O portal, que entrou no ar no último dia 10 de fevereiro, tem por objetivo fornecer instrumentos e capacitar os gestores municipais para a realização do diagnóstico da segurança alimentar em seus territórios. “Nossa expectativa é que as informações geradas pelas pesquisas forneçam uma fotografia mais real sobre a questão da fome no país”, afirma Ana Maria Segall Corrêa, coordenadora da Rede Alimenta e professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
Conhecer a exata dimensão do problema, segundo a epidemiologista, é o primeiro passo para tentar erradicá-lo. Por isso, afirma, os dados que serão gerados com o auxílio do portal podem ser fundamentais para orientar a criação de novas ações de combate à fome ou aperfeiçoar os programas já existentes. “Além de permitir o diagnóstico inicial do nível de segurança alimentar no município, essa ferramenta possibilitará o acompanhamento periódico, em âmbito local, das políticas públicas de alimentação e nutrição”, explica a professora Ana Maria. A proposta da criação do site surgiu em 2004. Desde então, pesquisadores de várias áreas e ligados a diversas instituições vinham trabalhando no seu desenvolvimento. O projeto recebeu o apoio do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da divisão de programas acadêmicos da Microsoft.
A coordenadora da Rede Alimenta conta que os gestores municipais serão orientados preferencialmente à distância. A medida, de acordo com ela, confere agilidade e barateia os custos das ações. O trabalho será feito da seguinte maneira. Primeiro, os representantes dos municípios preencherão um cadastro no qual registrarão informações básicas, como tamanho da população, extensão territorial, existência de programa de combate à fome etc. Também terão que aderir a um termo que estabelece limites éticos para a realização da pesquisa de segurança alimentar. Cumpridas essas exigências, receberão uma senha que lhes permitirá baixar um banco de dados para incluir as informações dos municípios e extrair um relatório com as informações automaticamente processadas. O site disponibilizará, ainda, orientações de como aplicar o questionário. “Os gestores municipais também contarão com textos de apoio e com um fórum de discussão, por meio do qual poderão esclarecer dúvidas e trocar experiências com nossos pesquisadores”, diz a epidemiologista.
Teleconferências Está prevista, adicionalmente, a realização de teleconferências, durante as quais os agentes municipais também serão orientados e capacitados. Se o município não dispuser de recursos técnicos, uma das alternativas já pensadas é a promoção de uma espécie de consórcio intermunicipal. “Quatro ou cinco cidades poderão se unir para gerar ou buscar condições de participar dessas reuniões à distância”, acrescenta a coordenadora da Rede Alimenta. De acordo com a professora Ana Maria, assim que os dados dos questionários forem transferidos para o programa disponível no portal, este gerará automaticamente os relatórios. Assim, os gestores municipais terão informações preciosas sobre a segurança alimentar local. Estas poderão ser cruzadas com diversas variáveis, tais como educação, renda e raça. “Os relatórios poderão revelar até mesmo como está o nível de segurança alimentar bairro a bairro. Desse modo, as autoridades poderão espacializar esses dados, medida que facilitará, por exemplo, a identificação de grupos de maior risco e a adoção de medidas de combate à fome locais mais específicas e, portanto, mais eficazes”.
A professora da FCM afirma que, embora seja importante, o diagnóstico periódico da situação da segurança alimentar nas pequenas cidades brasileiras só terá sentido se forem mantidos ou ampliados os atuais programas sociais do governo federal, bem como dos estados e municípios. “Do contrário, as informações não servirão para nada”. Atualmente, cerca de 8 milhões de famílias recebem algum tipo de benefício, segundo os números divulgados por Brasília. A professora Ana Maria afirma ser difícil predizer com alguma precisão o que os relatórios gerados pelos pequenos municípios revelarão. De acordo com ela, o problema da insegurança alimentar se manifesta de diversas formas. “Nas áreas metropolitanas, os moradores tendem a ter uma renda maior, mas dispõem de poucas alternativas para enriquecer a sua dieta diária ou têm outras necessidades que competem com a alimentação, como transporte e aluguel. Nas pequenas localidades, ao contrário, a renda normalmente é menor, mas muitas famílias mantêm uma pequena horta no fundo do quintal ou, então, os alimentos são produzidos localmente e, portanto, são mais baratos”.
Questionário O questionário com a escala que permite medir o nível de segurança alimentar é baseado em experiências internacionais e foi adaptado e validado para a realidade brasileira pela Rede Alimenta, constituída por pesquisadores de diversas áreas, vinculados a várias instituições de ensino e pesquisa do Brasil, entre elas a Unicamp, que a coordena. O instrumento foi usado, em 2003, num inquérito populacional realizado em Campinas, junto a um universo de 847 famílias. Na ocasião, os dados preliminares mostraram que a fome não era uma realidade comum apenas aos moradores de cidades consideradas pobres, como as localizadas no semi-árido do Nordeste.
Conforme os números colhidos na oportunidade, e que foram objeto de matéria do Jornal da Unicamp, 26,1% das famílias com ganho médio total abaixo de um salário mínimo haviam experimentado, nos três meses que antecederam a pesquisa, insegurança alimentar severa, o que significa que seus integrantes (adultos e crianças) passaram fome com alguma freqüência no período. A dieta habitual daquelas pessoas, portanto, era insuficiente para lhes garantir uma vida saudável. Além de relacionar a segurança alimentar com o nível de renda familiar, o instrumento também permite investigar os padrões de consumo de alimentos por parte da população.
Na época em que o inquérito foi executado em Campinas, ficou constatado que a qualidade da alimentação da maioria dos habitantes é inadequada. Mesmo entre as pessoas que viviam em condição de segurança alimentar, 26,5% não consumiam frutas diariamente, percentual que saltou para 93% quando considerados os campineiros que se encontravam em situação de insegurança alimentar grave. O levantamento apontou, ainda, que os derivados de leite não faziam parte da dieta das famílias com renda inferior a um salário mínimo. Destas, 89% também não consumiam carne diariamente.