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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001
Página 7
VIOLÊNCIA
Traídas,
maltratadas,
espancadas
SOS
Ação Mulher e Família completa 20 anos de
atendimento às vítimas da violência
ADRIANA MIRANDA
A dona de
casa Vitória, de 42 anos, ainda se lembra como chegou
há dois anos no SOS Ação Mulher e Família de
Campinas. Era traída, maltratada pelo marido e dependia
de calmantes para combater a depressão provocada pela
violência sofrida dentro do próprio lar. Com Joana, de
50 anos, o problema não foi a violência física, mas a
culpa por acreditar que não criou os filhos como devia.
Depois que a filha caçula de 18 anos
engravidou do namorado, Joana começou a se culpar e
acabou desprezada pelo marido. Ele nunca me bateu,
mas não falava comigo. Agia como se eu fosse a
responsável por tudo, conta.
Apesar do sofrimento, Vitória e Joana (nomes fictícios)
não se sentiam seguras para enfrentar a crise e lutar
contra a violência física e verbal. Como milhares de
outras mulheres acreditavam que um dia tudo iria mudar,
que o tormento passaria. Quando não me convencia
disso, achava que estava condenada a sofrer,
confidencia Vitória. Hoje ela percebe ser impossível
ver o marido mudado e carrega no coração o desejo de
começar vida nova. Tenho esperança. Quero deixar
o meu marido e realizar meus sonhos, diz.
Joana não tem pretensão de se separar, mas julga
necessário estabelecer outro tipo de relação com o
parceiro, onde as culpas sejam divididas. Para isso se
apega ao SOS Ação Mulher e à igreja. Sou
muito religiosa e o fato de a minha filha ter engravidado
solteira me deixou triste, confessa.
Mudar como pessoa não é tarefa fácil. Vitória admite
que, embora mais confiante, ainda teme abandonar
definitivamente o marido. Penso nos filhos e
no fato de que não sou mais jovem para arrumar um
emprego, me sustentar e enfrentar o mundo sozinha .
São dúvidas que também perseguem Joana.
No SOS, elas aprendem aos poucos a expor e curar suas
feridas. Aprendem a se gostar. Joana participa de
oficinas de trabalhos manuais e Vitória aprendeu o
ofício de manicure, além de receber orientação de
advogados sobre como proceder caso realmente peça a
separação.
Vitória resume o maior ensinamento que recebeu nos
últimos dois anos em uma frase: Não é normal
apanhar e ser violentada. A violência contra
mulheres também esteve na pauta de discussões do
seminário Gênero & Cidadania Tolerância e
Distribuição da Justiça, ocorrido no início de
dezembro na Unicamp (páginas 9 10).
História
que se repete
Histórias como as de Vitória e Joana são repetidas
todos os dias por donas de casa que sofrem violência
doméstica ou sexual por parte dos companheiros,
ouvidas com atenção pelos profissionais que atuam no
SOS Ação Mulher e Família. A organização sem fins
lucrativos, que em 1987 firmou convênio de
cooperação com a Unicamp, completou em dezembro 20 anos
de existência.
Maria José de Mattos Taube, feminista e diretora da
entidade desde a fundação, afirma que nessas duas
décadas houve erros e acertos, mas que a principal
conquista foi a consolidação de um espaço onde as
mulheres apresentam suas queixas, recebem apoio e lutam
para serem respeitadas. O SOS Ação Mulher e Família
nasceu do SOS Mulher. O nome atual foi incorporado em
1992, como forma de ampliar a discussão sobre a
questão, não apenas assistindo as vítimas, mas
procurando inserir a violência doméstica e sexual como
um problema social e de saúde pública, envolvendo
mulher, família, entidades sociais e comunidade.
Maria José explica que outro objetivo é relacionar a
violência familiar com a defesa da cidadania e dos
diretos humanos, sob a ótica das relações sociais de
gênero e dos papéis sexuais desiguais e
discriminatórios na sociedade. O SOS, por meio do
atendimento à mulher e à família, busca relações
mais justas e complementares que tornem menos repetitivas
histórias tristes como as de Vitória e Joana. Por isso,
desenvolve programas preventivos e ações
biopsicosociais e jurídicas.
Momento de
reflexão - Para
comemorar seus 20 anos, o SOS Ação Mulher e Família
promoveu no dia 27 de novembro, na sede da Federação
das Entidades Assistências de Campinas (Feac), o
seminário Quebrando silêncios... construindo
mudanças. Feministas e outros especialistas
fizeram uma reflexão sobre lutas, conquistas e derrotas
obtidas pelas mulheres, além de discutir caminhos por
onde é possível e necessário avançar, já que as
estatísticas mostram que a violência contra a mulher
continua alta. A cada quatro minutos uma delas é
espancada pelo parceiro.
A ex-senadora Eva Blay, professora da USP e presidente do
1º Conselho de Condição Feminina (1983 a 1985),
lembrou que, se a agressão for denunciada, o
problema tem solução. Ela relatou a trajetória
de luta das mulheres, iniciada na década de 60. A
transformação ocorreu a fórceps. A gente foi abrindo
portas. Falar sobre os direitos das mulheres
durante a ditadura militar era considerado
subversivo, recorda. A professora considera que o
Brasil ainda necessita da instituição SOS
Mulher para tentar coibir esta violência.
Maria Teresa Augusti, secretária executiva do Instituto
Florestan Fernandes e coordenadora do Instituto de
Promoção da Eqüidade de Gênero, avalia que as
mulheres têm muito o que conquistar na área de
políticas públicas. Continuamos brigando pelo
emergencial. Falta discutir o estrutural,
alerta. Maria Teresa acusa a falta de
infra-estrutura e de pessoal em organizações
não-governamentais e órgãos oficiais de defesa das
mulheres, o que demonstra a falta de atenção dos
governantes para o problema. Ela questionou o nível de
poder das mulheres na organização das políticas
publicas, para concluir: As relações
hierárquicas seguem o mesmo modelo de décadas
passadas.
Também participaram do seminário como conferencistas a
ex-procuradora geral do Estado de São Paulo e presidente
da Oficina dos Direitos da Mulher, Norma Kyriakos, e a
professora da Unicamp Celene Margarida Cruz, que
representou no evento o Pró-Reitor de Extensão e
Assuntos Comunitários (Preac), José Roberto Teixeira
Mendes. Celene que é assessora da Preac, destacou
que o SOS iniciou suas atividades no Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Lembrou ainda que a
Unicamp, atuando ao lado da ONG, cumpre sua função
social e coloca-se a serviço do resgate da cidadania, em
busca de uma sociedade mais justa.
Conquistas
e lutas
1975 - Declarado pela ONU como Ano Internacional da
Mulher, quando foi realizada a primeira Conferência
Internacional sobre a Mulher e Desenvolvimento, na Cidade
do México. A segunda conferência aconteceria em 1980,
em Copenhague (Dinamarca), e a terceira em 1985, em
Nairobi (Quênia).
1980 - Criado o SOS Mulher em São Paulo e Campinas.
1984 - Manifestações pela condenação de Lindomar
Castilho, cantor que assassinou a ex-mulher Eliane de
Grammont.
1985 - Criada em São Paulo a primeira Delegacia de
Defesa da Mulher do Brasil.
1986 - Criado no Estado de São Paulo o primeiro abrigo
do País para mulheres vítimas de violência.
1987 SOS Ação Mulher e Família de Campinas
assina convênio de cooperação com a Unicamp
1992 - Instalada na Câmara dos Deputados, em Brasília,
a CPI da Violência contra a Mulher, que funcionou de
maio a outubro daquele ano.
1993 - O movimento internacional de mulheres consegue
colocar em destaque na Conferência Mundial de Direitos
Humanos, realizada pela ONU em Viena, Áustria, a
questão da violência na vida pública e privada.
1994 - Aprovada pela Assembléia Geral da Organização
dos Estados Americanos (OEA) a Convenção Interamericana
para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher (Convenção de Belém do Pará).
1995 - Acontece a IV Conferência da Mulher, em Beijing,
China, quando o Brasil é considerado o país onde mais
se pratica violência contra a mulher, de acordo com
relatório da Americas Watch.
Diz a
Lei
Espancamento Crime de lesão corporal,
segundo o Artigo 129 do Código Penal Brasileiro. A
pena depende da gravidade da ocorrência.
Lesão corporal de natureza leve Ofender a
integridade corporal e a saúde de outrem. Pena de até
um ano de reclusão.
Lesão corporal de natureza grave Causar
incapacidade para ocupações usuais por mais de 30 dias;
colocar em perigo de vida; debilitar permanentemente
membro, sentido ou função; acelerar o parto. Pena de um
a cinco anos de reclusão.
Lesão corporal de natureza gravíssima Causar
deformidade permanente, aborto, incapacidade permanente
para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou
inutilização de membro, sentido ou função. Pena de
dois a oito anos de reclusão.
A sede do SOS Mulher e Família fica na Rua Dr. Quirino,
1.856, Centro de Campinas.
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