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cultura das chaminés Mohamed
Habib ressalta alternativa aliando sociedade, energia e ambiente JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA professor
de ecologia Mohamed Habib, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia
(IB) da Unicamp, apagou uma das três lâmpadas fluorescentes de seu
gabinete para combater o desperdício de energia. Se a economia causou perda
de luminosidade, não dá para notar. O ambiente é claro como
seu raciocínio sobre a crise energética do Brasil e o plano emergencial
esboçado para combatê-la, que considera uma verdadeira armadilha
se for pela via de construção de termelétricas. Além
da cultura do desperdício, o Brasil peca por não oferecer uma alternativa
inteligente de desenvolvimento aliando sociedade, energia e meio ambiente, e respeitando
as características regionais de cada Estado, analisa, referindo-se
à compra de gás boliviano para alimentar as usinas termelétricas.
É um conceito totalmente errado acreditar que o desenvolvimento só
vem com chaminés, fumaças e intoxicações. Além
disso, devemos levar em conta que esta agressão ao meio ambiente também
leva à falta dágua que seca os reservatórios e, consequentemente,
à possibilidade de queda da disponibilização de eletricidade,
afirma. Na
verdade, segundo o professor, o Brasil sequer tem um projeto de desenvolvimento,
uma vez que a crise está sendo combatida com medidas de curto prazo quando
seu déficit energético é conhecido há longa data.
Embora seja a oitava economia do mundo, o País ocupa a octogésima
posição em cota de energia elétrica por habitante/ano. São
2 mil quilowatts em média por ano para o brasileiro, contra 20 mil para
um norte-americano. No Nordeste esta média não chega a 900
quilowatts, lembra. Enquanto uns têm tanta luz que a casa mais
parece uma árvore de Natal, outros nunca acenderam uma lâmpada,
compara, atribuindo o contraste à concentração de renda. Imagem
forjada Por isso, Mohamed Habib considera forjada a imagem propagada
nas últimas semanas de que o Brasil corre o risco de ficar sem energia
por que há déficit, como se isso fosse uma novidade. A falta
de energia é histórica quando comparada com os países desenvolvidos.
Assim, quando associamos energia e eletricidade ao desenvolvimento, percebemos
as dificuldades de crescimento econômico do país, já que sua
cota não permite mais empreendimentos e só nos resta ficar patinando
nesta luta de desemprego, pobreza e miséria, diz. Para
eliminar este déficit, que mantém a cota energética brasileira
diminuta ante seu potencial econômico, Habib defende que se esbocem planos
para geração de energia. Mas não esses emergenciais, feitos
com medidas provisórias apenas para geração a curto prazo.
De acordo com ele, o plano deve ser de médio e longo prazo, considerando
que o gás da Bolívia tem condições de gerar energia
por apenas 10 ou 11 anos, pois se esgota, não é um recurso renovável.
E como ficamos depois? Como investir em uma termelétrica cujo preço
varia de US$ 700 milhões a US$1 bilhão, condenada a não ter
mais com o que gerar? Como trabalhar com gás do exterior pagando em dólar?.
Realidades
diversas O plano energético tem de levar em conta as características
locais para manter coerência com cada realidade, já que temos um
território nacional ocupando uma enorme área do continente, com
uma grande variação em termos ambientais, culturais, sociais e disponibilidades
de recursos naturais, lembra o professor. O
Brasil também precisa definir que tipo de desenvolvimento quer para cada
região e que tipo de energia seria compatível com esse tipo de desenvolvimento.
O plano energético não pode se basear numa receita única.
Vamos comprar gás da Bolívia e vamos estender para o Brasil, como
se o país fosse homogêneo. É obrigatório que o plano
seja coerente com estas diferenças para gerar desenvolvimento que sirva
à sociedade do momento e às futuras gerações,
argumenta. ---------------------------------------------------------
O
problema da água, sempre A
escolha da matriz energética, segundo o biólogo Mohamed Habib, tem
sido tão problemática para o país quanto a deficiência
de sua cota de hidroeletricidade. O critério defendido pela ciência
para a utilização dos recursos naturais obedece ao tripé
da sustentabilidade: o recurso deve ser ingesgotável ou no mínimo
renovável, econômico e seguro para a saúde e o meio ambiente,
explica. Segundo
estes critérios, o gás natural está descartado, pois sendo
um recurso fóssil, se esgota. A água que se perde por evaporação
no processo de resfriamento das turbinas dessas termoelétricas, também
deve ser levada em consideração numa região como a nossa,
onde já sofremos a escassez em épocas de estiagem. O grande problema
das termelétricas projetadas pelos empreendedores, afirma o professor,
é que elas necessitam de água para resfriar as turbinas. É
um volume assustador, num percentual de 80% do total utilizado, explica.
Podem ser buscadas outras alternativas para cada região. Habib cita ainda
a energia eólica e a solar, além de de mini-hidroelétricas
e até o gás, desde que com critérios ecológicos, econômicos
e sócio-culturais. Por
isso, o professor desenha um futuro sombrio para a região de Campinas,
caso se concretize a instalação de Carioba 2 em Americana ou nas
suas proximidades. No panorama atual, com estiagem de até 45 dias durante
o inverno, a previsão é de total escassez de água. A
ampliação do Pólo Petroquímico de Paulínia
vai consumir um volume de água igual ao consumo de toda Campinas. Então,
como construir uma Campinas sobre Campinas?, pergunta. Aliado ao consumo
de Carioba, vem o das indústrias que correrão atrás de sua
energia e que também vão precisar de água, complementa. Os
problemas não param por aí. Embora consideradas menos poluidoras
que as termelétricas movidas a piche ou resíduos de refinaria, estas
usinas a gás também produzem gases de estufa, particulados, poluentes
e gases tóxicos. Tem mais: será que nossa região precisa
ainda de desenvolvimento tecnológico e industrial poluidor, enquanto o
inte-rior do Brasil possui populações que necessitam de emprego,
têm água e precisam de fábricas, que nunca devem ser poluidoras?
Por que o setor empresarial industrial fica nesta região saturada e frágil
e não procura participar de um projeto de desenvolvimento nacional, exercendo
uma função social correta?. Perna
curta Este contraste leva o professor a insistir que o Brasil não
tem um plano de governo para o desenvolvimento respeitando o tripé energia,
sociedade e meio ambiente. Um tripé não pode ter uma perna
mais curta, senão perde a estabilidade, a firmeza. Só se consegue
este equilíbrio através de estudo e não a partir de medidas
mitigadoras, de correção. O Brasil vive correndo atrás de
prejuízos, em vez de estar à frente dos acontecimentos, critica. Habib
lembra ainda que a instalação de indústrias não é
a única via para o desenvolvimento. A Nova Zelândia é
um exemplo mundial de desenvolvimento com respeito ao meio ambiente e é
parecido com nosso país no aspecto ambiental, só que rico e preservado.
Achar que riqueza significa destruição, fumaça e intoxicação
é burrice. Não podemos cair nesta armadilha. Os acadêmicos,
juntamente com o governo, têm de ter a capacidade de oferecer à sociedade
a alternativa mais inteligente para o desenvolvimento nacional, defende.
--------------------------------------------------------- Desperdício
de primeiro mundo Se
o Brasil pode competir com os Estados Unidos em algumas performances, uma delas
é no desperdício, segundo o professor Mohamed Habib. Nosso país
perde 25% da energia elétrica disponível, 5% a mais do que a cota
do racionamento. Se não houvesse a cultura do desperdício,
não precisaríamos de racionamento. Mas até a sede da concessionária
de energia elétrica e os prédios públicos amanheciam com
a luz ligada, acusa. O
desperdício de energia, para o professor, tem um lado cultural que pode
ser observado também nas indústrias. Equipamentos industriais
obsoletos gastam energia e têm pouca produtividade. O empresário,
pagando barato pela eletricidade, vai renovar os equipamentos para quê?
O setor industrial precisa evoluir para acompanhar a realidade e substituir suas
máquinas por outras mais eficientes e econômicas, ensina.
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