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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001

Página 12

PALESTRA

A gente vai querer comida

O homem desenvolveu a agricultura há 10 mil anos. Dentro de 50 anos, a escassez de alimentos vai afligir a humanidade

MANUEL ALVES FILHO

Um dos assuntos que mais têm preocupado a população mundial nos últimos anos, o meio ambiente, foi o tema central da terceira sessão de palestras dos Seminários de Atualização, ocorrida no dia 11 de novembro. O evento, promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac) da Unicamp, é dirigido a professores das redes públicas municipal e estadual de ensino.  Aproximadamente 700 desses docentes compareceram ao Centro de Convenções para acompanhar as explanações dos especialistas da Universidade.

O professor do Instituto de Geociências (IG), Archimedes Perez, que falou sobre meio ambiente e ensino, ressaltou a importância de abordar as questões relacionadas à natureza em sala de aula. “Vejo a possibilidade de trabalhar a temática ambiental de maneira transversal, mesmo que não seja de forma interdisciplinar”, disse. Um exemplo disso, ressaltou o docente, foi o Vestibular 2000 da Unicamp, que teve como tema central a água.

Segundo Perez, só é possível entender o meio ambiente a partir da relação do homem com a natureza. Dentro desta perspectiva, ele chamou a atenção da platéia para a problemática do consumo desordenado dos recursos naturais. Desde que o homem desenvolveu a agricultura, há 10 mil anos, as demandas por alimento, para ficar num único exemplo, não pararam de crescer.

Conforme o professor do IG, havia a previsão de que na década de 70 a produção de comida não seria suficiente para atender a população mundial, que alcançou a marca de 4 bilhões de pessoas. Graças ao uso da tecnologia, a profecia não se concretizou. As projeções atuais dão conta de que não deverá faltar alimento até 2050. Mas apesar disso, a questão do abastecimento mundial está longe de ser resolvida. Perez destacou que o crescimento populacional e a má distribuição de riquezas fazem com que a fome seja um flagelo presente no cotidiano de pelo menos 800 milhões de cidadãos, a maioria do 3º Mundo.

Essa situação deve se agravar ainda mais daqui a 50 anos, quando o mundo terá perto de 8,8 bilhões de habitantes. A projeção leva em conta o índice médio de crescimento das populações ricas e pobres, que é da ordem de 0,7% e 2,1% por ano, respectivamente. O especialista da Unicamp advertiu, porém, que o avanço populacional não pode ser medido apenas pelo número de pessoas. O principal dado, segundo Perez, é a proporção do consumo dos recursos naturais.

Hoje, o morador de um país subdesenvolvido responde por uma taxa de consumo 18 vezes menor do que a de quem vive numa nação do 1º Mundo. Isso significa que, embora formem um maior contingente, os habitantes dos países periféricos exercem uma pressão menor sobre a natureza do que aqueles que vivem nas nações centrais. Dois dos grandes desafios da humanidade, lembrou o professor, residem em promover a distribuição dessas riquezas de forma mais justa e em estabelecer ações que assegurem o desenvolvimento sustentável.

Transgênicos -- Os alimentos também permearam outras duas palestras dos Seminários de Atualização. O docente do Instituto de Biologia, Octávio Henrique Pavan, falou sobre organismos transgênicos, assunto que tem gerado muita polêmica ultimamente. Segundo ele, há três aspectos que precisam ser analisados antes da sociedade decidir se deve ou não adotá-los: o técnico, o industrial e o ambiental.

De acordo com Pavan, um dos primeiros passos é tirar a ciência dos laboratórios e levá-la para os vários segmentos da comunidade. Os professores das redes públicas de ensino, disse, têm papel fundamental nesse esforço, pois são elementos multiplicadores do conhecimento. “É preciso que as pessoas entendam que a ciência é perfeitamente questionável. Ela não resolve problemas, mas ajuda na tomada de decisões”, disse.

Para facilitar o entendimento, o especialista distribuiu duas cartilhas dirigidas a estudantes do ensino médio e fundamental ao público. Ambas explicavam, de maneira simples e didática, o que é um organismo geneticamente modificado. Conforme Pavan, o conceito de genética surgiu em 1906. Quatorze anos depois, os cientistas já estimulavam a mutação de plantas por meio da radiação.
Em 1970, os pesquisadores promoveram, pela primeira vez, o cruzamento de duas espécies diferentes e obtiveram o milho híbrido.

Passados oito anos,  o cromossomo de uma planta foi transferido para uma outra. Usando as técnicas de melhoramento genético, os cientistas produziram, em 1999, o arroz dourado, considerado um dos maiores avanços nessa área. Todos esses experimentos tinham um único objetivo: obter plantas mais produtivas e resistentes a pragas e doenças.

Os trabalhos nessa área estão obtendo bons resultados. A soja transgênica, por exemplo, reduz a necessidade da aplicação de herbicidas. O milho e o algodão, por sua vez, resistem melhor aos ataques de insetos. Já o arroz dourado exige menos cuidados e é mais produtivo que o convencional. Para produzi-lo, foram consumidos sete anos e US$ 2,6 milhões em pesquisas. Os recursos foram bancados pela iniciativa privada.

De acordo com o professor do Instituto de Biologia, esses avanços se revestem de maior importância quando confrontados com a realidade mundial. Em 2020, afirmou, a demanda por comida no planeta será 50% superior à atual. Os moradores da Europa, EUA e Japão não passarão fome. O mesmo, porém, não ocorrerá com os habitantes da África.

“Hoje em dia, 3 bilhões de pessoas do mundo têm o arroz como base da alimentação. Desse contingente, 10% não consome outra coisa”, revelou o professor. Neste cenário, concluiu Pavan, o uso dos organismos transgênicos tende a tornar-se indispensável para garantir o abastecimento da população. Mas o pesquisador adverte que, a despeito dessa necessidade, alguns aspectos merecerem uma reflexão mais aprofundada.

Os organismos geneticamente modificados geram, por exemplo, questionamentos de ordem ética e ambiental. Segundo ele, já se cogita colocar o gen de um peixe em determinadas plantas, de modo a impedir que estas se congelem em países cujo clima é muito frio. Além disso, há o risco da chamada poluição genética. Ou seja, uma planta transgênica pode ter o pólen carregado pelo vento e contaminar outras espécies.

“Por esses motivos é que os organismos geneticamente modificados não podem ser analisados somente sob o ponto de vista dos xiitas da indústria ou dos ecoterroristas. É preciso informar corretamente a sociedade sobre os diversos aspectos da questão, para que ela tome a sua decisão”, defendeu Pavan.

Nutrição -- A outra palestra do evento foi ministrada pela diretora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), Cláucia Maria Pastore. Ela falou sobre os aspectos nutricionais dos alimentos. De acordo com ela, uma das maiores preocupações da atualidade tem sido substituir os aditivos químicos por naturais nos produtos industrializados. A professora também chamou a atenção para a necessidade de as pessoas manterem uma dieta diversificada.

Gláucia discordou do segmento que considera o carboidrato um vilão. Consumido moderadamente, segundo a professora, esse tipo de alimento traz benefícios para o organismo. A diretora da FEA também falou sobre os chamados alimentos funcionais, que, além de nutrir, ajudam a prevenir e a combater doenças degenerativas. Como exemplos, a professora citou a banana, a cevada, o mel, o alho e a cebola. Os dois últimos, segundo diversas pesquisas, são efetivos na prevenção de males como artrite, asma, bronquite, reumatismo e até a hipertensão.


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