Ao longo de 2005, o governo investirá um total de R$ 65 milhões para promover a capacitação científica e industrial brasileira no setor, atentando também para os aspectos político-regulatórios das inovações tecnológicas que a implantação da televisão digital, dentro dos requisitos propostos, venha a requerer. O trabalho dos pesquisadores será fundamental para a decisão do governo sobre o modelo a adotar. Atualmente, vemos uma disputa pelo mercado mundial entre o sistema norte-americano, com ênfase na imagem de alta definição (ATSC); o europeu, privilegiando a multiprogramação e a interatividade (DVB); e o modelo japonês, que agrega à alta definição a recepção móvel e portátil (ISDB). A China também vem desenvolvendo sistema próprio.
Seja de que modelo for, a televisão digital não chegaria mais como uma regalia aos ricos. A ousadia do Brasil está na preocupação em levar os benefícios deste avanço tecnológico para as classes pobres que continuarão com a velha tevê na sala. Para isso, a primeira exigência é um dispositivo chamado set top box, que transforma o sinal digital em analógico. O sistema brasileiro, porém, teria como maior diferencial a conexão dos telespectadores com a rede mundial de computadores. Se esta tecnologia for alcançada, certamente despertará o interesse de outros países em desenvolvimento, como Argentina, Venezuela e Peru, com os quais já se acertou um intercâmbio.
“Evidentemente, precisamos considerar todos os aspectos relevantes científico, econômico, industrial para a escolha do nosso modelo, mas damos importância prioritária ao aspecto social da inclusão digital. Mais de 90% dos lares do Brasil têm televisores, sendo este o caminho mais fácil para levar a tecnologia da interatividade ao grosso da população”, afirma Augusto César Gadelha, diretor do Departamento de Indústria, Ciência e Tecnologia do Ministério das Comunicações e coordenador do Grupo Gestor do SBTVD. O representante do governo, ao lado do reitor Carlos Henrique de Brito Cruz, participou do workshop que abriu os trabalhos pela Unicamp, às vésperas do carnaval, na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC).
Na ocasião, Augusto Gadelha alertou sobre uma forte pressão dos norte-americanos para que o sistema deles seja adotado como padrão único nas Américas. “Conseguimos, junto à Comissão Interamericana de Telecomunicações (Citel), que esta decisão fosse adiada até dezembro de 2005. É importante que os grupos de pesquisa, durante esses meses, cheguem a todos os resultados importantes e às especificações básicas para sustentar nossa decisão política”, acrescenta. Não existe consenso dentro da comunidade científica quanto ao caminho a seguir: parte dos especialistas defende o desenvolvimento de um sistema próprio, o que atrairia incentivos às pesquisas do setor; a outra parte teme que um modelo fora dos padrões leve ao isolamento do país no mercado mundial.
Luís Geraldo Pedroso Meloni, professor da FEEC e coordenador dos consórcios liderados pela Unicamp, é pessoalmente favorável à adoção de um dos sistemas já padronizados. “A partir do modelo americano, europeu ou japonês, podemos buscar melhorias que atendam às necessidades da sociedade brasileira, no caso, a inclusão digital. Posteriormente, tais melhorias seriam propostas ao próprio órgão padronizador, promovendo-se uma soma de mercados e evitando-se o isolamento do país”, pondera. O professor observa que o projeto do Canal de Interatividade poderá ser concebido de forma que se adapte a qualquer um dos modelos existentes.
O Canal Para se compreender melhor o trabalho encomendado ao consórcio coordenado pela Unicamp, Luís Meloni explica que a estação de teledifusão do SBTVD transmitirá sinais de áudio, vídeo e de dados. Esses sinais serão dispersados, passando por sistemas de codificação e transmissão, cobrindo a área do tamanho de uma cidade. Do outro lado, o telespectador contará com o set top box, que receberá o sinal digital e realizará o processo inverso, separando os sinais de áudio, vídeo e de dados para levá-los aos alto-falantes e monitor.
Com a tevê digital interativa, o telespectador não mais permaneceria passivo. Segundo Meloni, na emissora haverá servidores contendo aplicativos que o usuário poderá acessar a partir de sua residência. Para isso, será preciso prover a tevê digital de um canal de retorno, o Canal de Interatividade. “O projeto visa ao desenvolvimento e instrumentação de duas inovações tecnológicas para viabilizar o canal: uma priorizando a rede auto-estruturada, que chamamos de Ad Hoc, e outra com RF Intrabanda”, acrescenta o pesquisador.
A rede Ad Hoc, fazendo-se uma comparação com a rede da telefonia celular, substituiria a dispendiosa e pesada infra-estrutura de antenas e estações rádio-base com controle centralizado por pequenos terminais, que iriam se comunicando um com o outro até uma ou mais antenas da rede. A outra solução em estudo, RF Intrabanda, é o compartilhamento do espectro dos canais VHF e UHF para assegurar a transmissão de retorno. Um fator importante no caso brasileiro seria a exploração de tal canal de interatividade de forma a promover a inclusão digital.
Middleware Uma questão paralela, porém, é que as aplicações no servidor da emissora virão via transmissão de difusão na forma de dados, sendo rodadas em um processador (CPU) de qualquer fabricante ou modelo instalado na residência. Para que essas aplicações sejam rodadas de forma independente do sistema operacional, é preciso uma camada de software denominada Middleware. “Como inovação neste projeto, propõe-se a concepção de extensões do Middleware voltadas ao ensino a distância”, acrescenta o professor da FEEC.
A preocupação com a redução dos custos do televisor digital ou do set top box, freqüentemente demonstrada nos debates sobre o SBTVD e a inclusão digital, não é compartilhada por Luís Meloni. “Minha experiência na iniciativa privada elimina qualquer dúvida de que, num horizonte de economia estável, os preços descerão ao nível das classes menos abastadas. Mas apenas o barateamento dos equipamentos não promoverá a inclusão digital, visto que o custo proibitivo está no acesso físico à Internet e aos provedores. As alternativas tecnológicas que vamos explorar neste projeto podem levar, quem sabe, a uma internet comunitária de baixo custo”, finaliza.