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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001
Página 13
ENSINO
Falou,
está escrito
Lingüista
pede que professor respeite vivência oral do aluno
PAULO C. NASCIMENTO
O respeito à oralidade da criança
e do adolescente, no ensino formal da língua, foi
defendido pelo professor de semântica e análise do
discurso João Wanderley Geraldi, do Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL) da Unicamp. Ele falou sobre culturas
orais e culturas letradas a professores da rede pública
durante a série de Seminários de Atualização
organizada pela Reitoria. Lembrou que apesar de
fortemente influenciada pela escrita, a cultura
brasileira é fundamentalmente oral, e essa
particularidade não pode ser ignorada pelos professores
nas salas de aula.
Segundo Geraldi que é autor de livros sobre o
ensino de língua portuguesa e atua nesta área em
projetos de formação continuada de professores ,
o aprendizado será mais enriquecedor se a vivência oral
do estudante for respeitada durante os processos de
aquisição da modalidade escrita. Talvez
precisemos aprender que nossos alunos podem fazer com a
escrita coisas diferentes do que nós, como
representantes da sociedade letrada, pensemos que deva
ser feito. É necessário respeitar seus modos de
construção e de utilização enquanto usuários de uma
escrita, argumenta.
A oralidade com características mais puras, isenta da
contaminação da escrita que os pesquisadores
classificam de primária e imediata , perde-se na
história brasileira com a fundação das primeiras
cidades, observa Geraldi. No Brasil, em movimento
contrário ao que ocorreu na Europa, as grandes cidades
não emergiram a partir do interior; elas foram fundadas
em cima de projetos e instruções pré-concebidos
portanto, a partir de uma escrita pré-existente e
é em função delas que o interior se desenvolve. Esse
fenômeno trouxe implícito a imposição de uma
sociedade letrada à cultura do país.
Dessa forma, explica, a cidade letrada se
constituiu desde cedo, entre nós, não como algo que
emerge de um processo histórico, mas que é implantado e
funciona como uma espécie de anel em torno do poder e da
propriedade, formado por muros invisíveis do
letramento.
Embora não seja mais uma sociedade puramente oral, é
possível reconhecer a presença de uma cultura oral na
sociedade brasileira letrada, pondera Geraldi. Basta
observar algumas das nossas experiências pessoais.
Quando vamos a uma repartição pública não ficamos
totalmente satisfeitos se o funcionário apenas nos
entrega um folheto para ler as informações solicitadas;
preferimos que ele diga logo o que desejamos saber. Outro
exemplo: o canal mais costumeiramente utilizado para
manifestação de críticas é a piada; e a piada não se
lê, se ouve de um bom contador de piadas, que deve ter o
desempenho oral necessário para provocar risos com a
anedota.
Veias
capilares
Portanto, a necessidade de respeitar a cultura
intrínseca de cada estudante na qual se inclui
sua vivência oral mostra-se particularmente útil
quando se analisa o trabalho de professores que atuam com
a integração de crianças de rua ao sistema escolar, em
unidades da periferia. Segundo Geraldi, o fato de uma
criança de 13 anos não ser alfabetizada, não implica
que deva ser incluída na mesma classe de estudantes de
sete anos, por exemplo. O que ela deseja, o que ela
pensa, a sua experiência de vida na pré-adolescência,
que sem dúvida é diferente de quem está na infância,
é muito mais importante, ressalta. Nesse
aspecto, o convívio de um estudante de 13 anos com um de
sete é absolutamente inadequado.
Entretanto, o professor pondera que os educadores têm
dificuldades em se aprofundar na história de seus
educandos. Nossa sociedade criou uma clivagem de
tal ordem que, mesmo trabalhando em uma escola de bairro,
dificilmente conseguimos penetrar pelas veias capilares
por onde o bairro realmente se constrói. Tentar
descobrir o que se fala, se narra, se conta nesses
meandros, que cultura de sobrevivência aí se instaura,
é uma grande dificuldade para nós letrados.
Seminários
de Atualização atraem média de
1.500 professores dos ensinos fundamental e médio
Uma média de mais de 1.500 participantes e um total de
31 docentes da Unicamp envolvidos nos Colóquios e
Seminários de Atualização organizados pela
Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários
(Preac) da Unicamp. Este é o saldo de uma das atividades
realizadas em um ano e meio do Projeto Brasil 500 anos,
encerrado no início de dezembro, e que teve como
objetivo difundir os conhecimentos gerados na
Universidade para professores do ensino fundamental e
médio de escolas das redes pública e particular.
O projeto foi coordenado pelas professoras Celene
Margarida Cruz e Lúcia Pereira da Silva, nomeadas pelo
reitor Hermano Tavares para integrar a Comissão
Brasil 500 Anos. Celene afirma que a série contou com
palestrantes do mais alto nível. Pudemos neste ano
e meio oferecer aos professores da rede conhecimentos
antes restritos à própria academia, afirma,
festejando o sucesso comprovado pela grande adesão.
Recebemos professores de Campinas, região e até
de outros estados, destaca a coordenadora.
Professores
elogiam O
público que assistiu aos Seminários de Atualização
ressaltou a importância desse tipo de programa para o
aperfeiçoamento dos professores. Acho essa
iniciativa ótima, pois ajuda a tirar várias de nossas
dúvidas. Não é sempre que temos a oportunidade de
participar de cursos desse nível, afirmou Célia
Regina Ferreira, professora do Estado e do Sesi. De
acordo com ela, o fato de os especialistas abordarem
temas atuais é outro aspecto positivo.
Para Maria Paula Surian, que dá aula numa escola
estadual do Jardim Campos Elíseos, na periferia de
Campinas, as palestras foram muito produtivas. O
seminário que tratou de políticas públicas foi
maravilhoso, disse. Outra professora pública,
Raquel Silva Mascara Ruthes, considerou a experiência
excelente. Mesmo não sendo da nossa área
específica, essas palestras nos ajudam muito. Vários
dos assuntos discutidos aqui certamente podem ser
colocados em prática dentro da sala de aula,
afirmou.
Seqüência
em 2001 O
projeto teve como objetivo principalmente a capacitação
dos professores da rede pública, esclarece Celene.
Ela lembrou que antes a realização desses seminários
dependia de convênios entre a Unicamp e a Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo ou prefeituras
municipais. A preocupação em oferecer este
serviço partiu exclusivamente da Universidade.
Devido ao sucesso este projeto terá continuidade em
2001, não mais sob a rubrica de Brasil 500 Anos, mas sim
de Projetos Especiais. A comissão está sendo nomeada
pelo reitor. Dela farão parte, além de Celene e Lúcia,
os professores Edson Corrêa da Silva, Paulo Miceli e
Octávio Henrique Pavan.
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