Desperdício fica evidente já
no começo do racionamento
Gilberto Januzzi calcula que população reduziu consumo
de energia em 10% apenas cortando gasto supérfluo

WANDA JORGE

existência de desperdício de energia ficou evidente já nos primeiros resultados colhidos após a implantação das medidas drásticas do governo para evitar o apagão. Para o pesquisador da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp Gilberto de Martino Januzzi, a redução imediata no consumo de cerca de 18% na região Sudeste e de um pouco mais no Nordeste mostrou que é possível obter uma resposta rápida ao apelo de racionamento, principalmente por parte do usuário residencial.

“Havia folga. Pelo menos 10% da redução obtida pode ser identificada como energia que era desperdiçada; o restante se deve a uma dose de sacrifício que o setor doméstico está praticando”. Para Januzzi, o setor público também contribuiu nesta primeira fase, impondo a restrição de horários e servindo de exemplo. Os próximos agentes devem ser o comércio e a indústria, que precisam aprender como operar economicamente e partir para a busca de alternativas e aprimoramento tecnológico.

O impacto positivo inicial, no entanto, não deve mascarar a realidade: não se atacou ainda os grandes focos de conservação. O professor da Unicamp, que desde maio é o gerente do Fundo Setorial de Energia criado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, aponta que há muito a fazer nas áreas de geração e transmissão de eletricidade. Falou-se bastante, nos últimos dez anos, sobre as dificuldades que a escolha da matriz energética provocaria ao país. Todos os especialistas, inclusive de setores governamentais, já sabiam que a crise era inevitável.

Logo com a entrada em operação da Usina de Itaipu, em 1983, e quatro anos depois, com o corte de investimentos em geração e transmissão, a crise atual começou a ser desenhada. Gilberto Januzzi marca a metade da década de 90 como a época em que o quadro se complicou de vez, tornando irrefutáveis os sinais de que a confiabilidade no sistema energético estava afetada.


Na opinião do pesquisador, não é producente ficar falando do passado, uma vez que isto não ajudará a amenizar o quadro. O fundamental, em sua opinião, é direcionar esforços para soluções futuras, atividade na qual ele tem se debruçado desde o seu primeiro livro, Planejamento Integrado dos Recursos Energéticos, de 1997 – discutindo as questões de meio ambiente, conservação de energia e fontes renováveis –, editado em parceria com o pesquisador norte-americano Joel N.P. Swisher. Temas que voltou a abordar no ano passado, com a publicação de Políticas Públicas para Eficiência Energética e Energia Renovável no Novo Contexto de Mercado. Neste último estudo, ele compara a experiência dos Estados Unidos na desregulamentação das empresas com a privatização do setor no Brasil.

Januzzi formou-se em matemática pela Unicamp, mas direcionou sua especialização a partir da tese de doutorado na área de Ciências da Energia, na Universidade de Cambridge, Inglaterra, em 1983. Aprofundou seu conhecimento em 1990, com um pós-doutoramento na Universidade de Berkeley, Califórnia.

Fundo de Energia – O governo tomou consciência de que a crise era iminente na última década, o que desencadeou uma série de medidas como, por exemplo, o ajuste do preço do gás e a aprovação da lei de eficiência energética, proposta em 1990 e aprovada somente agora, regulamentando o uso de tecnologias mais eficientes para aparelhos e equipamentos que consomem energia. “Estas foram ações positivas, ainda que insuficientes, que a crise forçou”, considera o professor.

A criação do Fundo Setorial de Energia, em maio, com a destinação de 0,5% da receita anual líquida das empresas para pesquisa e desenvolvimento, é uma decisão fundamental para se buscar fontes alternativas de energia, dentro de um planejamento político estável e de longo prazo. Para este ano, a verba prevista é de R$ 80 milhões a serem investidos em capacitação pessoal e pesquisa básica e aplicada. “Otimizar o sistema energético leva tempo e as medidas concretas para a troca de consumo sempre são de médio e longo prazo. Estamos falando de no mínimo cinco anos, mas este setor tem como característica a necessidade de um planejamento com pelo menos 10 anos de antecipação. Em ações de curto prazo, tomadas para gerenciar crises, as distorções são inevitáveis”, adverte.



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Falta tecnologia para produzir energia eólica

O pesquisador Gilberto Januzzi, da Unicamp, aponta algumas opções energéticas para o Brasil, com grande potencial de uso como a eólica (apesar do pequeno domínio tecnológico no país), ou as solar e de biomassa, dois recursos promissores e já com capacidade instalada, mas pouco empregadas até hoje. No caso do aproveitamento do regime de ventos existe enorme potencial nas faixas litorâneas do Nordeste, de Pernambuco ao Ceará. O principal entrave é a inexistência de tecnologia nacional, o que exigiria a adaptação daquelas já existentes na Dinamarca, Alemanha e Estados Unidos. Falta, também, um mapeamento preciso das regiões onde é possível uitlizar a energia eólica. Até agora só existe uma indústria brasileira, em Sorocaba, no interior paulista, fabricando aerogeradores para o Ceará com tecnologia alemã. O papel do Fundo Setorial de Energia será o de desenvolver esses ajustes, que servirão como base para a nossa indústria.

Januzzi anuncia que vão ser retomados estudos profundos de planejamento energético para entender demandas futuras e se antecipar a elas. Outro objetivo é estimular o uso da biomassa, notavelmente nas indústrias de transformação da cana em álcool e açúcar, de papel e celulose, além de outros resíduos agrícolas. O Brasil pode crescer muito nesta área, com a vantagem de que já domina grande parte do conhecimento básico para sua implantação.

Da mesma forma, a energia solar, que sequer entra na contabilidade da balança energética do país, apesar de pesquisada desde a década de 70, é uma opção extremamente interessante para compor as fontes de abastecimento.

Ingredientes – O PIB brasileiro é muito dependente do consumo de energia e um dos ingredientes para reverter esta composição de custo é a busca de novas tecnologias. “As fontes alternativas são complementares às de hidroelétrica e termoelétrica, mas a energia solar, por exemplo, é totalmente indicada para usos térmicos da eletricidade, como no chuveiro, para citar o caso mais corrigueiro. Ela substitui a escolha equivocada do passado, que priorizou a energia elétrica para tais aparelhos”, acrescenta o professor.

Diante da crise, dos riscos de apagão e da impotência em se implantar opções viáveis e econômicas imediatamente, o desafio de médio prazo será o de alcançar a racionalização do consumo e a diversificação gradual da matriz de produção. Gilberto Januzzi acredita que um passo importante nesta tarefa foi a criação do Fundo, que se constitui em fonte estável de recursos – um percentual sobre as vendas de energia – e viabiliza um planejamento energético efetivo. Como no comitê gestor deste Fundo Setorial sentam-se representantes de todos os setores envolvidos na política energética, o professor da Unicamp acredita que haverá mais chances e força política para implantação das fontes alternativas no futuro.

 


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