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Jornal da Unicamp -- Janeiro de 2001

Página 9

VIOLÊNCIA

Pacto
contra
a barbárie

Ex-subsecretário de Segurança do Rio, que mora nos EUA por causa de ameaças, lança livro na Unicamp

ADRIANA MIRANDA


Um pacto em nome da unidade e contra a barbárie. É o que prega o ex-subsecretário de Segurança Pública e ex-coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares, para acabar com a verdadeira “guerra urbana” em um dos estados mais violentos do Brasil. Morando há dez meses nos Estados Unidos –  o que define como um “exílio voluntário”, embora se saiba das ameaças de morte que vinha sofrendo –, o  antropólogo e cientista político esteve na Unicamp nos dias 5 e 6 de dezembro,  participando do seminário Gênero & Cidadania – Tolerância e Distribuição da Justiça, promovido pelo Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu).

Ele aproveitou a ocasião para lançar seu nono livro, talvez o mais importante de todos, no qual faz um relato de seu dia-a-dia nos bastidores do governo e da segurança pública. Momentos de alegria, tristeza e traições. Em Meu Casaco de General – Quinhentos Dias no Front da Segurança Pública no Rio de Janeiro (Companhia das Letras, R$ 35,00), Soares não poupa críticas ao governador e policiais de alto escalão. Logo na apresentação,  o autor, que foi professor da Unicamp, deixa claro que o livro é um “atestado de teimosia”.

O antropólogo julga a segurança pública um assunto sério demais para ser largado nas mãos da polícia. Fala com conhecimento de causa, tanto teórico como prático. Em seu vasto currículo pesam ações e teses detalhadas sobre a problemática da violência e o real papel da segurança pública. Enquanto esteve no governo do Rio, Soares denunciou a “banda podre” da polícia e enfrentou a ira de setores  conservadores da instituição. Os “500 dias no front de Anthony Garotinho” terminaram em 17 de março de 2000, quando o professor foi demitido em frente às câmaras de televisão, durante uma entrevista do governador a um telejornal da Globo.

Logo após a demissão, Soares mudou-se para os Estados Unidos com a mulher, a também antropóloga Barbara Musemeci, e as duas filhas. Ele estava recebendo ameaças mesmo antes da saída do governo e achou melhor partir para garantir a integridade física da família. Barbara participou igualmente do governo do Rio de Janeiro, como subsecretária adjunta da Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania, deixando o cargo para acompanhar o marido. Ela esteve na Unicamp participando do seminário e falou sobre “Antropologia no Executivo: possibilidades e limites”.

Desejo de voltar – Luiz Eduardo Soares confidenciou durante a palestra que não é fácil recomeçar a vida em outro país. “Contamos os dias para voltar”, disse. O retorno ao Brasil está condicionado a não morar no Rio de Janeiro. Segundo o antropólogo, o estado vive uma grave crise, particularmente na Polícia Civil, cuja estrutura tentou mudar de forma persistente enquanto esteve no governo. “É necessário que as forças políticas procurem formar um grande pacto de unidade, em defesa da civilização e contra a barbárie. Um pacto que dê sustentação efetiva à implantação de projetos radicais de reforma da polícia”.

Soares foi questionado se a chamada banda podre da política poderia estar envolvida na nova onda de violência no Rio, com explosões de granadas, inclusive em porta de delegacia. “Não sei se é o caso deste episódio, mas setores policiais minoritários são de fato criminosos e agem de forma terrorista. Isso, infelizmente, não é novidade”, respondeu. Para ele,  as granadas são apenas as manifestações mais visíveis de procedimentos que, no passado, se apresentavam de outras maneiras, como assassinatos que atribui a policiais corruptos com o propósito de desestabilizar projetos de reforma da polícia. Entre suas propostas estavam a modernização e moralização da política de segurança. “Há décadas a polícia está desmoralizada frente à população”, acrescentou.

Governador ambíguo – Soares define o governador Garotinho como ambíguo, acusando-o de se aliar a setores conservadores da polícia, ao invés de combater sem medo a chamada banda podre. “2000 foi o ano da conciliação, em que o governador manteve viva a chama da esperança acenando com os projetos de reforma, quando na prática esteve ao lado dos conservadores. Óleo  e água não se casam, não combinam”, afirmou.

De acordo com o antropólogo, a opção do governador terá de ser por enfrentar de fato o problema do corporativismo, executando uma reforma estrutural constante e promovendo uma nova seleção de todos os policiais. “Dessa forma ele ganhará o apoio dos setores mais responsáveis da sociedade e, quem sabe, será capaz de promover uma aliança mais ampla, uma grande coalizão. O governador vem adotando a punição individualizada de policiais, mas não é esta a melhor forma de combate”.

Soares admite que, bem ou mal, Garotinho tem se esforçado para transformar as instituições policiais.  “São conhecidas as minhas divergências com o governador, mas devo reconhecer que este governo tem procurado mexer no vespeiro”, disse. Ele insiste, contudo, na formação do pacto, cuja efetização  depende da vontade política e da disposição dos diversos setores da sociedade. Enquanto não se cria o clima para a grande coalização, o professor e a família permanecem no exterior. 

Maior alvo são as minorias
violência contra minorias esteve no centro das discussões na Unicamp por dois dias (5 e 6 de dezembro). O seminário Gênero & Cidadania – Tolerância e Distribuição da Justiça, coordenado pela professora Mariza Corrêa, do Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu), reuniu os maiores pesquisadores do Brasil no assunto, além de delegadas dos direitos da mulher e autoridades da sociedade civil. O seminário fez parte do projeto de mesmo nome apoiado pela Fundação Ford, sob coordenação da professora Guita Grin Debert.

A presença de tantos especialistas atraiu inclusive o ministro da Justiça, José Gregori, presente ao primeiro dia do evento para uma reunião fechada em que se discutiu propostas de combate a um dos problemas mais graves do País. A violência contra minorias foi abordada sob o ponto de vista das mulheres, negros e homossexuais, com apresentação de diversas pesquisas sobre o tema e a discussão de propostas para fazer cumprir os direitos humanos.

Quatro mesas-redondas foram organizadas, com coordenação das professoras ligadas ao Pagu: Maria Filomena Gregori, Mariza Corrêa, Guita Grin Debert, Maria Margaret Lopes e Adriana Piscitelli. Entre os palestrantes estiveram os professores Lia Zanotta Machado (UnB), Heleieth Saffiotti (PUC-SP) e Sérgio Adorno (USP), além de Solange Jurema, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, e da coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo, Maria Inês Valente.


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