Anecy de Almeida acompanhou treze pais menores de 20 anos, com companheiras na mesma faixa etária e um único filho até 1 ano de idade, selecionados entre alunos de escolas públicas de Campo Grande (MS). A pesquisa teve orientação da professora Ellen Elizabeth Hardy e apoio de pesquisadores e da infra-estrutura do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva da Campinas (Cemicamp), da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFMS, da Capes e do Fundo de Apoio ao Ensino à Pesquisa e Extensão (Faepex) da Unicamp.
A exemplo do estudo com as meninas, Anecy Almeida partiu da premissa de que os meninos recebem uma educação de gênero que influencia a sexualidade e torna sua prática vulnerável a doenças e à paternidade. “Precisava comprovar esses pressupostos e correlacioná-los. O que me motivou, também, foi a constatação de um significativo aumento do número de pais adolescentes e escassez de estudos sobre eles”, justifica.
Para a pesquisadora, socialização pela qual se adquirem os traços de masculinidade ou de feminilidade, e uma educação sexista, tornam as pessoas suscetíveis a riscos. Nas entrevistas, ela buscou os traços de masculinidade presentes nas histórias de vida dos adolescentes. “Analisei as brincadeiras infantis, como vivenciaram as modificações corporais e de sexualidade, o que aprenderam com amigos e adultos sobre o que seria um ‘homem viril’, e outros valores sociais subjacentes à personalidade”, explica.
O retrato Na opinião da psicóloga, o comportamento introjetado por esses jovens de escolas públicas reflete valores e conceitos arraigados em determinados segmentos da sociedade. De colegas da mesma idade, ouviram que um homem precisa correr riscos, ser ousado, cultivar a impulsividade e consumir drogas as ilícitas o fariam ainda mais másculo. Dos homens adultos, aprenderam sobre a responsabilidade, o trabalho remunerado, a necessidade de ser provedor. Os adolescentes entrevistados eram todos trabalhadores, alguns desde a infância, incluídos na faixa de renda média para baixo.
“Esses garotos são instigados a rejeitar tudo o que faça parte do universo feminino, sem poder brincar com as meninas ou como elas, o que traz implicações no relacionamento com o sexo oposto. Eles não aprendem sequer a cuidar de si mesmos, pois ‘cuidar’ é coisa de mulher”, enfatiza a professora. O corpo então é visto como instrumento de prazer, merecedor de atenção quando se quer melhorar o desempenho sexual ou profissional, mas que não requer cuidados médicos ou preventivos.
Anecy Almeida ressalta também o egocentrismo do adolescente, que não se preocupa com as conseqüências de seus atos. Condicionado desde a infância ao papel de ativo sexual, cabe a ele abordar as meninas, valendo-se de iniciativas inconvenientes ou agressivas. “O menino precisa provar que é homem e sofre verdadeira coerção para que se relacione sexualmente. Um dos entrevistados foi levado ao prostíbulo com 8 anos de idade, por amigos do pai, o que constitui uma violência sexual. O homem adulto se firma sexualmente através da virilidade do filho e, daí, a pressão para que as relações comecem o mais cedo possível”, observa.
Fantasias A primeira relação sexual é um marco na vida, que merece não somente uma auto-avaliação, mas também o endosso da companheira, amigos e homens adultos. “São quatro instâncias de julgamento, sem que se leve em conta as circunstâncias da primeira vez. É muita pressão”, pondera a psicóloga. Outro componente importante é a necessidade de auto-afirmação no círculo de amigos, onde se prega o sexo com muitas mulheres e em nenhum momento a questão dos riscos e da prevenção é colocada. “Nos programas sexuais em grupo, aquele que deixa de transar é imediatamente rechaçado e desqualificado em sua masculinidade”, acrescenta.
A pesquisadora colheu relatos de meninos que, no intuito de agradar as meninas para conseguir o que queriam, expressavam o desejo de ser pai, sugerindo o número de filhos e filhas que teriam e até os nomes de cada um. As meninas, em sua fantasia, viam-se pedidas em casamento. Em nenhum momento a relação é associada à gravidez. São casos em que os meninos se valem da carência afetiva e do temor que a adolescente guarda do abandono, convencendo-a de que ela vai se iniciar sexualmente com um homem que a ama. Para a pesquisadora, esta sinergia e reciprocidade de gênero fazem parte do conjunto de circunstancias que tornam vulnerável um casal de adolescentes.
O que fazer Anecy Almeida apresenta sugestões para ameninar as conseqüências da diferença e que ela própria vem exercitando na região de Campo Grande, valendo-se da repercussão de suas pesquisas. “O princípio masculino e feminino existe dentro de homens e mulheres, mas a socialização de gênero faz com que a masculinidade se disponibilize apenas para os meninos, que são estimulados à iniciativa, tomada de decisões e racionalidade, enquanto das meninas se espera características de nutridora e de natureza compassiva e receptiva. Precisamos unir esses dois aspectos, permitindo que as pessoas expressem sua masculinidade e sua feminilidade dependendo das circunstâncias”, afirma.
A pesquisadora preconiza a adoção de novos paradigmas nas políticas públicas de saúde, educação e trabalho, lembrando que os agentes socializantes são adultos e, como tais, acabam legitimando a relação patriarcal. Além de palestras para as famílias e os próprios adolescentes, ela sugere cursos para educadores da área de saúde familiar. “É o que tenho procurado fazer em minha região. Devo destacar que já vejo alterações de abordagem ocorridas por parte de agentes de saúde, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, que até então fixavam a educação sexual principalmente na anatomia e fisiologia, esquecendo o psicológico e o relacional”.