Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 277 - 14 a 27 de fevereiro de 2005
Leia nessa edição
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Ciência nas férias
Sucessão de Brito Cruz
Ciência & cotidiano
Identificação de microtoxina
Matemática que simplifica
Matemática brasileira
Velhice saudável versus
  rejuvenescimento
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Valor nutricional dos cogumelos
Arquitetura goiana
 

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Tese contraria autores que previam desmonte e americanização
do welfare state (estado de bem-estar social) europeu


'Europa social' resiste a efeitos
da unificação e da globalização



LUIZ SUGIMOTO


Eduardo Salomão Condé, autor da tese, e o professor Jorge Ruben Biton Tapia, orientador: lançando luz sobre a unificação européia (Foto: Antoninho Perri)Do pós-Guerra (1945) até os anos 1970, intensificou-se a implantação de políticas sistemáticas de proteção nos países europeus, em variados graus e independentemente de diferenças sócio-culturais ou de modelos econômicos e de governo. Sociedades plurais e igualitárias, com direitos assegurados pelo Estado sob prerrogativa de eficiência econômica, são preceitos do welfare state (estado do bem-estar) que alicerçaram a reconstrução da Europa. “Na prática, o welfare europeu fortaleceu a participação sindical, promoveu uma eficiente eqüidade, menor dispersão salarial e constituiu políticas públicas em renda, educação, saúde, emprego e assistência com bases seguramente mais generosas que nas demais partes do globo, Estados Unidos à frente”, afirma Eduardo Salomão Condé, em tese de doutorado apresentada no Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

A tese intitulada “Laços da Diversidade – A Europa Social e o Welfare em Movimento (1992-2002)” teve a orientação do professor Jorge Ruben Biton Tapia. Segundo Condé, diante das mudanças no capitalismo a partir dos anos 1970, críticos liberal-conservadores passaram a defender práticas desregulatórias, flexíveis e de crescente competitividade, com a mercantilização de amplos setores sociais. Esses críticos consideravam o modelo ultrapassado, pois combinaria disfuncionalidade sistêmica com incapacidade de reação diante das pressões demográficas e fiscais às quais estava submetido. Mesmo à esquerda, o debate se deu em torno da “crise do welfare”.

Paralelamente aos efeitos da globalização, advieram as dificuldades trazidas pelo processo de unificação política e econômica da Europa, desenvolvendo-se a mais ampla e desafiadora experiência de governança no mundo atual – a experiência de unidade na diversidade. “A tese pretende compreender as relações entre o processo de unificação européia e os estados de bem-estar no continente. Ao contrário do que defendem alguns autores, o modelo social europeu está se adaptando lenta e cuidadosamente a esses contextos. Os países não estão adotando as mesmas políticas de mudanças para facilitar o cenário econômico. Não se está copiando o modelo americano ou inglês de crescimento e modernização econômica”, afirma Condé.

O modelo americano, que tem o Reino Unido como caso mais próximo na Europa, se caracteriza por níveis bem mais reduzidos de proteção social: a saúde universal está sob pressão, por exemplo, e a previdência tem nos fundos de pensão privados um elemento muito importante. Há grande relevância nos capitais de curto prazo. A força de trabalho possui estrutura fluida, com sindicatos fracos, trabalho flexível e uma dispersão salarial muito grande. “A tese não trabalha com os Estados Unidos, mas é preciso dizer que a Europa não se ‘americanizou’, ainda que muitas mudanças estejam acontecendo”, reitera o economista.

A pesquisa – Na primeira parte do trabalho, Eduardo Condé aborda como a Europa se organizou historicamente e como se desenvolveu a questão do welfare state, abrangendo um período de 50 anos desde que se iniciaram as discussões sobre a unificação do continente. O autor justifica por que, no entanto, decidiu concentrar o levantamento da documentação na década de 1992 a 2002: “É o momento em que se acelerou o processo de unificação, através da União Econômica e Monetária e a criação de uma moeda única, o euro. Ao mesmo tempo, ocorreu um amplo movimento de mudanças nos estados nacionais”.

Dentre os 15 países membros até 2002 (já são 25), 8 foram acompanhados por Condé, que analisou as mudanças em áreas como da previdência, emprego e saúde, sempre considerando os quatro modelos de welfare predominantes na Europa e seus diferentes graus de proteção: nórdico (Suécia, Dinamarca, Finlândia), continental (Alemanha, França), meridional (Itália, Espanha, Portugal) e anglo-saxão. “As diferentes velocidades nas mudanças se associam à forma de relação entre os países e a União Européia, que tem a Comissão Européia como órgão executivo e o Conselho Europeu como instância decisória por reunir os chefes de Estado”, explica.

Divergência – Segundo o economista, entre 1992 e 1995, quando a unificação monetária começava a se instalar, era pequeno o grau de divergência diante do que Comissão e Conselho propunham para modernizar o modelo social europeu. Havia certo consenso em torno da idéia de “sociedade da informação”, em que as pessoas deveriam ser preparadas para o link entre tecnologia e emprego. Sobre a mesa eram postas medidas para a criação de empregos, formação, educação e treinamento ao longo da vida; muito foi dito sobre reduzir os custos não-salariais. Diante do problema do envelhecimento, se propôs a antecipação da aposentadoria num momento, para depois se defender a elevação da idade ou criação de novas formas de contribuição.

Entre 1995 e 97, quando a defesa das reformas ganhou mais intensidade, inclusive pelas relações com a unificação econômica e monetária, o grau de tensão subiu. Sobre isso, Eduardo Condé ressalta um aspecto que merece atenção: “Quando a união econômica se instalou definitivamente, tendo o euro como resultado mais visível, os países membros perderam o controle sobre suas políticas macroeconômicas. Quem define a meta e a política de combate à inflação, taxa de juros, etc, é o Banco Central Europeu. Os países, numa forma de compensação, passaram a reforçar o controle sobre outras políticas, inclusive a social”.

O economista também atribui a devida importância à história, cultura e instituições de cada país: como os governos se estruturam nesses países?; por que a Inglaterra pode impor reformas de cima para baixo, ao passo que na Itália a sociedade reage a isso com greves gerais?; por que na Holanda é possível estabelecer pactos sociais?. Em 1997, vendo crescer a resistência, Comissão e Conselho mudaram o discurso da “estratégia” para “processo” de crescimento, surgindo o “princípio da subsidiariedade”, em que cada país segue seu ritmo e a União Européia só intervém caso sua solução seja comprovadamente melhor. “Preserva-se, assim, um pouco da independência dos Estados. O resultado prático disto é que a convergência entre as decisões da União e as indicações dos países vai subindo”, diz o pesquisador.

Futuro – Por outro lado, a União Européia não possui jurisdição sobre grande parte da política social, apenas recomendações sobre ela. E, mesmo que o grau de convergência sobre determinadas reformas venha aumentando, o alargamento para 25 países membros traz uma indeterminação quanto ao futuro. Se a questão era conciliar os quatro modelos do oeste europeu, agora parece surgir um quinto modelo, das antigas repúblicas socialistas desagregadas do leste, onde o grau de exclusão é obviamente maior. “Como a tese abrange o período de 1992 a 2002, trato dos dez novos membros apenas na conclusão, deixando alguns pontos que se abrem para análises posteriores, quando tivermos acesso a dados mais seguros sobre os novos integrantes. Mas o custo para integração desses países será elevadíssimo, por mais recursos que se tenha no Fundo Social Europeu. O impacto não vai ser pequeno”, adverte Eduardo Condé.

Lições para o Mercosul

Eduardo Condé lembra que a unificação européia é uma experiência sem par na história da humanidade, resultado de um processo que começou há mais de 50 anos, e pode inclusive trazer lições importantes para o Mercosul. “Se a América do Sul propõe a unificação política, indo além da simples união aduaneira – liberação de tarifas, facilitação de acesso nas fronteiras etc –, a Europa tem muito a nos indicar. O Brasil, por exemplo, costuma se comparar a países isoladamente, com França, Alemanha, Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão. Minha tese propõe pensar sobre o movimento dos países dentro de uma organização específica que é a União Européia. Aí talvez esteja uma agenda de pesquisa importante”, prevê.

O professor Jorge Ruben Biton Tapia, orientador da tese, ressalta a extrema minúcia em perspectiva comparada que o trabalho de Condé apresenta. “Há poucos estudos desse tipo, assim mesmo entre países. Tenho outros orientados que procuram ir além da abstração do formalismo de modelo e do olhar meramente descritivo da análise histórica. Esta tese tenta fornecer elementos gerais para que outro pesquisador, quando fizer uma análise histórica, possa capturar a diversidade dos países, o que vai contar muito no momento de ajustar desafios globais com respostas nacionais”, pondera.

Tapia atenta para outro exemplo de formalismo, que deve ser evitado caso se queira extrair lições da União Européia para incorporá-las ao Mercosul. “Não é raro ouvir que ‘a Europa está transitando por uma economia pós-industrial’ e que, aqui, ‘também estamos transitando por uma economia de serviços’. Não é a mesma coisa. A Europa vive uma trajetória de mudanças com welfare amadurecido – em crise até porque deu certo; outra coisa é buscar uma trajetória de welfare em outro contexto, tendo um ponto de partida muito mais frágil. Achar que tudo é parecido, isto sim é formalismo falso”.


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