantidades normais. Porém, quando ocorre um desequilíbrio entre os processos de produção e de eliminação de radicais livres, acontece um estresse oxidativo, induzindo às lesões. É um estresse que pode ser causado tanto pela produção excessiva de radicais livres, como pela diminuição da capacidade de defesa das células.

A busca – O Instituto do Envelhecimento realiza estudos sobre lesões oxidativas em bases de DNA. Em busca das causas, pesquisadores promovem lesões em tecidos celulares através de radiação ultravioleta, infravermelho, gama e luz fluorescente – radiações ionizantes que nos atingem no dia-a-dia. “Pessoalmente, fiz estudos para saber se certa radiação da luz fluorescente leva às mesmas lesões provocadas por ultravioleta e outras radiações comprovadamente danosas ao organismo. Essas lesões podem resultar em cânceres de pele como a Xeroderma pigmentosa e em doenças neurodegenerativas como a de Alzheimer”, explica Nelci Hoehr.

Em Baltimore, a professora contou com os recursos ideais para seu trabalho, utilizando a técnica de identificação de lesões através de nitrogênio marcado e de um detector de radiação de moléculas, além de células de tecidos humanos fornecidos por bancos de células. “Este é o método usual, mas caro demais, principalmente para nós brasileiros. Por isso, desenvolvemos um método alternativo, inédito, a custo bem menor, buscando identificar essas bases de DNA através do espectrômetro de massas, que hoje é uma das técnicas instrumentais mais abrangentes da ciência. Isso porque o país possui um grupo muito bom no Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, coordenado pelo professor Marcos Eberlin, do Instituto de Química da Unicamp. Elaboramos um projeto temático sobre lesões oxidativas, reunindo vários trabalhos além do nosso, que despertou interesse imediato da Fapesp”, conta a pesquisadora.

2º equipamento – A metodologia pioneira é fruto da tese de doutorado de Renato Haddad, com orientação de Nelci Hoehr e co-orientação de Marcos Eberlin. Estudando bases lesadas de DNA através do espectrômetro de massas, ele identificou as mesmas estruturas descritas na literatura, comprovando a eficiência da técnica. O trabalho valeu ao aluno uma bolsa para o pós-doutorado iniciado sob orientação do mesmo professor Eberlin, no IQ. “As pesquisas para desvendar as relações entre a formação de radicais livres e doenças cada vez mais comuns, exige o desenvolvimento de técnicas novas e modernas para análise das bases que sofrem modificações. Nessa tese, utilizei uma linhagem clonada inicialmente de células tumorais de rato. Esses dados preliminares são de grande importância para analisar os danos ao DNA tanto na avaliação de células não tratadas, bem como de células tratadas com diferentes agentes oxidantes e agentes de reparo”, explica Renato Haddad.

O que se pretende agora, de acordo com Nelci Hoehr, é estudar não apenas a lesão, mas também o reparo das estruturas celulares. “Solicitamos à Fapesp um espectrômetro de massas para a área médica. Nossa expectativa é grande, pois um segundo equipamento permitirá acelerar as pesquisas com lesões oxidantes. A função do laboratório do Instituto de Química seria o desenvolvimento dos métodos, ao passo que a nossa é aplicar os métodos lá desenvolvidos. O custo é de cerca de 300 mil dólares, investimento plenamente justificável porque o espectrômetro seria de multiuso, ficando à disposição de todos os pesquisadores da FCM”, avalia a professora.



Alzheimer e outros males da idade

A pesquisadora Nelci Hoehr, da Unicamp, lembra que doenças características da idade avançada, como o mal de Alzheimer, não eram antes descritas porque as pessoas morriam mais cedo, por volta dos 50 anos; hoje a expectativa de vida passa dos 70 anos e com tendência a aumentar. “Chamava-se uma pessoa idosa de ‘caduca’ só porque ela começava a apresentar sintomas que não eram conhecidos, e cujas causas ainda não conhecemos totalmente. Provavelmente, outras doenças surgirão conforme o tempo de vida aumentar. Daí a importância desses estudos sobre a longevidade”, observa.

A doença de Alzheimer, descrita em 1907, caracteriza-se por alterações neurodegenerativas progressivas, perda de memória e de outras funções cognitivas. Nos Estados Unidos, ela atinge até 2 milhões de pessoas e pelo menos 100 mil morrem por ano. No Brasil, a estimativa é de 1 milhão de doentes. “A doença acomete de 5% a 10% dos idosos por volta dos 65 anos, 20% dos que têm 80 anos e 47% dos que chegam aos 85 anos. Diante do envelhecimento vertiginoso da população mundial, a doença de Alzheimer vem sendo chamada de ‘a epidemia silenciosa’ do século 21”, informa o pós-doutorando Renato Haddad.

Segundo Haddad, estudos em células de pacientes com Alzheimer demonstraram uma diminuição na capacidade de reparo de lesões oxidativas no DNA. Ele cita a Xeroderma pigmentosa, um tipo de câncer de pele, como outro exemplo de alterações nos mecanismos de reparo e que podem levar a processos neurodegenerativos. Estudam-se também células de portadores da síndrome de Cockayne, uma mutação que provoca o envelhecimento precoce e faz com que um jovem de 30 anos de idade já possua a face envelhecida, desenvolvimento neurológico retardado e andar vacilante.

Nelci Hoehr compara o trabalho com lesões oxidativas (e seu reparo) a um enorme quebra-cabeça, onde os pesquisadores tentam colocar cada peça no lugar certo. “Encontramos apenas uma pequeníssima parte dessas peças. A medicina venceu muitas doenças, mas ainda não descobrimos a causa de outras, como a hipertensão e a diabetes, apesar da melhora obtida na qualidade de vida desses pacientes. A diabetes é conhecida desde tempos remotos, quando chineses, ao parar no caminho para se aliviar, perceberam que sua urina atraía as formigas por conter açúcar. E até hoje não sabemos como curá-la”.


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