| JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA acionamentos,
apagões programados e redução de tensão da energia
na rede de distribuição são ingredientes de um filme brasileiro
bem antigo. Remontam aos Anos Dourados, como ficou conhecida a década
de 50 que, na verdade, foi de lusco-fusco, a cor dos apagões vespertinos
institucionalizados que marcaram os primeirnos anos daquela época. Mal
se enxergava em casa. O racionamento e os apagões quebraram a produção
industrial e serviram de plataforma eleitoral para a oposição consolidar
candidaturas como a de Jânio Quadros para a Câmara de São Paulo,
lembra o historiador e cientista político Ricardo Frota Maranhão,
professor do Departamento de Ciências Políticas do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH) e membro do Núcleo Interdisciplinar de
Planejamento Energético da Unicamp (NIPE). Maranhão
defendeu tese de doutoramento em 1993 sobre a evolução da política
energética no Estado de São Paulo, tendo como foco a Light, grande
empresa da época, de origem canadense. De acordo com ele, foi a incompetência
das empresas privadas em gerir o sistema elétrico que levou à estatização
nos anos 60 e não o nacionalismo exacerbado dos seus consumidores. Também
não foi por incapacidade do Estado que o negócio voltou para o setor
privado a partir de 1995, mas por um conjunto de pressões externas para
exigir, com altos juros, o pagamento da dívida feita pelo Brasil para a
construção do modelo de sistema elétrico estatal e eficiente
que sobreviveu até o início dos anos 90. Muito
antes disso, nos anos 50, o capital estrangeiro controlava todo o sistema de geração
e distribuição de energia. A Light na cidade de São Paulo
e, no interior, a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), então
controlada pela Amforp American and Foreign Power Company , empresa
americana com operações em Cuba, Guatemala e Panamá.Ambas
tiveram de apelar para os apagões logo depois da Segunda Guerra. As
duas maiores empresas de atuação multinacional no Brasil não
fizeram os investimentos necessários para acompanhar o desenvolvimento
econômico do país, dando oportunidade para pesados ataques por sua
nacionalização, porque não demonstraram competência,
argumenta Maranhão. Estatização
A Amforp foi nacionalizada em 1964 pelo governo federal e depois repassada
à Cesp (Companhia Energética do Estado de São Paulo). A
Light teve uma sobrevida, porque no início dos anos 50 tomou dinheiro emprestado
do Banco Mundial, com aval do governo brasileiro. Um empréstimo internacional
privilegiado: foi a primeira vez que o Banco Mundial emprestou dinheiro para uma
empresa e não para um governo, conta o historiador. Depois
do processo de estatização, segundo Maranhão, o governo começou
a investir pesado em geração de energia elétrica, nos anos
60, 70 e 80, eliminando totalmente os problemas de apagões e racionamentos.
Enquanto funcionou, o modelo estatal foi de grande eficiência no sentido
de oferecer serviço, o que demonstra que a estatização veio
para atender muito mais a uma necessidade objetiva do que ideológica, pois
o setor privado não estava dando conta, analisa. O negócio
caminhou bem até o início dos anos 90, quando, de acordo com as
pesquisas de Maranhão, começaram a aparecer fissuras oriundas dos
grandes investimentos em geração através da tomada de empréstimos
internacionais de maneira inadequada à realidade financeira mundial do
final dos anos 80. O governo tomou dinheiro spot em péssimas condições,
agravando o quadro da dívida externa. Além
disso, alheio à crise internacional, o governo insistiu em fazer Itaipu
de uma vez só, ignorando estudos dando conta de que o potencial hidrelétrico
da Bacia Platina poderia ser aproveitado por várias usinas que iriam sendo
construídas, com comprometimento financeiro menos oneroso, acrescenta. Decisão
maluca A razão da insistência na construção
da Hidrelétrica de Itaipu, afirma Maranhão, foi uma euforia descabida
do governo militar. A usina, uma das maiores do mundo, atendia também
à idéia delirante de alguns militares de que uma barragem à
jusante da Argentina seria uma verdadeira arma de guerra. Eles estavam sempre
pensando em uma guerra com a Argentina. Então, achavam que a qualquer momento
poderiam abrir abruptamente as comportas e inundar o país vizinho, como
parte de seus esforços militares contra um velho inimigo utópico. As
conseqüências desta decisão maluca, na expressão
do professor, e a pressão internacional cobrando os empréstimos
no início dos anos 90, começaram a fissurar o modelo estatal. O
Banco Mundial, os grandes bancos e instituições financeiras passaram
a forçar a privatização em todo o mundo, como forma de recuperar
rapidamente os ativos que utilizaram como empréstimos na década
anterior. Maranhão
garante que, ao contrário dos discursos oficiais, as empresas públicas
tinham condições de continuar investindo e se modernizando, desde
que contassem com planejamento político e vontade política. Mas,
em vez de sanar as falhas apresentadas pelo modelo estatal, preferiram usá-las
como pretexto para o desaparecimento do estado no setor, afirma. O
professor credita o atual colapso no setor à rapidez com que o governou
agiu no processo de privatização para atender à pressão
internacional, sem ouvir conselhos de técnicos e juristas especialistas
sobre a necessidade de se criar, primeiro, um organismo de fiscalização
e regulamentação. Privatizaram rapidamente, com menor custo
possível, sem fazer o correspondente conjunto de regras e normas a serem
seguidas para que o setor funcionasse como quando era estatal. Indefesos
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que deveria
regular o setor elétrico, de acordo com Maranhão, ainda não
passa de uma pequena agência sem efetividade, com muito poucas condições
de proteger o consumidor diante de um eventual ataque especulativo das empresas
sobre o estoque de energia, como foi cogitado durante o início da crise
energética na Califórnia, para elevar a tarifa. Ela ainda
não se municiou com um aparato de regulamentação, controle
e fiscalização. Além
disso, o estado transferiu o sistema para o setor privado alegando não
ter mais capacidade de investimento. A idéia era vender para que as empresas
investissem o que o Estado não podia investir. Mas quem garante que
elas vão investir?¨, pergunta o professor, lembrando que grande parte
do capital financeiro globalizador que adquiriu algumas estatais tem função
claramente especulativa. É um capital que está de passagem.
Tanto que algumas destas empresas privatizadas já se encontram à
venda. Esse processo de comprar e vender atrás do lucro financeiro é
muito mais significativo e característico deste capital globalizador do
que um interesse efetivo na criação de um setor elétrico
competente. Se,
como diz o ditado, o futuro repete o passado, o ano eleitoral de 2002 promete
reprisar o velho filme, com a crise energética municiando os discursos
eleitoreiros. Pelo entendimento do professor Ricardo Maranhão, ao contrário
do que diz um outro ditado, o povo brasileiro não tem o governo que merece.
Um povo que teve a agilidade para responder aos apelos de redução
de consumo, recebeu como contrapartida medidas arbitrárias que, na prática,
caracterizam aumento de tarifa. | |