Governo pede socorro a técnicos que ignorou
Sergio Bajay, da Unicamp, assume direção de Políticas Energéticas
e sustenta suas críticas

TATIANA FÁVARO

mesmo governo que vinha ignorando, havia no mínimo dois anos, o alerta de economistas e técnicos em planejamento energético sobre uma crise iminente no setor, clama agora pelo auxílio desses especialistas para tentar tirar o país das trevas. Buscar a geração de energia – e, para tanto, investimentos – é tarefa árdua. Principalmente diante de outra necessidade, considerada imediatista por uns e fundamental pela equipe designada para gerenciar a crise: é preciso reduzir compulsoriamente o consumo.

Na tentativa de remodelar uma estrutura de planejamento energético que, na opinião dos economistas, foi desmontada em função da submissão do país à política monetária internacional, o governo tem arrebanhado experts como o professor Sergio Bajay. Licenciado do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, Bajay assumiu a diretoria do Departamento Nacional de Políticas Energéticas do Ministério de Minas e Energia com a preocupação de, entre outras medidas, inibir os custos demasiadamente altos da chamada “energia nova”.

O pesquisador e consultor do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp afirma que é preciso impedir a abertura indisciplinada para as novas fontes de energia, mesmo diante da crise. Até porque o ônus do aumento do custo da energia no país, em um futuro não tão distante, será repassado para o consumidor, inevitavelmente.

“Independentemente da tecnologia – novas hidrelétricas, novas termelétricas a gás, novas térmicas a carvão, nucleares, eólicas, o que for –, os custos de geração vão ser superiores aos da chamada ‘energia velha’. A partir de 2003, quando começarão a caducar os contratos iniciais, o custo da ‘energia nova’ passará a ser transferido para as tarifas. Esta energia vai ser mais cara, o que não se pode evitar”, antecipa Bajay. “É necessário procurar uma mistura de tecnologias que implique no aumento tarifário mínimo. O custo será maior, mas não poderá ser muito alto”, avalia.

Segundo o professor, o mal maior virá se, para garantir a geração de energia elétrica o mais rapidamente possível, o governo se render ao lobby de empreendedores poderosos e suas respectivas tecnologias. Como resultado teremos a aprovação de obras caras e o desencadeamento de uma nova crise social. Apesar de agora fazer parte da equipe que assessora o governo, o pesquisador mantém suas críticas e revela alguns receios: “O governo não é homogêneo, é constituído de várias áreas, cada uma com seus próprios interesses. O setor de Políticas Energéticas, aqui do Ministério, está tendo o cuidado de sinalizar aos demais setores do governo sobre a necessidade de barrar alternativas tecnológicas que possam contribuir, num primeiro momento, para acabar com o déficit de energia, mas em seguida com um grande impacto sobre o déficit tarifário”.

O recém-empossado diretor de Políticas Energéticas não nega que faltou ao governo Fernando Henrique uma política de investimentos no setor de energia elétrica, que esta falha contribuiu decisivamente para a crise atual, que o país amarga as seqüelas da privatização no setor. Nem poderia negar, porque como professor da Unicamp sempre criticou a mudança de um modelo quase que completamente estatal, para outro que visualiza a participação privada quase absoluta.

“Mesmo como colaborador, mantenho as críticas. Este governo foi extremamente ousado e irrealista na maneira de conduzir as coisas. Tanto é que, na prática, há um modelo misto, mas a convivência entre os dois ‘parceiros’ não é contemplada por um sistema regulador”, observa. “É, inclusive, um dos desafios que estou encarando: modificar o modelo para prever formalmente essa convivência e buscar uma relação que faça com que as duas formas de capital se completem. Os riscos detectados são grandes. Esta análise será aprofundada em um relatório que chegará ao presidente”, adianta Bajay.


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As alternativas em estudo

A cota com penalidades para quem não atingir a meta de racionamento de energia elétrica estabelecida pelo governo, os bônus para quem conseguir reduzir o consumo em mais de 20% e a possibilidade de cortes no fornecimento são, para o professor Sergio Bajay, “naturais”. “Os cortes ficam como segunda e pior instância, porque há mais efeitos negativos associados a eles do que ao outro sistema”, afirma. E acrescenta que outras discussões – tais como levar em conta os problemas sociais, pensar nos consumidores de baixa renda e estudar a flexibilidade desse sistema de cotas para o setor industrial a fim de não diminuir tanto o número de empregos – “são detalhes”.

Mais um aspecto, sob análise da Câmara de Gestão da Crise Energética (CGCE) e destacado pelo pesquisador como solução alternativa para a crise, é a necessidade de tornar obrigatório para fabricantes de equipamentos elétricos, eletrodomésticos e, eventualmente, de alguns equipamentos a gás, o cumprimento de uma eficiência mínima. O Congresso Nacional assistiu à apresentação de um projeto de lei que permitiria a imposição dessas normas, iniciativa do próprio presidente Fernando Henrique, na época ocupando uma cadeira no Senado. O mesmo presidente que há dois meses disse não estar ciente da situação caótica em que se encontrava o setor de energia.

Finalmente, Bajay aponta o aumento da oferta de energia como necessidade para o país sair da crise. E condiciona isso a duas possibilidades: em curto prazo e com custo relativamente elevado, é possível optar pela utilização de motores a diesel acoplados em geradores elétricos e motores a diesel ou turbinas a gás operando em ciclo aberto, para aumentar a co-geração.

“Em momentos de emergência, isso é um razoável quebra-galho. No longo prazo, a idéia é viabilizar térmicas e hidroelétricas. Levando-se em conta que a tábua de salvação não é somente a implementação de termelétricas a gás, porque o gás se tornou caro, e que grandes hidroelétricas requerem investimentos muito altos, com o agravante de que o Estado não tem hoje o mesmo acesso a financiamentos das décadas de 70 e 80 para alavancar essas enormes obras. Além disso, a iniciativa privada tem restrições quanto a investir no setor, por se tratar de um empreendimento de capital intensivo e de maturação longa. Portanto, imaginar as hidroelétricas como salvação e seguir a tendência do passado, também não é algo realista”, avalia Bajay.
“Defendo o investimento em matrizes diversificadas para suprimento de energia elétrica. E concordo que haja um potencial de melhoria operacional do sistema a ser explorado”, acrescenta.

 


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