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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001
Páginas 16/17
ESPORTE
A
metamorfose do futebol
Brasil
mantém o brilho dentro do gramado, mas fora dele
tropeça nas próprias pernas
ROBERTO COSTA
O Brasil é o único tetracampeão
mundial de seleções e, em quatro anos da última
década, teve Ronaldinho (duas vezes), Romário e Rivaldo
eleitos pela Fifa os melhores jogadores do planeta. A
cada temporada continuam surgindo novos craques, vendidos
por grandes fortunas para clubes do exterior. Contudo,
fora das quatro linhas, o futebol brasileiro não mostra
o mesmo brilho em termos de organização. Ingressa no
novo milênio sob investigação de Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs), sendo o alvo
principal justamente a Confederação Brasileira de
Futebol (CBF), entidade que dirige seu destino, por causa
de suspeitas em torno de contrato firmado com uma
multinacional de material esportivo, a Nike. Existem
ainda as sucessivas medidas cautelares nas Justiças
Desportiva e Comum, decorrentes de viradas de
mesa por parte de cartolas responsáveis por um
campeonato nacional que nunca tem data certa para
começar ou terminar.
Marcelo Weishaupt Proni, do Instituto de Economia da
Unicamp, aponta como saída para a crise a consolidação
de um novo modelo organizacional de futebol ainda
incipiente no País, mas já consolidado na Europa
que possibilite a transformação de clubes deficitários
em empresas rentáveis, seguindo parâmetros éticos. A
criação de uma liga nacional liderada pelo Clube dos 13
e já ensaiada algumas vezes, sem ingerência da CBF (que
cuidaria da seleção nacional), é uma tendência quase
natural, segundo Proni. Mas ele alerta que isso traria
problemas sérios para a base da pirâmide, pois centenas
de clubes tenderiam a retroceder ao amadorismo em poucos
anos, por não conseguirem se sustentar no novo modelo
predominante. Cita o exemplo do Estado de São Paulo,
onde existem cinco divisões. Em poucos anos muitos
times estarão falindo nas divisões inferiores,
prevê o economista. Ele acredita que, se não houver
mudanças na legislação, alguns clubes da terceira e a
quase totalidade das quarta e quinta divisões voltarão
ao chamado futebol de várzea. Estando o
futebol paulista ameaçado por tal risco, em outros
estados a incerteza levará incontáveis equipes à
dissolução.
Tese em
livro Marcelo
Proni não pode ser chamado de analista de arquibancada,
apesar da injusta acusação à maioria dos torcedores de
serem movidos pela paixão e de não conhecerem a fundo o
futebol. Pesquisador do Centro de Estudos de Economia
Sindical e do Trabalho (Cesit), seu estudo desenvolvido
junto à Faculdade de Educação Física da Unicamp
resultou na tese de doutorado Esporte-espetáculo e
futebol-empresa, defendida em 1988 e orientada pelo
professor Ademir Gebara. Proni aprofundou alguns pontos
da tese, que lançou no formato de livro, A metamorfose
do futebol, com financiamento da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). No prefácio,
o jornalista Juca Kfouri qualifica o estudo de a
mais completa e competente análise do verdadeiro parto
que tem caracterizado o processo de modernização do
futebol brasileiro.
Iniciativa
privada alavanca o esporte
Natural de Ribeirão Preto (SP) e formado pela Unicamp em
1985, o economista Marcelo Proni, em A metamorfose do
futebol, retorna à Inglaterra do século passado para
relembrar o surgimento de um novo esporte naquele
país. Traça um perfil do futebol daquele período
até os dias de hoje, sempre com ênfase para a
profissionalização e o aspecto econômico, deixando de
lado as táticas e técnicas que poderiam ser melhor
exploradas pelos pesquisadores em educação física.
Proni constata que criou-se nos Estados Unidos, nos anos
70, o primeiro modelo efetivo de marketing esportivo na
modalidade. A National American Soccer League, fundada em
1967, progrediu grandemente na década seguinte, fazendo
aportar em gramados norte-americanos astros do esporte
como Pelé, Beckenbauer e Cruyff, enquanto o New York
Cosmos tornava-se clube padrão em organização e
eficiência econômica. Entretanto, sem raízes no
futebol, os EUA viram o final desta grande fase em 1984,
quando a liga tornou-se deficitária e acabou extinta.
Paralelamente, o brasileiro João Havelange introduziu na
Fifa, ainda nos anos 70, os conceitos de parceria e
patrocínio, aliando-se a Adidas e Coca-Cola, que
permitiram à entidade alcançar países onde o futebol
tinha pouca projeção e ajudaram o dirigente a expandir
seu domínio político, que durou décadas. O advento da
televisão em cores na Copa do Mundo de 70, no México, e
as transmissões via satélite foram outros fatores que
contribuíram para a expansão econômica do futebol
mundo afora.
Na Itália, onde os clubes acumulavam dívidas com a
previdência e foram acusados de lavar dinheiro da
Máfia, o governo adotou mudanças drásticas, em 1981,
tentando reverter a situação e abrindo a possibilidade
de formação das primeiras empresas. Somado a isso,
alguns clubes conseguiram patrocínios fortes, como os
800 mil dólares anuais pagos à Juventus pela Ariston,
fabricante de cozinhas e eletrodomésticos, e os 400 mil
dólares da Pooh Jones, fabricante de roupas jovens, que
se associou ao Milan. O impulso econômico também se
estenderia à Alemanha, onde o Bayern de Munique obteve
apoio de 400 mil dólares da Magyruz Deutz, empresa de
equipamentos pesados. A nova ordem passou a favorecer
clubes e ligas desses países e também da Espanha,
França e Holanda.
Nossos
exemplos
No Brasil a participação da inicia- tiva privada
foi pequena na década de 80, mas tornou-se importante a
partir dos anos 90, principalmente com a associação da
Parmalat ao Palmeiras, o que tirou o time de um jejum de
muitos anos sem títulos. Parceira semelhante levou o
São Paulo a grandes conquistas no início da década,
como o bicampeonato mundial de clubes, embora ainda
fossem menos frutos do espírito
futebol-empresa e mais da organização dos
dirigentes e principalmente do trabalho do abnegado
técnico Telê Santana. Para completar o quadro dos anos
90, não se pode esquecer do Corinthians e sua
associação com o grupo Excell, numa primeira série de
títulos, e a mais recente com o grupo Hicks Muse.
Bate-bola
com Raí
Marcelo Proni (foto),
como todo garoto, sempre gostou de bater sua bolinha. Aos
16 anos de idade persistia como volante e vira-e-mexe
disputava jogos com outras equipes de Ribeirão Preto.
Cruzou algumas vezes com um garoto esguio, um ano mais
novo, do time adversário. Geralmente o time dele
ganhava, reconhecesse Proni, referindo-se a
Raí, ainda desconhecido na época. Eram inimigos
no campo, mas ambos torciam juntos pelo Botafogo da
cidade. Raí saiu de Ribeirão para brilhar no São Paulo
campeão do mundo, na Seleção Brasileira e em Paris.
Marcelo abriu pé dos gramados para dar passadas na
Economia, mas mantém o futebol como uma das frentes de
seu trabalho diário.
Serviço
A Metamorfose do Futebol
Autor: Marcelo Weishaupt Proni
Instituto de Economia/Fapesp
Preços: R$ 20,00 nas livrarias e
R$ 12,00 no IE
Fone:
(19) 3788-5708
Clubes
brasileiros precisam de criatividade
O economista Marcelo Proni, do Cesit, não acredita em um
padrão de futebol-empresa a ser seguido no Brasil,
inspirado em modelos existentes na Europa, mas na
criatividade para encontrar um caminho próprio. Confia
em uma legislação visando adequar situações e
possibilidades do futebol brasileiro, sintetizadas na Lei
Zico, primeiro embrião, e na Lei Pelé, atualmente em
vigor. Há muita controvérsia quanto à aplicação
destas leis: clubes tentam defender seu patrimônio
representado pela revelação de jogadores que podem
render lucros, enquanto o outro lado defende um mercado
de trabalho justo para os atletas.
A principal polêmica está na lei do passe,
cuja aplicação sofre constantes adiamentos. A Lei Pelé
estabelece que, encerrado seu contrato, o jogador está
livre para mudar de clube. Mas é com base na propriedade
do passe que clubes gastam fortunas para comprar grandes
craques e impõem contratos de muitos anos com essas
estrelas. Nada impede, porém, as transferências quando
pagas as multas contratuais.
Um modelo de clube bem sucedido, hoje, é o Manchester
United, da Inglaterra, que em 1992 lançou suas ações
na bolsa. Em 1999, acumulou os títulos de campeão
mundial de clubes, campeão inglês e campeão europeu.
Por causa desta organização é o clube mais rico do
mundo. Seu patrimônio duplicou entre 1988 e 2000, fruto
da renovação de contrato com as emissoras de televisão
e dos contratos publicitários, que valorizaram suas
ações.
Marcelo Proni acredita que no Brasil é preciso encontrar
fontes perenes de receitas para os clubes. Os direitos de
transmissão vêm crescendo, mas continuam longe dos
padrões europeus. Aqui, recebe-se entre um terço
e um quinto do que se paga por um campeonato na
Europa, compara.
A venda de jogos de futebol pelo sistema pay-per-view é
um sistema que também cresce nos países do
primeiro mundo, rendendo novas receitas, mas que ainda
engatinha no Brasil. A busca de outras fontes
alternativas é outra saída para os clubes, segundo o
economista. Ele cita os exemplos de Corinthians e
Flamengo, que incluíram nas negociações com seus
gestores a construção de estádios de futebol a longo
prazo, o que seria inviável sem recursos de patrocínio.
Na linha futebol-empresa já há uma S.A. no
País, caso do Bahia. Recentemente, falou-se muito no
Malutron do Paraná, equipe de propriedade de alguns
sócios e que acabou disputando com outros quinze times a
fase decisiva da Copa João Havelange. Marcelo Proni
lembra que o Malutron é um dos clubes já adaptados ao
novo modelo vigente. Da mesma forma, o São Caetano
chegou à final do Campeonato Brasileiro graças a
investimentos maciços nos últimos anos e a uma
política de manutenção da filosofia de trabalho.
Infelizmente, poucos clubes daqui obterão grandes
fortunas para contratações, como acontece hoje com
Barcelona e Real Madrid, na Espanha, e boa parte das
equipes da Itália, França e Inglaterra. Mesmo com a
organização de clubes-empresas, o Brasil continuará
penando para segurar seus craques. O êxodo de jogadores,
prevê o economista Marcelo Proni, vai perdurar por
alguns anos.
Os times mais
rentáveis (2000)
Posição
da equipe
1. Manchester United
2. Bayern Munique
3. Real Madrid
4. Chelsea
5. Juventus
6. Barcelona
7. Milan
8. Lazio
9. Internazionale
10.
Arsenal |
País
Inglaterra
Alemanha
Espanha
Inglaterra
Itália
Espanha
Itália
Itália
Itália
Inglaterra
|
Faturamento/Ano
US$
156,9 milhões
US$ 118,2 milhões
US$ 107,7 milhões
US$ 83,6 milhões
US$ 82,8 milhões
US$ 78,8 milhões
US$ 76,6 milhões
US$ 70,8 milhões
US$ 69,5 milhões
US$ 68,8 milhões
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Fonte: Delloitte Touche
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