| Como
um flagelo bíblico Luiz
Cortez afirma que crise de energia remete para a necessidade de planejar todas
as atividades essenciais CARLOS
LEMES PEREIRA ameaça
do apagão, que parece ter começado a pairar sobre nós de
repente, como um flagelo bíblico, é na verdade um desdobramento
mais do que natural do autoboicote que o Brasil vem promovendo historicamente
na voltagem de sua organização sócio-política.
Este é um bom início de análise da crise energética,
na opinião do engenheiro agrícola Luiz Augusto Barbosa Cortez, coordenador
do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe) da
Unicamp. Cortez, que abriu a mesa-redonda Crise energética: implicações
e conseqüências, realizada pelo Nipe em parceria com a Coordenadoria
Geral da Universidade (CGU), integra o pool de especialistas da Unicamp engajados
no esforço de debater e desenvolver um mix de tecnologias alternativas
para o setor. A sua principal pesquisa é sobre obtenção de
matriz energética do bagaço de cana pela pirólise rápida
(veja matéria na página 17). A
sociedade brasileira é muito pouco organizada e a questão energética
é só mais um elemento dessa desorganização,
afirma o pesquisador. Durante os mais de vinte anos de regime militar, ela
foi estimulada a não se organizar. Aliás, isso ocorre ao longo de
toda a nossa história, desde a relação com Portugal. Dá
para sentir essa lacuna tomando-se como parâmetro duas nações
modernas, a norte-americana e a francesa, que mesmo às custas de muitas
lutas, violência até, equacionaram suas diferenças, construíram
uma sociedade de direito e, a partir daí, viabilizaram seu desenvolvimento.
E Cortez reflete: O que é desenvolvimento, senão o resultado
material da organização?. Na
avaliação do engenheiro, essa crise pontual sinaliza a necessidade
de planejamentos a longo prazo em todos os setores essenciais para o País.
Não é só com relação ao problema energético.
Até porque energia é um item que, isoladamente, não tem sentido;
você a tem para fazer alguma coisa, observa. Cortez considera empobrecedora
para a discussão a tendência de se atribuir exclusivamente ao governo
federal a culpa pela situação, sob argumentos como negligência
ou políticas equivocadas que estagnaram investimentos imprescindíveis
ao setor: Depois de afirmar que a falta de planejamento é um problema
cultural nosso, só posso ponderar que o governo o atual ou qualquer
anterior não é nada mais que um reflexo disso. Quem é
FHC, quem foram Itamar e Collor? Simplesmente pessoas que representam parcelas
da população e que, por alguma razão e em determinado momento,
espelham o ponto de vista de um segmento importante e, sendo colocadas em posição
de decidir, repassam responsabilidades, estabelecendo-se uma relação
de execução de ações que podem ou não atender
às necessidades maiores do País. A crise energética é
só um exemplo de como não se conseguiu satisfazer as demandas de
um setor, vital, nesse caso. Silêncio
e oportunismo O professor, porém, não deixa de tecer
críticas. Tenho estranhado um certo silêncio, não só
do Poder Executivo, como também do Legislativo, no sentido de fazer um
trabalho mais efetivo de conscientização da comunidade; orientar,
mais do que simplesmente impor metas. Seria o caso de o presidente, os governadores,
os prefeitos e os parlamentares de todos os níveis atuarem com maior empenho
em parcerias técnicas com as concessionárias. Mas continuam prevalecendo
os interesses políticos imediatos, sejam a imagem pública, as ambições
eleitorais, as CPIs, observa. Por
mais que a falta de maturidade que identifica na esfera política o incomode,
Cortez frisa: O que me preocupa realmente, neste momento, é o oportunismo
de alguns segmentos da iniciativa privada, com vistas a ganhar muito dinheiro
com a crise. E ele dá nome aos bois: São empreendedores
ávidos em atropelar as legislações ambientais e de proteção
ao consumidor, para fazer valer seus projetos específicos. Como
exemplo do primeiro caso, o pesquisador lembra os polêmicos esforços
para a instalação da Termelétrica Carioba 2. Todos
esses projetos têm que ser antecedidos por um amplo esclarecimento à
população sobre as conseqüências positivas e, sobretudo,
as negativas. A macrorregião de Campinas já é extremamente
sofrida do ponto de vista ambiental e estão quase forçando uma situação
que turva a tranqüilidade necessária para o cumprimento correto dos
estudos de impactos, critica. Ainda
que se deslocando do monstruoso canteiro de obras em Americana para as gôndolas
dos supermercados, a ganância dos espertalhões não arrefece,
segundo o engenheiro: Imediatamente antes da crise, era possível
achar uma lâmpada fluo-rescente por até R$ 10,00; hoje, o consumidor
não encontra por menos de R$ 20,00 e, às vezes, tem que pagar até
R$ 25,00. Essa seria até a mais prosaica caracterização
de ganho ilícito, para Cortez. Esbarramos com sobrepreços
em coletores solares e quaisquer equipamentos que possam acarretar economia energética,
numa prova de que, sabendo da necessidade e do conseqüente aumento da demanda,
há muitos empresários se aproveitando, denuncia. Guerra
ao chuveiro A essa altura, o coordenador do Nipe se vê obrigado
a apontar outra falta de iniciativa das autoridades públicas: Há
medidas que o governo já poderia ter começado a implantar. Uma delas
é exatamente a difusão do coletor solar como fonte alternativa de
energia, que no prazo de alguns anos reduziria ao máximo ou, até
quem sabe, praticamente eliminaria o uso do chuveiro elétrico. Para
reforçar sua argumentação, Cortez se reporta ao pronunciamento
do professor Secundino Soares Filho, da Faculdade de Engenharia Elétrica
e da Computação (FEEC), que durante a mesa-redonda afirmou que os
quilowatts devorados por cada chuveiro elétrico correspondem
a até 9% de toda a energia consumida no País. Mesmo que haja
um custo inicial, imagine o benefício quando se pensa no atendimento de
20 milhões de residências, sugere. E
ele propõe até uma forma de pulverizar esse custo no mercado consumidor
num prazo de quatro ou cinco anos. Bastaria seguir a trilha de países
como Estados Unidos e Canadá, onde, de acordo com o especialista, à
medida que optam por tecnologias econômicas, as populações
usufruem de créditos fiscais. Vou comprar um coletor solar que, no
Brasil, custa R$ 1,2 mil. Mas aí, o governo desempenha o papel de parceiro,
bancando de 30% a 40% do preço final. Cortez ressalva que, por mais
que a idéia lembre o histórico Proálcool, aquele foi um incentivo
direcionado para um segmento da economia. O que estou defendendo é
abrir essa possibilidade para a sociedade em geral. | |