Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 278 - 28 de fevereiro a 6 de março de 2005
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Índices são considerados “preocupantes” por
pesquisadora do Departamento de Química Analítica do IQ

Pesquisa mensura
concentração de mercúrio
em Campinas e Piracicaba




CARMO GALLO NETTO


(Foto: Divulgação)Levantamento coordenado pela pesquisadora Anne Hélène Fostier, do Departamento de Química Analítica, do Instituto de Química da Unicamp, revela que as concentrações medianas de mercúrio gasoso medidas na atmosfera da região de Campinas entre dezembro de 2002 e maio de 2003 são comparáveis às encontradas em regiões historicamente altamente poluídas, como por exemplo as áreas industrializadas do hemisfério norte. Segundo Anne Hélène, os valores, expressos em nano gramas por metro cúbico (ng/ m³), são “preocupantes”. Mais de 20% das amostras apontam valores acima de 10 ng/m³, mas foram encontradas concentrações de até 40 ng/m³. A concentração mediana ficou em 5,4 ng/m³.

A situação também é preocupante em Piracicaba, onde as concentrações medianas de mercúrio gasoso foram de 7,5 e 10,3 ng/m³, respectivamente, em junho e agosto de 2004, mês este em que a queimada da cana-de-açúcar atinge o pico. Trabalhos complementares permitirão avaliar a real influência das queimadas de cana-de-açúcar nas concentrações de mercúrio na atmosfera.

Mercúrio fica cerca de um ano na atmosfera

A professora Anne Helène Fostier: conseqüências para o meio ambiente ainda são imprevisíveis (Foto: Antoninho Perri)A pesquisadora destaca “entre as possíveis fontes de emissão os combustíveis fósseis (óleos), depósitos de resíduos sólidos, incineração de resíduos hospitalares”, mas esclarece que estudos complementares são necessários para melhor avaliar a contribuição destas e de outras fontes (solos, veículos). Anne Hélène lembra que estão em andamento estudos para medir as concentrações de mercúrio em álcool, gasolina e diesel. Regiões não contaminadas sempre têm certa concentração de mercúrio, que se encontra principalmente na forma gasosa (95%) e não mais que 3% na forma particulada. Em Campinas e Paulínia, as porcentagens de mercúrio na forma particulada estiveram em torno de 12% a 13%.

A professora esclarece que existem poucos dados sobre a contribuição de cada fonte responsável pelas emissões: “São concentrações muito baixas, estamos falando em nano gramas de mercúrio por grama de matéria. Mas passam a significativas diante da quantidade de petróleo e matas queimadas e devido à alta toxidade do mercúrio. Não podemos esquecer, também, que o mercúrio fica cerca de um ano na atmosfera, devido a pouca reatividade com a água, o que o leva a se propagar por longas distâncias”. Seus trabalhos sobre mercúrio na atmosfera foram os primeiros desenvolvidos em regiões industriais do Brasil e hoje estão concentrados no estudo de fontes de contaminação ligadas à atividade humana, chamadas antrópicas.

(Foto: Divulgação)Alerta – Nas áreas que ainda possam ser consideradas naturais, como a amazônica, os desertos e os mares, as concentrações de mercúrio na atmosfera são mais ou menos constantes e baixas, situando-se em torno de 1ng/m³, dificilmente ultrapassando os 5,0 ng/m³. Padrões internacionais estabelecem a concentração tolerável para a proteção do meio ambiente. Um deles impõe o limite de 300 ng/m³.

Hoje estamos bem longe disso, mas as atividades industriais e o desmatamento sinalizam para emissões significativas para a atmosfera. E isso preocupa: “Na região amazônica, o desmatamento tem conseqüências nas modificações do ciclo natural do mercúrio e nas regiões industriais as emissões são significativas, embora ainda não ofereçam grandes riscos imediatos. O grande problema é o que vai acontecer no futuro. Por enquanto, precisamos ainda fazer o acompanhamento das emissões e acumular dados. No Brasil isso está começando”. E completa: “Os dados obtidos em Campinas não revelam problemas imediatos. Mas não sabemos ainda que conseqüências essas variações possam ter sobre o meio ambiente. O importante não é quanto estamos distantes do padrão, mas sim o efeito do aumento das emissões sobre o meio ambiente”.




O que se sabe


O mercúrio (Hg) é um dos elementos mais temidos por causa da toxicidade. Nos tecidos celebrais, os efeitos são devastadores e levam a danos neurossensoriais e neuromotores. Uma de suas características mais marcantes é o fato de ser emitido ou re-emitido para a atmosfera na forma gasosa elementar (Hgº), na qual está presente em mais de 95% no total de mercúrio gasoso atmosférico. Na atmosfera pode vir a participar de vários processos e interações de natureza química, física ou fotoquímica que possibilitam sua transferência para solos e águas.

Além do que, a sua possível conversão em metil-mercúrio, a mais tóxica das espécies químicas do mercúrio, que tem a propriedade de ser acumulado nos organismos ao longo da cadeia alimentar em até um milhão de vezes em meio aquático, constitui uma das principais preocupações ambientais da eco-toxicologia do mercúrio, justificando o estudo do seu ciclo biogeoquímico.

Estudos sobre o ciclo global do mercúrio mostraram que a concentração na forma gasosa na atmosfera multiplicou-se por três durante o último século, o que levou a Agência Ambiental Americana (EPA), em l997, e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), em 2001, que envolve a participação de 57 países, entre eles o Brasil, a criarem programas nacionais e internacionais para avaliação das emissões antrópicas de mercúrio. Países do hemisfério norte têm estudos mais apurados e legislação restritiva ao uso do mercúrio. Existe um programa europeu de avaliação de contaminação de mercúrio e estudo do ciclo biogeoquímico que possibilita medidas sobre o uso do elemento e seus compostos.

Dados sobre concentrações de mercúrio na atmosfera, quantificações das fontes de emissão e processos de troca gasosa nas interfaces água/atmosfera e solo/atmosfera são ainda escassos. No Brasil não há estudos a não ser os desenvolvidos na bacia amazônica, uma vez que a mineração de ouro foi considerada durante muito tem como sendo a principal fonte de emissão de mercúrio para a atmosfera (aproximadamente 78 toneladas por ano).

Entretanto, com o crescimento industrial e populacional urgem medidas sobre concentrações de mercúrio atmosférico em regiões industrializadas bem como o dimensionamento das emissões de outras fontes antrópicas, além da ampliação do conhecimento sobre as contribuições das fontes naturais. Este quadro levou a professora Anne Hélène a desenvolver projetos de pesquisas sobre as fontes naturais e antrópicas de mercúrio na atmosferal.

Anne Hélène Fostier, que nasceu, estudou e doutorou-se na França, mas iniciou as investigações sobre mercúrio no Brasil, lembra que os vulcões, as superfícies dos solos e das águas constituem fontes naturais de emissões de mercúrio para a atmosfera, estimadas entre 1.400 a 9.000 toneladas por ano. As fontes antrópicas, estimadas entre 2.000 a 6.000 toneladas por ano, incluem combustões (carvão, óleo, incineração de resíduos urbanos, queimada de biomassa), atividades industriais (produção de soda-cloro, refinarias), mineração de ouro e fontes difusas (veículos automotores, quebra de lâmpadas florescentes, amálgamas odontológicas). Estas fontes são apontadas como responsáveis pelo aumento significativo das concentrações de mercúrio na atmosfera durante o último século.

Face à diversidade de fatores, seus estudos concentram-se em alguns segmentos: desenvolvimento de procedimentos analíticos; influência do desmatamento na bacia do rio Negro e na região de Alta Floresta, em Mato Grosso; concentração de mercúrio na atmosfera na região de Campinas e Paulínia; emissões de mercúrio originárias da combustão de biomassa; efeitos da queimada da cana-de-açúcar na região de Piracicaba; e concentração de mercúrio em combustíveis brasileiros.




Rio Negro e Alta
Floresta, dois parâmetros



O Até há alguns anos, atribuía-se a presença de mercúrio nas águas amazônicas à atividade de garimpo. Separada a amálgama de ouro, o metal é recuperado com o uso de maçarico que leva à evaporação do mercúrio, que contamina águas e atmosfera. No início da década de 90, descobriu-se que na bacia do rio Negro era grande a concentração de mercúrio nas águas, nos peixes e nos cabelos das populações ribeirinhas, embora não houvesse garimpos na região. A constatação levou os cientistas a estudar as concentrações e os processos de transferência do mercúrio nos solos, nas águas e na atmosfera (ciclo biogeoquímico) e os processos responsáveis pela manutenção deste ciclo. Estudando o efeito do desmatamento na região em cooperação com outros pesquisadores da Unicamp, da Unesp-Araraquara e da PUC-Campinas, e contando com suporte financeiro da Fapesp e do CNPq, a professora Anne Hélène constatou que solos cobertos por florestas não emitem mercúrio para a atmosfera. Enquanto as águas da bacia emitem 50 kg/ano de mercúrio, os solos descobertos, que correspondem a apenas 1% da bacia, emitem 130 kg/ano. “É muito se considerarmos que a região do rio Negro é pouco desmatada”, diz a professora.

A pesquisadora está estudando a emissão de mercúrio a partir da combustão da biomassa que no Brasil concentra-se na cana-de-açúcar e na floresta amazônica. E esclarece: “O que existem são estimativas, nós estamos fazendo medidas”. A pesquisadora concentrou as observações na área do município de Alta Floresta, no Mato Grosso, por ser uma região que sofre grandes desmatamentos. O fogo é utilizado para transformar a floresta em pastagens ou áreas agrícolas. O projeto está sendo desenvolvido em cooperação com o Laboratório de Combustão e Propulsão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que já vinha estudando o processo de combustão na floresta amazônica. Geralmente em maio, com autorização do Ibama, um ou dois hectares da floresta são derrubados. Em setembro colocam fogo e iniciam as medidas no campo e em laboratório montado no local. As fotos mostram as áreas derrubadas, a queimada, a casa sede e o laboratório improvisado. Os primeiros resultados, obtidos em setembro deste ano, revelam que a concentração de mercúrio gasoso na atmosfera multiplica-se por mais de dez após a queimada: a concentração mediana que era antes de 2,6/m³ passou a 33,9 ng/m³ durante os três dias posteriores à queimada.



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