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mercado não resolve tudo O
ano do apagão, segundo Ennio Peres, que estuda o hidrogênio
como fonte de energia elétrica CARLOS
LEMES PEREIRA mercado
não resolve tudo. Eis a principal causa da crise energética, na
análise de Ennio Peres da Silva, coordenador do Laboratório de Hidrogênio
do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. O processo
de privatização de um setor que historicamente era todo controlado
pelo Estado foi conduzido sem determinadas precauções, seguindo
a lógica de que o mercado se auto-regula. Só que isso nem sempre
acontece no curto prazo, pontualmente, afirma. Enquanto
participa do debate sobre o ano do apagão, o cientista coordena
pesquisas sobre o aproveitamento do hidrogênio como fonte limpa
de energia elétrica. E, graças ao avanço da conscientização,
impulsionado pela própria crise, Peres da Silva acredita que já
no próximo ano terá condições de testar protótipos
para suprir a iluminação de escolas da rede básica de Campinas
(veja box). Prosseguindo em sua avaliação, o físico ressalva
que, acima de qualquer fator predominantemente político, há a condicionante
de o País ter sua geração de energia elétrica fortemente
embasada no sistema hidroelétrico. Tal configuração, segundo
ele, determinou em muito as cartas perversas do jogo da privatização.
Desde a era Vargas, o Estado mantinha um controle absoluto da geração,
transmissão e boa parte da distribuição. Então, no
governo Collor, deu-se início ao processo de reestruturação
do setor, com participação maior da iniciativa privada, onde o Estado
passou a se colocar mais como um agente regulador do que econômico,
expõe. Os
entraves começaram a se corporificar no atual governo, a quem coube dar
continuidade às privatizações. Um dos obstáculos
é o fato de a geração via hidroelétrica exigir investimentos
grandes nos projetos e pautar-se por um prazo longo de maturação,
na ordem de quinze anos, em média, destaca o pesquisador. Então,
mesmo que depois a operação passe a ser de baixo custo, pois a água
vamos dizer assim é quase de graça, o setor privado
não sente atratividade nesse tipo de empreendimento, por ter que aportar
grandes quantidades de capital. Como visa lucros, obviamente quer investimentos
menores e retornos mais rápidos, conclui. Freguesia
difícil O governo ainda tentou contornar a situação
oferecendo a alternativa das termelétricas. Teoricamente, o cenário
parecia apaziguado. Afinal, termelétricas demandam investimentos iniciais
menores, prazos de execução dos projetos exeqüíveis
em dois ou três anos e retorno financeiro rápido. Tudo ao gosto dos
fregueses grandalhões da eletricidade. Nem tanto, corrige Peres
da Silva: Há o custo do combustível. Por isso, foram necessários
os acordos com a Bolívia e a Argentina, para a construção
do gasoduto, permitindo que o Brasil disponibilizasse tecnicamente as termelétricas. Mesmo
assim, mais encrencas à vista. Sentindo que estavam lidando com um governo
de mãos atadas para reagir no campo dos investimentos de grande porte,
por força das restrições colocadas pelo FMI, o empresariado
se viu à vontade para exigir uma série de garantias, ligadas desde
ao fornecimento do gás à venda da energia. Como havia a estimativa
de até três anos para erguer as termelétricas, o governo foi
negociando, mas não de forma crítica, pois o tempo ia passando,
observa o pesquisador. Assim, se naquele prazo idealizado seria possível
colocar milhares de megawatts em funcionamento, já que eram várias
empresas e todas iriam fazer seus projetos simultaneamente, o que era possível
não se concretizou: a crise chegou antes. Peres
aponta como prova de que nem sempre funciona a lógica do mercado a ilusão
de que, solucionando-se um problema de ordem econômica, rapidamente se teria
os investimentos necessários. Obviamente, qualquer governo tem de
entender que a fórmula dogmática segundo a qual o mercado regula
tudo automaticamente não funciona sempre, ainda mais em se tratando de
um setor tão essencial e, ao mesmo tempo, tão mal estruturado,
critica. Um
exemplo dessa desestruturação, para ele, está na própria
história da regulação: As privatizações
acabaram antecedendo o processo de regulação. O governo precisava
vender e a regulação ainda está sendo elaborada. Nós
a estamos fazendo já com parte do sistema privatizado. Isso, é claro,
vai trazer mil problemas. Um deles é a dificuldade de se colocar imposições
para os investimentos. Riscos
da aventura A imprudência de se lançar numa ação
tipo oito ou oitenta, como Peres compara, está colocando o
pessoal do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe)
da Unicamp de orelha em pé. Principalmente com relação a
dois aspectos: um é exatamente o arcabouço regulatório e
o outro, o ambiental. No
primeiro caso, o físico adverte: Constitucionalmente, tudo é
bastante duvidoso. Deixa-se de ter um problema de suprimento energético
que dificilmente se manteria grave por mais que alguns meses, para se criar outro,
que pode ser permanente. Atropelar premissas constitucionais é caminho
certo para abalar a credibilidade nas instituições. Um exemplo recente
e amargo é o da caderneta de poupança, que nunca mais recuperou
a confiança popular, após o confisco do Plano Collor. No
plano ambiental, Peres teme a cogitada flexibilização de análises
de impactos para projetos energéticos: Pode ser um desastre. Na escrita,
nossa legislação ambiental é até muito avançada,
mas pouco dela foi regulamentada e esse pouco já não se cumpre.
Permitir termelétricas sem critérios pode agravar a poluição
atmosférica e comprometer a qualidade da água. Na
opinião do pesquisador, a melhor lição que o governo pode
tirar da crise é que ao tratar a energia como outros produtos de mercado,
que pelo menos a veja como um produto essencial: Em se tratando de carne,
feijão e outros itens, cujo abastecimento está por conta da iniciativa
privada, há a estratégia do estoque regulador. Ante perturbações
no mercado, como entressafra ou mera especulação de preços,
o governo intervém e corrige as distorções. Ele
admite que, no caso da energia, é difícil formar estoque ou mesmo
importar. Mas nada impede que o Estado mantenha algumas hidro ou termelétricas
por conta própria, que até podem ficar apagadas em épocas
normais, só entrando em operação nas emergências,
defende. Seria um custo social que todos pagaríamos, para não
termos uma recidiva da crise. O adiamento da privatização
de Furnas é encarado pelo pesquisador como um sinal de que estamos
aprendendo com a adversidade. ------------------------------------------ ENERGIA
LIMPA A TIRACOLO A
origem das pesquisas de Ennio Peres da Silva remonta a 1975, dentro da perspectiva
da crise de petróleo. O hidrogênio, então, era trabalhado
com o objetivo de substituir derivados. Os estudos para a geração
de energia elétrica a partir do elemento começaram a se intensificar
a partir da década de 1990 mais precisamente em 1992, ano da EcoRio,
evento que teve o mérito de elevar a consciência mundial sobre os
problemas ambientais, nos quais o aproveitamento energético de fontes renováveis
passou a ocupar cada vez mais destaque. A
novidade no setor são as células a combustível, que transformam
hidrogênio em energia elétrica por um processo eletroquímico.
O hidrogênio é uma forma de armazenar e transportar energia,
além de interligar várias fontes, explica Peres. Nesse caso,
o hidrogênio desempenha o papel de vetor energético. Como
forma de produzir energia estacionária, equipamentos a base de hidrogênio
podem virar alternativas aos geradores convencionais, que além dos efeitos
poluentes atmosféricos, guardam o inconveniente de não poderem ser
usados em qualquer lugar, por causa do funcionamento ruidoso. Outra vantagem é
o fato de a eficiência do equipamento alternativo independer das dimensões,
o que não ocorre no caso das turbinas. Assim, no futuro, poderemos
nos valer de um conjunto de pequenas estações, sem o dispêndio
de uma grande, diz o físico. Ele
adianta estar buscando parcerias com empresas privadas nacionais e do exterior
para a montagem de equipamentos a serem usados em diversas aplicações,
inclusive em escolas. O que também nos favorecerá é
a tendência de, em pouco tempo, esses estabelecimentos adotarem as lâmpadas
compactas, um dos recursos indicados para a redução do consumo,
aposta o pesquisador.
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