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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001
Página 2
PALESTRA
Prazer
sem culpa
Lazer
é lavar louça, podar árvore, pintar
a fachada de casa ou simplesmente curtir o ócio
PAULO CÉSAR NASCIMENTO
Responda qual destas alternativas
não é uma atividade de lazer: a) gastar doze horas de
viagem em um sacolejante ônibus só para torcer pelo seu
time, mesmo que o jogo seja apenas um amistoso; b) passar
o dia todo deitado em uma rede à sombra de um coqueiro
na praia; c) lavar aquele amontoado repugnante em que se
transformou a louça do jantar; d) aproveitar o final de
semana prolongado para repintar a fachada da casa,
consertar a torneira da pia da cozinha que pinga sem
parar, podar os galhos da árvore no jardim, substituir o
vidro da janela que o filho do vizinho outro dia quebrou
sem querer com a bola etc, etc, etc...Errou quem optou
por qualquer uma delas. Todas podem ser consideradas
lazer ainda que ensaboar e enxaguar pratos e
talheres pareça estar a anos-luz de distância daquilo
que alguém em sã consciência escolheria para
entretenimento.
Quem afirma é um profissional que há 25 anos dedica-se
a estudar o tema no Brasil. Para o professor Nelson
Carvalho Marcellino, do Departamento de Estudos do Lazer,
da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp,
qualquer atividade pode ser considerada lazer; dependendo
de quem a executa e das circunstâncias que cercam sua
realização, como a livre adesão e a capacidade de a
atividade escolhida proporcionar descanso, prazer,
divertimento e desenvolvimento a quem a pratica.
Portanto, até a obrigação doméstica de lavar pratos
pode, sim, ser uma atividade de lazer se, por exemplo,
ocorrer como parte de uma gincana em um acampamento de
férias. O que para o jardineiro e para o pintor são
tarefas profissionais transforma-se em hobby para quem
gosta de jardinagem ou decide pintar a casa só para
relaxar. E qual é o torcedor que não faz sacrifícios
pela felicidade de ver seu time jogar?
Ócio Enfim, o conceito de lazer
é mais amplo do que o restrito entendimento de jogos e
brincadeiras, ou do que a programação que aqueles
animados grupos de moças e rapazes nos hotéis, os
monitores, adoram organizar para os hóspedes.
Lazer pode até ser a não-atividade, o
ócio, argumenta Marcellino.
Por esse prisma, ninguém deve mais sentir-se culpado por
se entregar a letárgicos momentos de repouso em uma rede
enquanto o resto da turma parece participar de uma
olimpíada na praia. O importante é o prazer que a
atividade escolhida proporciona, ensina o professor da
Unicamp.
Ele observa, porém, que ao invés de buscar o prazer nas
atividades cotidianas, as pessoas cometem o equívoco de
adiá-lo para momentos em que julgam serão capazes de
usufruí-lo. É aquela conversa que todo mundo algum dia
já ouviu de alguém, se é que não pensou da mesma
forma: aguardar pela aposentadoria para finalmente poder
curtir a vida... Ou seja, vivemos a vida inteira
sem nos darmos o direito ao prazer.
Sociólogo, mestre em filosofia da educação e doutor em
educação física, com artigos e livros publicados,
Marcellino explica que há também barreiras limitantes
ao lazer. Segundo ele, as mulheres são desprivilegiadas
em relação ao homem nesse campo, pela própria
educação que recebem e pelas obrigações sociais e
familiares decorrentes do casamento. E, às vezes, a
viuvez é a grande libertação da mulher para o lazer. A
forma consumista com que o lazer é tratado também
impõe restrições a crianças e aos idosos: as
primeiras porque ainda não entraram no mercado de
trabalho; os segundos porque já saíram.
Obrigatoriedade Para o estudioso, a educação tem
uma parcela muito grande de responsabilidade na
manutenção desse quadro porque, de acordo com ele, não
prepara convenientemente para a vida. E não preparando
para a vida, não prepara para o lazer. Marcellino
aproveitou mais um Colóquio de Atualização organizado
pela Reitoria para dar esse recado a um público formado
por quase 700 professores da rede de ensino.
Na opinião dele as disciplinas, desde os primeiros anos
escolares, deveriam se preocupar em criar uma mentalidade
para o lazer, a partir da exploração de conteúdos que
não fossem apenas os físico-esportivos, como
tradicionalmente ocorre, mas também os artísticos,
sociais, intelectuais e manuais.
Isso permite aos alunos entender que, para obterem
lazer, não precisam exclusivamente jogar futebol. Podem
se divertir do mesmo modo assistindo a essa modalidade na
televisão ou ainda recebendo informações sobre o
esporte por meio da leitura de jornais,
exemplifica. O que geralmente ocorre é que os
professores privilegiam a prática e deixam de formar
espectadores críticos e criativos.
Há que se tomar, contudo, o cuidado de evitar a
obrigatoriedade quando se educa para o lazer, adverte
Marcellino. Se, após ler Machado de Assis, uma
criança das séries iniciais é obrigada a fazer um
fichamento da obra, ela estará sendo praticamente
condenada a não querer mais ler o autor em seu momento
de lazer, sentencia.
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