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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001
Página 14
CIÊNCIA
Dó
dos bichanos
Próximas vacinas exigirão menos sacrifícios de
animais
RAQUEL DO CARMO SANTOS
Para se testar uma vacina contra
poliomielite, é preciso matar 30 macacos. A produção
anual da vacina anti-rábica canina impõe o sacrifício
de um milhão de camundongos. A insulina é fabricada a
partir do pâncreas do porco e uma grande quantidade de
coelhos e cães também é utilizada em experimentos.
São números que fazem arrepiar qualquer membro de
sociedade protetora dos animais, mas tolerados diante do
objetivo maior de salvar vidas humanas.
As vacinas para as próximas gerações exigirão menos
animais em experiências de laboratório. Esta foi uma
das avaliações apresentadas durante o Cobea 2000,
organizado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação
Animal, realizado no início de dezembro no Centro de
Convenções da Unicamp. Segundo o pesquisador Jean-Louis
Guénet, do Instituto Pasteur de Paris, as novas vacinas
são elaboradas a partir de moléculas sintéticas que
permitem a produção em grande escala de um mesmo tipo
de proteína. Isto significa a possibilidade de
obter milhões de doses de altíssima qualidade com um
sacrifício mínimo de animais. No mercado internacional
já é possível encontrar alguns tipos de vacinas
sintéticas. Ela é mais eficaz e as possibilidades de
erro na manipulação são mínimas, assegura o
cientista.
Para oferecer uma idéia da eficácia deste tipo de
vacina, a parasitologista Ana Maria Guaraldo, diretora do
Centro de Bioterismo (Cemib) da Unicamp e uma das
organizadoras do evento, lembra o episódio ocorrido em
1996, quando dezenas de crianças de Campinas foram
acometidas de febre causada por vacina não sintética
contra a meningite. O efeito colateral deveu-se a um
pirógeno encontrado nos lotes de vacina testada em
animais. Durante os experimentos não foram detectadas
anormalidades, pois não se tratavam de animais livres de
patógenos específicos. Outros lotes, de fabricação
francesa, não provocaram febre porque eram sintéticas.
Vacinas são elaboradas a partir da identificação do
gene da proteína que induz a produção de anticorpos,
garantindo a proteção eficaz.
A utilização de animais na pesquisa, porém, está
longe de ser eliminada definitivamente. O
desenvolvimento da ciência necessita de animais. É
impossível deixar de realizar os testes, mesmo porque
eles são obrigatórios por lei, afirma Guénet. De
acordo com ele, as áreas de farmacologia e imunologia
são as que mais se utilizam de sacrifício de animais
para experimentos científicos e os mais comuns são
camundongos, ratos, coelhos, primatas, cães e porcos,
por possuírem patologia e fisiologia semelhante à do
homem.
Exemplos O teste para a vacina da
poliomielite é responsável pela morte de
aproximadamente 30 macacos porque todo o sistema nervoso
precisa ser observado. No caso da anti-rábica canina, os
camundongos têm três dias de nascimento por causa da
falta da bainha de mielina. Seu cérebro é
usado para compor a vacina.
Ana Maria reconhece que em muitos casos os testes são
cruéis. Afirma que a Inglaterra já proibiu os
experimentos em animais para produção de cosméticos.
Embora seja uma questão polêmica, a justificativa para
os sacrifícios é óbvia. Os experimentos em
animais permitem evitar, prevenir e curar uma série de
doenças que levariam o ser humano à morte, afirma
Jean-Louis Guénet . Ele ainda vai buscar outro
argumento, na Suíça país com população de
classe alta, sensível e grau moral elevado , onde
foi votada a proposta de acabar com a experimentação
animal. Surpreendentemente, a grande maioria apoiou a
manutenção dos testes.
No Cobea 2000 foram apresentados vários métodos
alternativos. Por meio de simulações em computadores,
gráficos, desenvolvimento de softwares e citotoxicidade
em cultura de células, pode-se minimizar o sacrifício
de animais de laboratório. Nas salas de aula da Unicamp
há muito não se utiliza cobaias para ensinar ao aluno
de graduação como se dá o choque anafilático. Esta
aula é exibida em vídeo.
Na
pista do camundongo
Centro de Bioterismo da Unicamp (Cemib) está na
pista de um animal que seja resistente à doença de
Chagas, mal que acomete entre três milhões e oito
milhões de brasileiros e é transmitido pelo inseto
conhecido como barbeiro. Tendo sucesso, os
pesquisadores poderão identificar e clonar o gene,
produzindo a proteína que protege o organismo humano
contra a doença e assim evitar a contaminação pelo
parasita protozoário Trypanosoma cruzi. O Cemib está
trabalhando há três anos na pesquisa, em parceria com o
Instituto Pasteur, havendo uma estimativa otimista de
concluí-la em mais dois anos.
O trabalho não é fácil. É muito demorado e
complexo, diz a parasitolista Ana Maria Guaraldo,
diretora do Cemib. Ela explica que estão sendo feitos
cruzamentos seletivos para se obter um animal congênito,
mais precisamente um camundongo que tenha os genes de
resistência. Isso se consegue depois de
aproximadamente 12 gerações, informa. A
pesquisadora acrescenta que depois de realizar um
cruzamento, espera-se o nascimento dos filhotes para
então verificar se eles são ou não resistentes.
O desafio é que o animal geralmente morre depois
de infectado pelo Trypanosoma cruzi, quando precisa estar
vivo para as pesquisas.
Ao final deste trabalho de formiguinha, o
resultado será um animal que nunca vai se contaminar com
a doença. Isso traria novas esperanças para os
doentes de Chagas. Sem exageros, poderíamos até chegar
a uma terapia gênica da enfermidade. Ana Maria
ressalta que ela e seus colegas não estariam em um grau
tão avançado do estudo sem a persistência do
imunologista Humberto de Araújo Rangel, criador do Cemib
e hoje professor aposentado da Unicamp. Ele na
verdade foi o grande incentivador do projeto.
Outros dois pesquisadores, Júlia Sakurada e Luiz Augusto
Corrêa Passos, trabalham diretamente na pesquisa
genética da resistência do camundongo ao Trypanosoma
cruzi.
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