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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001
Página 3
SERVIÇO
Na
caixinha de leite, o refresco da população
Embalagem
longa vida funciona como
isolante térmico em moradias de baixa renda
MARIA DO CARMO PAGANI
A embalagem
longa vida, utilizada para garantir a
durabilidade e a qualidade dos produtos nela
acondicionados e que depois vira lixo de difícil
decomposição e abarrota os aterros sanitários
pode ser aproveitada para outra finalidade: como material
de construção. Aplicadas para isolamento térmico de
telhados, em especial telhas de cimento-amianto, essas
embalagens são capazes de refletir até 95% da
irradiação infra-vermelha do sol e, com isso, reduzir
em perto de 9o C a temperatura no interior do ambiente.
Esta propriedade vem sendo constatada nas experiências
do engenheiro civil industrial Luis Otto Faber
Schmutzler, pesquisador-colaborador do Laboratório de
Engenharia Biomecânica (Labiomec), da Faculdade de
Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.
As embalagens longa vida usadas como isolante térmico
podem minimizar o problema de superaquecimento de
moradias, particularmente as da população de baixa
renda. Coberturas de cimento-amianto são comuns também
em escolas, submetendo crianças e professores a um calor
insuportável, a alterações de humor e a problemas no
rendimento escolar e de saúde. O aproveitamento do
material também assegura, nas noites de inverno, o fim
do gotejamento nas telhas, causado pela condensação da
umidade relativa do ar (respiração e vapor desprendido
das panelas no fogão).
Curiosidade A mera curiosidade de
Schmutzler em abrir uma embalagem de leite resultou no
Projeto Forro Vida Longa, que passa a
integrar as atividades de pesquisa da FEM, com o objetivo
não apenas de aprimorar as técnicas de utilização
alternativa do material como a divulgação dos
benefícios deste reaproveitamento ao meio ambiente. Para
cumprir esta meta será construído na Unicamp um
protótipo de residência onde diversos testes serão
realizados.
A proposta, esclarece o pesquisador, é levar algum
conforto a baixíssimo custo para a população menos
favorecida economicamente, obrigada a conviver com o
superaquecimento de suas casas, principalmente naquelas
cobertas com telhas de espessura reduzida, onde a
temperatura interior, no alto verão, pode chegar a 45o C
(sobre a cobertura, ela fica próxima dos 70o C).
Não podemos esquecer que mulheres e crianças
e pessoas que por trabalharem à noite têm de
dormir durante o dia enfrentam esse desconforto a
maior parte do tempo, ressalta.
Schmutzler percebeu o uso alternativo das embalagens
longa vida há cerca de três meses, logo que abriu a
caixa de leite. Achou interessante o visual interior
delas e começou a guardá-las pensando, inicialmente,
que poderiam ser úteis na confecção de peças de
artesanato. Notei a existência de uma camada de
alumínio, material semelhante ao de um revestimento
próprio para isolamento térmico de telhados, importado
e de custo elevado, explica. Resolveu então
avaliar esta propriedade nas embalagens, colocando-as por
horas embaixo de telhas de cimento-amianto, sob sol
forte, observando a eficiência das caixinhas para
refletir os raios infra-vermelhos.
Risco de
incêndio
Experiências complementares foram feitas em casas na
praia de Itamambuca, em Ubatuba (SP). Ali já existem
pessoas envolvidas na execução do projeto, que trataram
de eliminar dúvidas sobre a capacidade isolante das
embalagens. Os testes demonstraram, também, que mesmo
sendo compostas por várias camadas de polietileno e
papelão, elas não são auto-combustíveis e, portanto,
não aumentam o risco de incêndio. Em um
curto-circuito provocado, a corrente-elétrica foi
cortada pela própria embalagem, comprovando que não é
iniciadora de fogo e que, como outros materiais usados na
construção civil, só queima se a chama for mantida
sobre ela.
Motivado pelo resultado de suas pesquisas, Schmutzler
desenvolveu técnicas para a limpeza em larga escala dos
resíduos de leite nas embalagens, o corte adequado e a
colagem para produção das mantas, que devem ser
colocadas sob as telhas e ainda em paredes mais expostas
ao sol. São procedimentos simples, mas que garantem a
perfeita higienização das embalagens tanto para o
manuseio quanto para a aplicação.
Um próximo passo, comenta o pesquisador, é divulgar a
característica desse material junto às prefeituras.
Esta iniciativa pode incentivar a criação de coleta
seletiva para o aproveitamento na construção de
moradias populares, escolas, postos de saúde e outros
prédios públicos cuja cobertura, em função do custo,
é na maioria das vezes feita com telhas de
cimento-amianto. Para isso, o pesquisador planeja criar
um site no qual o interessado poderá obter todas as
informações necessárias para a correta confecção e
aplicação das mantas em paredes ou telhados.
Importante
benefício ambiental
Além da finalidade social, o aproveitamento
das embalagens longa vida para isolamento
térmico em moradias traz importante benefício
ambiental. Compostas por seis camadas de materiais
quatro de polietileno, uma de alumínio e uma de papelão
as caixinhas vazias acabam se constituindo em
sério problema ecológico. Dados da Companhia de
Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo (Cetesb)
revelam que elas levam cerca de cem anos para se
decompor.
O crescente uso dessas embalagens faz com que elas passem
a ocupar espaço considerável nos aterros
sanitários. A previsão da multinacional sue-ca
Tetra Pak, único fabricante mundial das embalagens longa
vida, era de produzir seis bilhões de unidades no Brasil
somente em 2000, conta o pesquisador Luis Otto
Schmutzler.
A difusão de sua utilidade como material de
construção, acredita, contribuirá para aliviar o
acúmulo de lixo urbano. É nosso objetivo que as
caixinhas sequer cheguem ao lixo, diz. Schmutzler
defende a criação de sistemas específicos de coleta
pelas prefeituras ou por organizações ligadas às
comunidades carentes, e o incentivo para que o trabalho
de limpeza e colagem das embalagens seja feito em centros
comunitários. Isso pode garantir, ainda, ganho
econômico para catadores ou desempregados que se
dedicarem à tarefa.
Atualmente, segundo o pesquisador, a Tetra Pak reprocessa
15% das embalagens, destruindo-as e vendendo os resíduos
para fábricas de plástico e de papelão. Essas seis
bilhões de unidades poderiam, se reaproveitadas,
garantir 400 mil metros quadrados de isolante térmico, o
suficiente para 40 mil pequenas moradias. Para cada metro
quadrado de manta são necessárias 16 caixinhas de
leite.
O país não pode se dar ao luxo de descartar esta
preciosidade, em prejuízo não só do bem-estar da
população como do meio ambiente, ressalta
Schmutzler.
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