| Eletricidade
vira moeda Oswaldo
Sevá Filho vê crise produzida, com intenção
de ocultar grande operação de transferência de rendas CARLOS
LEMES PEREIRA Uma
pedra no sapato do status quo também pode contribuir na busca de fórmulas
para superar a crise. E ninguém melhor para assumir essa missão
que Arsenio Oswaldo Sevá Filho. Um homem que soube canalizar suas qualificações
de professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e na pós-graduação
em Planejamento Energético para pular os muros acadêmicos e respaldar
cientificamente as cruzadas de organizações não-governamentais
engajadas no questionamento de projetos industriais e de centrais elétricas
com grande impacto nos recursos naturais e na vida das pessoas atingidas. É
nessa linha que ele tenta desvendar ideologicamente o que estaria subjacente à
era do apagão. A eletricidade vai virando uma nova e
complexa moeda, a ser transacionada em bolsas de mercadorias e de apostas, tratada
com linguagem cada vez mais cifrada e cujos dados físicos e comerciais
mais estratégicos circulam cada vez menos em circuitos sociais cada vez
mais segregados. Para
Sevá Filho, o embrião desta novidade existiria, na verdade,
há quase um século no Brasil. A intenção é
ocultar uma enorme operação de transferência de rendas.
Exemplifica: Nós, em casa, ou as prefeituras, com as luzes das ruas
e praças, remetendo juros, lucros, royalties, a cada toque de interruptor,
a cada fechamento de disjuntor. Referindo-se ao alumínio e outros
metais, prossegue: Nós em casa, financiando indústrias de
alto consumo elétrico, que muitas vezes exportam, também por nós
subsidiadas. O
especialista não se conforma com o atraso na avaliação de
medidas que só agora vêm ocorrendo: Não era preciso
genialidade nem tecnologias secretas há dez, quinze anos, para induzir
mudanças de equipamentos, o aproveitamento de calor do sol, dos resíduos,
e das máquinas e processos térmicos, além de perseguir a
redução de perdas. Sobram farpas também para a iniciativa
privada: Teria sido obrigação de qualquer empresa decente,
há tempos, melhorar o uso de eletricidade em processos intensivos e, obviamente,
melhorar continuamente a manutenção e a segurança operacional. Na
opinião do pesquisador, num sistema tão dependente de rios como
é o nosso caso, uma crise produzida como esta é
muito favorável, de imediato e a longo prazo, para quem vende diesel, GLP,
gás natural canalizado e até combustíveis piores, como o
coque de minério ou o de petróleo, os resíduos viscosos,
o carvão mineral, os finos de xisto. Dentre
os objetivos dos condutores desta crise, ainda não suficientemente claros,
ele arrisca: Podem estar a mudança da própria estrutura de
produção e transporte de mercadorias, a captura mais eficaz dos
sistemas domésticos e coletivos de energia. E sobre os efeitos, aponta:
Já temos o agravamento das contas externas do País, pois o
fechamento do abastecimento nacional de diesel e GLP depende cada vez mais de
importação. Do gás natural, uma pequena parte já é
importada da Argentina, e sobre o gás boliviano, está sendo pago
um volume contratual muito maior do que o efetivamente consumido. Ponha-se
na conta também o aumento de importação de lâmpadas,
geradores, isenções para turbinas etc. Saudades
da ditadura O engenheiro não duvida de um imperativo:
Quem detém combustíveis e eletricidade, sempre fez política
pesada, em todo o mundo. E em cada recanto do Brasil. O pessoal que está
aí agora é um aprofundamento do grupo pefelista baiano e pernambucano,
que domina o MME, a Eletrobras e as ex-estatais e ainda estatais, desde os tempos
do general Geisel. E intensifica o ataque: Estão com saudades
da ditadura e acham normal infernizar a população e uma parte dos
empresários, desde que sejam protegidos até o fim os interesses
bem determinados que os sustentam. Nomeando-os: as irmãs do petróleo
e do gás, as grandes empresas elétricas estrangeiras, os fabricantes
de turbinas, centrais e linhas elétricas, e, claro, os grandes fabricantes,
vorazes devoradores de eletricidade. Uma
deixa para sua linha de argumentação predileta: As entidades
têm propostas há muito tempo e há muito tempo são alvo
de ridicularização, clichês e desconfiança, inclusive
aqui, na academia. Lembrando uma seqüência de fóruns nacionais
e internacionais promovidos por ONGs ambientais, dos quais participou, adverte:
São antigas as propostas que apontam e exigem outros rumos, até
abrindo outras oportunidades de negócios, projetos, tecnologias. Mas somos
um tipo de gente que pensa mais a sociedade do que esses construtores de crises,
que estão planejando outras coisas, para si próprios, e que por
enquanto não podem ficar escancaradas. E carrega na ironia: Business
as usual, mesmo para sair da crise. Pouco
entusiasmo O especialista confessa já ter sido bem próximo
das instâncias que querem traçar rumos, escopos e conceitos para
nossas pesquisas. Essa área de C&T, como dizem. É importante
manter e incentivar a diversidade, os temas multiprofissionais. Porém,
deixa claro: Não me entusiasma a pesquisa dirigida por governos federal,
estaduais ou municipais, e sim os laços que se possa criar e manter com
a sociedades local, regional, de outros Estados, a humanidade, enfim. Tampouco
tenho boas referências de pesquisas encomendadas por empresas existentes
e, menos ainda, pelas que estão tentando implantar projetos de grande impacto. Mesmo
ponderando que com este transe atual da escassez e do racionamento em implantação,
fica mais difícil propor coisas novas, salvadoras, ele se posiciona:
Continuo exigindo precaução. É criminoso, só
por causa da crise, baixar padrões de controle ambiental e
acelerar licenças ambientais de projetos ruins e mal localizados. ---------------------------------------------------------
Muito
além do esteriótipo Só
para contrariar aquela propaganda institucional que o governo federal anda bancando
no horário nobre das emissoras de TV, na qual um ator estereotipa um oposicionista
adepto da política do quanto pior melhor, Sevá Filho,
solicitou ao Jornal da Unicamp que destacasse um roteiro que ele apresentou em
Brasília, num workshop do Centro de Gestão e Estratégia do
Ministério de Ciência e Tecnologia. Ciência e tecnologia para
assumir os problemas ambientais da eletricidade é como ele batizou o documento
que segue: 1.
Avaliar de forma retrospectiva, mais completa, rigorosa, para fins de minorar
e corrigir as situações de degradação ambiental já
causadas ou agravadas pela capacidade instalada de oferta e transmissão/
distribuição de eletricidade. 2.
Sistematizar informação já existente, talvez dispersa, e
implantar campanhas de medição geofísica, química,
biológica; organizar, reorganizar, interligar serviços e redes de
avaliação da situação dos reservatórios de
hidrelétricas já formados; particularmente.
2.1 os
casos de proximidade com áreas urbanas a montante e a jusante,
2.2
os problemas de assoreamento, sedimentação de material orgânico, 2.3
os problemas de eutrofização, fermentação com emanação
de gases e de contaminação química de reservatórios
ou trechos de rios com vários reservatórios, para fins de adotar
medidas de reforma, proteção, limpezas, alterações
de modo de operação, descontaminação, etc. em todos
esses reservatórios.
3.
Conceber, planificar e instrumentar medições de emissões
de poluentes primários e de concentrações de poluentes de
todos os tipos nas regiões atingidas por termelétricas de todos
os tipos, em todas as situações operacionais, estações
do ano e condições meteorológicas. Espe-cialmente no caso
de combustíveis fósseis com enxofre ou gás sulfídrico
em sua composição, e, no caso do ciclo formado pelos óxidos
de nitrogênio, hidrocarbonetos voláteis, Ozônio e outros produtos
de smog foto-químico na baixa atmosfera, no ar respirável.
4.
Elaborar, testar e aperfeiçoar critérios de zoneamento e controle
ambiental de áreas já problemáticas e de áreas de
proteção de recursos naturais, especificamente rios ou trechos dos
rios, considerados em planos públicos ou privados como passíveis
de futuros aproveitamento hidrelétrico e dos trechos de rios prejudicados
ou passíveis de, por causa das grandes captações e grandes
perdas evaporativas dos sistemas de resfriamento (termelétricas, co-gerações,
centrais de utilidades de indústrias e de coletividades)
-para estabilizar
e reduzir poluição e risco atuais
-para restringir localização
de novas obras e instalações elétricas e de novos processos
hidro-intensivos (p.ex. bacias do Sorocaba, do Piracicaba (SP), do Paraíba
do Sul (SP,RJ,MG), onde se somam efeitos de hidrelétricas, de termelétricas
e indústrias hidro-intensivos)
5.
Concepção e aperfeiçoamentos das cadeias de coleta, reutilização
e reprocessamento de materiais de alto conteúdo de eletricidade, em indústrias
convencionais e em instalações específicas, piloto, comunitárias,
etc. Inovações e adaptações tecnológicas para
redução de parâmetros de consumo elétrico nos processos
eletro-intensivos.
[ por exemplo , as cadeias produtivas que fornecem o
cloro e a soda por eletrólise, alguns produtos metalúrgicos obtidos
em fornos elétricos de indução e arco voltaico, que fornecem
as ferro-ligas de manganês, e cromo, os metais não ferrosos, como
chumbo, zinco, cobre, alumínio, as que fornecem o estanho, e ainda as sílicassilicas
de alta pureza ( grau ótico para as fibras, grau voltaico para as células
fotoelétricas e grau eletrônico, para os chips ), todas elas consumindo
milhares ou dezenas de milhares de kilowatts x hora por tonelada de produto acabado
]
6.
Em princípio, deveriam ser incentivados todos os esquemas, procedimentos
e acessórios visando à redução de consumo médio
de iluminação, conforto térmico, ventilação,
refrigeração, à redução de consumo e potência
exigida em horas de pico, à diminuição de potência
reativa, ao aumento de fator de potência, à combinação
ou complementação de uso final de energia elétrica com calor
solar, com foto-eletricidade, com uso de vapor de processo e de vapor motriz,
ou visando à melhor manutenção técnica, menor desgaste,
melhor eficiência, tudo no sentido de reduzir progressivamente e
de forma difundida, as ineficiências, as perdas e os riscos de desabastecimento
e de pane.
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