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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001

Página 8

VIOLÊNCIA

Um homossexual é morto a cada 48 horas no Brasil

A violência contra uma minoria que representa 10% da população
ADRIANA MIRANDA


A cada dois dias um homossexual é assassinado no Brasil. Só no ano passado foram registrados 160 casos graves de violação dos diretos humanos e a morte de 130 gays, lésbicas, travestis e transexuais, todos vítimas da homofobia. São números que dão ao País o título de campeão mundial de assassinatos contra homossexuais, segundo Luiz Mott,  professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB).

O levantamento foi feito pelo GGB, entidade sem fins lucrativos que em fevereiro deste ano completou 20 anos, e as informações integram o dossiê Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no Brasil. Os homossexuais, de acordo com Mott, representam aproximadamente 10% da população brasileira – mais de 15 milhões de pessoas.

Luiz Mott, que foi professor do Departamento de Antropologia da Unicamp, esteve na Universidade nos dias 5 e 6 de dezembro, como ouvinte e palestrante do seminário “Gênero & Cidadania – Tolerância e Distribuição da Justiça”, organizado pelo Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu). Por que os homossexuais são os mais discriminados dentre todas as minorias sociais do Brasil? foi o tema abordado por Mott.

Jornal da Unicamp - Por que os homossexuais são os mais discriminados entre as minorias?
Luiz Mott – A homossexualidade era considerada um dos crimes mais graves, mais hediondos, equiparado a matar o rei, até 1823, quando no Código Penal Brasileiro deixou de constar a sodomia. A homossexualidade também era tida como causa de castigos divinos: a Igreja difundia a idéia de que Deus punia a humanidade com inundações, secas, etc. A própria Aids seria um castigo divino por causa da homossexualidade. Segundo Freud, todos nós temos um componente bissexual na nossa personalidade: 37% dos homens do ocidente já tiveram ao menos dois orgasmos com pessoas do mesmo sexo na idade adulta. A homossexualidade é forte no imaginário e na cultura do ocidente. Ao mesmo tempo é vista como crime grave. Isso gera uma homofobia internalizada, cria o  ódio contra os homossexuais que tiveram a coragem de sair da gaveta, enquanto aqueles que estão internalizados ficam com ódio porque estão presos nesta gaveta. É um conflito que provoca espinhas, prisão de ventre  e outras neuroses.

P – Onde começa a discriminação contra o homossexual?
R - Dentro de casa, o que é um dos problemas fundamentais. Quando o pai descobre que o filho é gay ou lésbica, insulta, espanca, expulsa de casa. Por outro lado, as outras crianças e adolescentes, negros, judeus e deficientes físicos recebem dos pais todo o apoio para reforçar a auto-estima e a identidade racial ou religiosa.

P – Quais são os tipos de violência praticados com maior freqüência contra os homossexuais?
R – A violência começa pela própria omissão da mídia, que não noticia eventos importantes sobre a homossexualidade. A violência também é verbal, na rua, nas escolas e nos meios de comunicação, que ainda se referem aos homossexuais com termos pejorativos ou caricatos. Há discriminação em locais públicos. Travestis são proibidos de entrar em shopping center. Eles não podem servir o exército e, se  descobertos, acabam expulsos. A igreja não permite a entrada de homossexuais. Fisicamente, os homossexuais são espancados pela polícia, porque na visão da polícia e da Justiça o gay é sempre um suspeito, mesmo que seja a vítima de algum ato ilícito. Mas a violência mais grave são os assassinatos e nisso o Brasil é o campeão mundial: a cada dois dias um gay, uma lésbica ou um travesti são mortos, vítimas da homofobia.

P – O senhor sabe informar quantos homossexuais foram assassinados este ano?
R – O Grupo Gay da Bahia, desde sua criação, vem coletando notícias sobre assassinatos de homossexuais. Infelizmente, não existe no Brasil uma estatística sobre o chamado “crime de ódio”, como acontece nos Estados Unidos e na Austrália. Temos de nos valer do noticiário na imprensa ou até de informações orais para este levantamento. Nos últimos vinte anos documentamos 1.830 assassinatos de homossexuais. Este número talvez represente só a metade dos casos, pois não cobre todos os estados e não temos acesso a todos os jornais. Muitos homossexuais também têm sua opção sexual omitida na imprensa, por orientação da família ou por desconhecimento da polícia. Na década de 80 a média era de um assassinato a cada semana; na década de 90, um a cada três dias; e, em 1999, um a cada dois dias. No ano passado, 199 homossexuais foram assassinatos, sobretudo gays, seguidos de travestis e por menor número as lésbicas.  Em 2000, até o novembro, foram 98 assassinatos.

P
– Qual estado ou região onde se registra mais violência?
R – Em todos os estados e regiões existem crimes homofóbicos. São Paulo apresenta mais ocorrências por causa da própria densidade populacional, vindo depois o Rio de Janeiro. Um detalhe é que em terceiro lugar está Pernambuco, que não é o terceiro estado mais populoso, mas onde ocorreu o maior número de assassinatos nos últimos três anos. Isso mostra que ali existe uma forte discriminação contra os homossexuais.

P – Quais medidas são necessárias para acabar com esta violência?
R – Primeiramente, severidade por parte da polícia e da Justiça em averiguar, julgar e punir exemplarmente esses crimes. Em segundo lugar, a educação sexual obrigatória em todos os níveis escolares, ensinando os jovens a respeitar a livre orientação sexual dos indivíduos e a ver os homossexuais como cidadãos. A terceira medida é conscientizar a própria comunidade homossexual para que denuncie todas as violações dos seus direitos e grite. O grito é a arma dos oprimidos. Essas propostas foram apresentadas ao Ministério da Justiça.

Dez verdades pregadas pelo GGB
1 – A homossexualidade não é crime. Nenhuma lei no Brasil condena a prática da homossexualidade. Crime é discriminar os gays, lésbicas e travestis.
2 – Ser homossexual não é doença. Todas as ciências garantem: é normal ser homossexual. Querer “curar” o homossexual é ignorância.
 3 – A homossexualidade não é pecado. Os gays e lésbicas também se amam e foram criados por Deus. Jesus nunca condenou os homossexuais.
4- A homossexualidade sempre existiu. O amor homossexual é tão antigo quanto a própria humanidade e nunca vai acabar.
5– Todos os povos praticam homoerotismo. Em muitas tribos indígenas e africanas os sacerdotes e as próprias divindades são homossexuais.
6– A homossexualidade é natural. Inúmeras espécies animais praticam homossexualismo. Os gays não ameaçam a extinção da espécie humana.
7– A causa da homossexualidade é um mistério. Não distingue físico e a mente do gay dos demais cidadãos. Todos somos seres humanos.
8– A Constituição Federal proíbe qualquer forma de discriminação. O preconceito contra gays, lésbicas e travestis é um tipo de racismo.
9– A Aids não é doença de gay. A Aids se transmite através do sangue, esperma e secreção vaginal. Só pratique sexo sem risco: use camisinha!
10– Homens e mulheres célebres que praticaram o homoerotismo ou foram travestis: Rei Davi e Jônatas, Platão, Leonardo da Vinci, Joana Darc, Shakespeare, Miguel Ângelo, Mário de Andrade, Santos Dumont, Safo, Imperatriz Leopoldina, Maria Quitéria, Martina Navratilova, Marina Lima, Mazaropi, Carmem Miranda, Elton John, Angela Rorô e Cazuza.

Grupo Gay da Bahia (GGB)
Caixa Postal 2552 – 40022-260
Salvador, Bahia
Fones: (0xx71) 322-3782, 322-2552


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