| Acendendo
uma vela pelo Brasil Para
Otaviano Canuto, mais vale apagar a lâmpada do que recorrer na Justiça
contra as sobretaxas impostas pelo racionamento TATIANA
FÁVARO sculpa
é do governo, mas a solução não depende só
do governo: a sociedade vai acabar pagando o pato. A afirmação do
professor Otaviano Canuto, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, é
uma forma de dizer que mais vale apagar a lâmpada e acender uma vela pelo
País que entrar na Justiça contra as sobretaxas impostas a quem
não atingir as metas de redução de consumo estabelecidas
pelo plano de racionamento, apresentado em maio último pelo ministro da
Casa Civil e presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia (CGCE),
Pedro Parente. Não
se trata de dizer amém. Mas de saber, como ressalta Canuto,
que vitórias judiciais contra o governo não vão significar
produção de energia. É preciso cortar o consumo na
gordura e não na carne. O grau de lipoaspiração tem de ser
suficiente para evitar apagões desordenados, comenta o economista.
Até porque, mesmo os especialistas estão penando para tentar enxergar
com clareza a intensidade dos impactos do racionamento sobre a economia brasileira. Eles
só conseguem, tateando em meio ao breu, indícios sobre a direção
desses impactos. O que não é nada animador. A queda é certa,
em todas as frentes da economia. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB),
antes previsto para no mínimo 4,5% este ano, não deve passar de
3%, com otimismo. A redução da arrecadação do
ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)
será tão forte quanto o grau de recessão, quanto maior a
necessidade de corte na carne para poupar o consumo de energia. Se for possível
reduzir o consumo apenas na gordura, a queda no crescimento do PIB será
menor e, igualmente, o impacto sobre o ICMS. O desemprego também se enquadra
nessa lógica, explica Canuto. Apesar de os impactos imediatos
da crise energética chamarem mais a atenção, principalmente
por seus efeitos incidirem diretamente no bolso do consumidor, é necessário
pensar em medidas a longo prazo, com o objetivo de recuperar a capacidade de investimentos
públicos e a oferta mínima de investimentos privados nos setores
essenciais de infra-estrutura. Contar
com a possibilidade de recursos complementares privados significa, sobretudo,
dizer que o governo tem de encontrar rapidamente soluções para abrir
espaço aos investidores. Resolver definitivamente o problema do risco cam-bial
e estabelecer regras para o mercado atacadista de energia são algumas alternativas.
É preciso retomar o planejamento energético, insiste
Otaviano Canuto. O governo precisa projetar a necessidade de uso, tentar
novas fontes de energia, aproveitar a possibilidade de oferta e disponibilizar
espaços para receber o apoio técnico e das universidades. Colocar
nesses postos as pessoas que entendem de energia, em vez de lotear cargos em setores
tão essenciais como os de infra-estrutura utilizando critérios estritamente
políticos, acrescenta o professor. O fundamental, agora, de acordo
com o economista, é rever o conceito de gastos públicos e o formato
do acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional. Os moldes atuais
das transações com o FMI identificam como despesa qualquer investimento
feito pelo governo no setor de infra-estrutura em geração
de energia, por exemplo. É sinônimo de agravamento do déficit
público. Periclitante
Um detalhe que não pode ser esquecido nem pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso e sua cúpula, nem pelos técnicos da CGCE, é
que uma das condicionantes para a injeção de recursos financeiros
na economia de um país é a credibilidade. E, nesse ponto, faz-se
necessário admitir que o Brasil não anda lá muito bem das
pernas. O
professor Canuto salienta: Já vivíamos uma situação
de vulnerabilidade externa. Estava claro para alguns analistas que a pressão
para desvalorização do real não era apenas oriunda da crise
da Argentina, mas que tinha a ver com a percepção da tendência
de falta de dólar no mercado brasileiro. A crise energética só
agravou esse quadro de vulnerabilidade, porque o primeiro resultado foi uma retração
do ingresso de capital, uma desaceleração, declara. Eu
diria que nós estamos em uma situação periclitante. Por enquanto,
o Banco Central está fazendo o que pode: já lançou papéis
da dívida pública indexados ao dólar, por exemplo. E depende,
em parte, da capacidade de o governo convencer o mercado de que a economia vai
permanecer sob controle, uma vez que sua credibilidade se tornou ponto frágil.
Inclusive no que tange a outras áreas, completa. Entre
as causas diretas da crise energética destaca-se, portanto e sem dúvida,
o baixo nível de investimento nos últimos anos. Canuto lembra que
a precariedade da situação fiscal brasileira, a ausência de
um marco regulador adequado para a abertura aos capitais privados e o desmonte
de uma estrutura de planejamento energético foram os principais fatores
que levaram a essa carência de investimentos. O alerta já tinha
sido feito. E o governo sublimou, porque a ótica era imediatista e de negociação
de apoio parlamentar com o Congresso. Você pode fazer isso com alguns segmentos,
mas com outros é preciso manter um comando de forte conteúdo técnico.
E em energia, assim como em outros setores de infra-estrutura, exige-se tal postura.
Foi um erro que, eu espero, os governos futuros não repitam, salienta
o economista. | |