| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 313 - 20 de fevereiro a 5 de março de 2006
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Rede Alimenta disponibiliza a gestores ferramenta que
permite coletar informações em pequenas cidades

Lançado portal para diagnosticar
a real dimensão da fome no Brasil

MANUEL ALVES FILHO

Alunos em horta comunitária de escola pública de Apiaí (SP): portal trará informações sobre segurança alimentar em cidades que não entram nas estatísticas (Foto: Antonio ScarpinettiQue a insegurança alimentar, caracterizada pela dificuldade ou falta de acesso à comida em quantidade e qualidade suficientes para a manutenção da saúde e do bem-estar de uma pessoa, é um dos sérios problemas sociais do Brasil, ninguém discute. O que não se sabe até hoje é a dimensão exata dessa “encrenca”. Dados indiretos disponíveis sobre o tema, como baixa renda, revelam com alguma precisão o que acontece nas capitais e cidades localizadas nas regiões metropolitanas. Mas quais são as condições dos moradores dos pequenos municípios espalhados pelo país? A resposta a esta pergunta deve começar a surgir a partir de agora, graças ao lançamento de um portal pela Rede Alimenta (Rede Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional).

Projeto prevê teleconfêrencias para agentes municipais

O portal, que entrou no ar no último dia 10 de fevereiro, tem por objetivo fornecer instrumentos e capacitar os gestores municipais para a realização do diagnóstico da segurança alimentar em seus territórios. “Nossa expectativa é que as informações geradas pelas pesquisas forneçam uma fotografia mais real sobre a questão da fome no país”, afirma Ana Maria Segall Corrêa, coordenadora da Rede Alimenta e professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

Conhecer a exata dimensão do problema, segundo a epidemiologista, é o primeiro passo para tentar erradicá-lo. Por isso, afirma, os dados que serão gerados com o auxílio do portal podem ser fundamentais para orientar a criação de novas ações de combate à fome ou aperfeiçoar os programas já existentes. “Além de permitir o diagnóstico inicial do nível de segurança alimentar no município, essa ferramenta possibilitará o acompanhamento periódico, em âmbito local, das políticas públicas de alimentação e nutrição”, explica a professora Ana Maria. A proposta da criação do site surgiu em 2004. Desde então, pesquisadores de várias áreas e ligados a diversas instituições vinham trabalhando no seu desenvolvimento. O projeto recebeu o apoio do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da divisão de programas acadêmicos da Microsoft.

A coordenadora da Rede Alimenta conta que os gestores municipais serão orientados preferencialmente à distância. A medida, de acordo com ela, confere agilidade e barateia os custos das ações. O trabalho será feito da seguinte maneira. Primeiro, os representantes dos municípios preencherão um cadastro no qual registrarão informações básicas, como tamanho da população, extensão territorial, existência de programa de combate à fome etc. Também terão que aderir a um termo que estabelece limites éticos para a realização da pesquisa de segurança alimentar. Cumpridas essas exigências, receberão uma senha que lhes permitirá baixar um banco de dados para incluir as informações dos municípios e extrair um relatório com as informações automaticamente processadas. O site disponibilizará, ainda, orientações de como aplicar o questionário. “Os gestores municipais também contarão com textos de apoio e com um fórum de discussão, por meio do qual poderão esclarecer dúvidas e trocar experiências com nossos pesquisadores”, diz a epidemiologista.

Teleconferências – Está prevista, adicionalmente, a realização de teleconferências, durante as quais os agentes municipais também serão orientados e capacitados. Se o município não dispuser de recursos técnicos, uma das alternativas já pensadas é a promoção de uma espécie de consórcio intermunicipal. “Quatro ou cinco cidades poderão se unir para gerar ou buscar condições de participar dessas reuniões à distância”, acrescenta a coordenadora da Rede Alimenta. De acordo com a professora Ana Maria, assim que os dados dos questionários forem transferidos para o programa disponível no portal, este gerará automaticamente os relatórios. Assim, os gestores municipais terão informações preciosas sobre a segurança alimentar local. Estas poderão ser cruzadas com diversas variáveis, tais como educação, renda e raça. “Os relatórios poderão revelar até mesmo como está o nível de segurança alimentar bairro a bairro. Desse modo, as autoridades poderão espacializar esses dados, medida que facilitará, por exemplo, a identificação de grupos de maior risco e a adoção de medidas de combate à fome locais mais específicas e, portanto, mais eficazes”.

A professora Ana Maria Segall Corrêa fala durante lançamento do Portal da Rede Alimenta: orientação aos gestores de políticas públicas (Foto: Neldo Cantanti)A professora da FCM afirma que, embora seja importante, o diagnóstico periódico da situação da segurança alimentar nas pequenas cidades brasileiras só terá sentido se forem mantidos ou ampliados os atuais programas sociais do governo federal, bem como dos estados e municípios. “Do contrário, as informações não servirão para nada”. Atualmente, cerca de 8 milhões de famílias recebem algum tipo de benefício, segundo os números divulgados por Brasília. A professora Ana Maria afirma ser difícil predizer com alguma precisão o que os relatórios gerados pelos pequenos municípios revelarão. De acordo com ela, o problema da insegurança alimentar se manifesta de diversas formas. “Nas áreas metropolitanas, os moradores tendem a ter uma renda maior, mas dispõem de poucas alternativas para enriquecer a sua dieta diária ou têm outras necessidades que competem com a alimentação, como transporte e aluguel. Nas pequenas localidades, ao contrário, a renda normalmente é menor, mas muitas famílias mantêm uma pequena horta no fundo do quintal ou, então, os alimentos são produzidos localmente e, portanto, são mais baratos”.

Questionário – O questionário com a escala que permite medir o nível de segurança alimentar é baseado em experiências internacionais e foi adaptado e validado para a realidade brasileira pela Rede Alimenta, constituída por pesquisadores de diversas áreas, vinculados a várias instituições de ensino e pesquisa do Brasil, entre elas a Unicamp, que a coordena. O instrumento foi usado, em 2003, num inquérito populacional realizado em Campinas, junto a um universo de 847 famílias. Na ocasião, os dados preliminares mostraram que a fome não era uma realidade comum apenas aos moradores de cidades consideradas pobres, como as localizadas no semi-árido do Nordeste.

Conforme os números colhidos na oportunidade, e que foram objeto de matéria do Jornal da Unicamp, 26,1% das famílias com ganho médio total abaixo de um salário mínimo haviam experimentado, nos três meses que antecederam a pesquisa, insegurança alimentar severa, o que significa que seus integrantes (adultos e crianças) passaram fome com alguma freqüência no período. A dieta habitual daquelas pessoas, portanto, era insuficiente para lhes garantir uma vida saudável. Além de relacionar a segurança alimentar com o nível de renda familiar, o instrumento também permite investigar os padrões de consumo de alimentos por parte da população.

Na época em que o inquérito foi executado em Campinas, ficou constatado que a qualidade da alimentação da maioria dos habitantes é inadequada. Mesmo entre as pessoas que viviam em condição de segurança alimentar, 26,5% não consumiam frutas diariamente, percentual que saltou para 93% quando considerados os campineiros que se encontravam em situação de insegurança alimentar grave. O levantamento apontou, ainda, que os derivados de leite não faziam parte da dieta das famílias com renda inferior a um salário mínimo. Destas, 89% também não consumiam carne diariamente.

Como surgiu a Rede Alimenta

Uma avaliação da insegurança alimentar (IA) e fome, no âmbito familiar, tornou-se possível na década de 1990, nos Estados Unidos, com o desenvolvimento de uma escala de medida baseada na pesquisa qualitativa e nos estudos quantitativos. Essa escala de medida permite classificar a IA em categorias de gravidade que podem ir de leve a grave, diagnosticando fome entre crianças e adultos.

No Brasil, entre 2003 e 2004, um trabalho de investigadores de cinco instituições públicas brasileiras e internacionais colocou à disposição de pesquisadores e gestores de políticas públicas a Escala Brasileira de Medida de Insegurança Alimentar (EBIA).

A interação desses pesquisadores, gestores e representantes institucionais resultou na criação de uma rede interdisciplinar de estudo e pesquisa em segurança alimentar e nutricional, a Rede Alimenta, estruturada para prover suporte descentralizado aos gestores das políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal.

A disseminação do uso da EBIA no território nacional, pelo portal da Rede Alimenta, permitirá identificar localidades e grupos de maior risco de IA, bem como acompanhar e avaliar o cumprimento de metas das políticas pertinentes e medir seu impacto populacional.

A Rede Alimenta é coordenada pela professora doutora Ana Maria Segall Corrêa, do Departamento de Medicina Preventiva e Social da FCM, e é composta por pesquisadores da mesma instituição e da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, além de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e do Departamento de Ciências da Nutrição da Universidade de Connecticut (EUA). Outros intercâmbios são mantidos junto a pesquisadores da UFMG, UFPR, Unichapecó e UFMS.

 

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