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CADERNO
TEMÁTICO Racismo Pesquisa revela que Justiça condena negros em maior proporção Um levantamento feito pelo pesquisador Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, revela que a Justiça protagoniza um dos capítulos da história da desigualdade racial no Brasil. Adorno concentrou sua análise nos casos de roubo qualificado registrados em 1990 no município de São Paulo, acompanhando todo o desenrolar de cerca de 2 mil processos e suas respectivas sentenças. As suspeitas do pesquisador de que a Justiça distribuía de modo desigual as sanções penais se confirmaram: nos crimes analisados, 59% dos acusados brancos foram condenados, percentual que saltava para 68% no caso dos réus negros. Esse resultado faz Adorno trabalhar com duas hipóteses: a de que os negros estão sendo punidos em maior proporção ou de que eles recebem sanções de acordo com a lei e de que a Justiça é mais flexível com os réus brancos. "Seja o que for, qualquer uma das hipóteses me leva a concluir que a Justiça não está sendo distribuída de modo igualitário para réus brancos e negros que cometeram o mesmo crime. Isso significa que, possivelmente, a variável étnica interfere no desfecho da decisões judiciais", constata. A assistência judicial foi outro fator a chamar a atenção de Adorno. Em geral, os negros valem-se da assistência gratuita proporcionada pelo Estado; já os brancos, em proporção muito maior, buscam a assistência contratada, mais eficaz em função das condições de trabalho. De um lado, tem-se o agente do Estado às voltas com a burocracia, com um número maior de casos e com prazos a cumprir. No caso da assistência privada, o advogado consulta a jurisprudência, tem um equipe de apoio e explora melhor as nuanças da ação, conseguindo argumentar pró-réu com maior êxito. Nesse quadro, constata Adorno, não há diferença no tamanho da sentença, ou seja, o réu negro não é punido com mais rigor no que diz respeito ao tempo a ficar trancafiado. "A sentença de condenação é que se inclina mais para os réus negros do que para os brancos", analisa Adorno, para quem é prematuro afirmar que o Poder Judiciário é racista, uma vez que o processo penal faz parte de um complexo sistema de operações que começa no registro policial e se arrasta até o veredicto. Nesse intrincado mundo povoado por múltiplos operadores técnicos, o preconceito e o pré-julgamento dão as cartas. Passa a ser visto como natural o fato de a cor ser um dos critérios de seleção. Um dos procedimentos observados por Adorno foi o que ele classifica de "dança das cores", na qual o agressor, no Boletim de Ocorrência, é descrito como pardo ou negro e vai "clareando", conforme o andamento do processo. Ou vice-versa. Nas cadeias, na outra ponta desse sistema, Adorno vivenciou situações que comprovam a situação de desigualdade racial, na qual a relação entre cor e periculosidade, alimentada por agentes dos aparelhos de controle social, fica ainda mais evidente. "Trabalhando com amostras selecionadas, muitas vezes precisava entrevistar um determinado condenado na cadeia e sempre tinha o número, mas não sabia a etnia do preso. Percebi que, quando o réu não era branco, o guarda fazia questão de revistá-lo na minha frente, meio que me sinalizando: olha, esse é perigoso, todo cuidado é pouco... " Na verdade, a pesquisa de 1990 corrobora levantamento qualitativo anterior coordenado pelo próprio Adorno, que analisou cerca de duas mil sentenças condenatórias em casos de homicídios, dadas entre janeiro de 1984 e junho de 1988 por um Tribunal de Júri de São Paulo. As sanções se inclinavam mais para reús negros, migrantes e para aqueles que não revelassem ocupação definida. "Essa relação está introjetada na cultura organizacional da prisão", diagnostica o pesquisador, para quem a raiz da intolerância está na escravidão. Segundo Adorno, inúmeros estudos comprovam que o negro foi incorporado à sociedade brasileira como cidadão de segunda classe e, embora acredite que esse cenário venha sofrendo alterações, há muito a ser feito. "Acho que é uma mudança lenta e dolorosa, cujos resultados vão aparecer somente daqui uma ou duas gerações. As diferenças precisam ser erradicadas", prega. |
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