Estrategista prevê crises piores
Geraldo Cavagnari Filho alerta para perigo que cerca
o transporte modal e defende Angra III

CARLOS LEMES PEREIRA

ÁLVARO KASSAB

A nova “idade das trevas”, enunciada em pleno início do terceiro milênio e que tanto tem tirado o sono dos brasileiros, será “fichinha” perto das novas crises que rondam a nação a curto prazo. Tudo “por culpa da falta de visão estratégica e de honestidade do governo federal”. O prognóstico, nada animador, e embalado por uma crítica decididamente ácida, é de Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, fundador e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp.

Para impulsionar sua avaliação além da ameaça pontual de um colapso energético, Cavagnari Filho usa como munição as suas qualificações de coronel da reserva do Exército, diplomado em Altos Estudos Militares e em Inteligência Estratégica, além do instrumental que lhe confere o Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP, do qual é professor convidado.

“Essa crise revela, antes de tudo, a íncúria do governo no campo energético. Assim como faltou visão estratégica, planejamento estratégico, faltou também seriedade e até mesmo honestidade ao governo. Por esse precedente, é de se temer que o país não esteja livre de outras crises de tal magnitude”, denuncia o especialista.
Para Cavagnari Filho, o perigo mais eminente cerca o nosso sistema de transporte modal. “Se não forem realizados investimentos rápidos e consistentes na recuperação, modernização e expansão da infra-estrutura de todo o conjunto – incluindo-se aí desde as rodovias, ferrovias e hidrovias, até os portos e aeroportos –, haverá, em curto prazo, uma nova crise”, prevê o estrategista. “E creio que mais grave ainda”, reforça.

Alcatéia – Porém, enquanto o resto da “alcatéia de lobos maus” ainda não atacou de fato, Cavagnari Filho tenta contribuir para o esforço nacional de fortalecimento da área energética, com vistas a eliminar – ou ao menos reduzir – as possibilidades de repetição dos atuais problemas nos anos seguintes. “Há uma necessidade imperiosa de se adotar uma nova matriz energética”, propõe ele, até chegando a reconhecer que “não há dúvidas de que isso já está sendo feito, de certo modo, fortemente estimulado pela atual crise”.

Lembrando que, até agora, mais de 90% da energia elétrica consumida em todo o território nacional é gerada por hidroelétricas, o pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos adverte: “É um risco enorme depender de uma única fonte na produção de energia”.

“Assim, na nova matriz a ser adotada pelo Brasil, outras fontes de energia deverão ter uma participação significativa, inclusive o gás que é importado da Bolívia e da Argentina”, relaciona o pesquisador.

Polemizando – Para compor esse mix de opções, Cavagnari Filho não descarta nem mesmo uma das alternativas que carregam o peso histórico da controvérsia: “Eu sou favorável à construção de usinas nucleares; elas devem participar da nova matriz energética brasileira. É uma fonte de energia limpa”, defende o pesquisador. “A segurança nuclear vem se aperfeiçoando muito, já é bem mais confiável que há vinte anos e a tendência é melhorar o padrão de confiabilidade ainda mais”.

O professor baseia sua tese em uma tendência internacional: “É sabido que os Estados Unidos, por exemplo, já pretendem investir em novas usinas nucleares”.
No caso do Brasil, Cavagnari Filho se vale de dois argumentos que considera fortes: “Todo o equipamento necessário à construção da usina nuclear Angra III já foi adquirido e está pago. O país não pode jogar fora o dinheiro gasto. Logo, justifica-se a construção. Além disso, as reservas brasileiras de urânio são bastante significativas, não gerando, dessa forma, nenhuma dependência externa quanto a esse insumo”.

Incompetência – Outra crítica que o estudioso do NEE tece ao governo federal é quanto ao relacionamento comercial que as autoridades vêm mantendo com as concessionárias de energia elétrica, principalmente no tocante ao processo de regulação do setor. Considerando-se que, atualmente, a maioria dessas empresas é da iniciativa privada, Cavagnari detecta elementos de desestruturação no caso: “O processo de privatização do setor foi conduzido com incompetência. Bastou a ameaça do apagão para o governo acelerar a privatização das geradoras”.

Mais do que simplesmente privadas, muitas das novas concessionárias em atividade são de natureza transnacional. No entanto, como especialista em estratégia, o professor tranqüiliza: “Mesmo que a presença estrangeira venha a ser dominante no campo energético brasileiro, não deverá haver riscos à soberania nacional”.
O alívio de se ter razoavelmente longe o perigo de uma “colonização via interruptores”, entretanto, não chega a ser suficiente para aplacar os custos sociais que, segundo o pesquisador, a população pagará por conta das atuais contingências na área energética.

“Repito sumariamente o que outros analistas já disseram. O impacto dessa crise na nossa economia deverá ser muito grande. O crescimento econômico neste ano e em 2002 deverá ser menor do que o previsto. O desemprego aumentará e a renda média dos trabalhadores ficará estacionada”, enumera Cavagnari Filho.

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O gás natural como curinga

JOAO MAURICIO DA ROSA

ÁLVARO KASSAB

A termeletricidade produzida a partir do gás natural pode não ser bem aceita no mundo ecologicamente correto, pois é considerada uma energia suja que emite poluentes nocivos à camada de ozônio e acelera a produção do chamado efeito estufa. Mas, na falta de outras matrizes energéticas, porque não utilizá-lo com as devidas precauções?
Denis Schiozer (foto ao lado), coordenador do Cepetro (Centro de Estudos do Petróleo) da Unicamp, afirma que o gás natural tem grande potencial de crescimento no Brasil e que pode fazer parte da estratégia governamental para combater a escassez de energia. “É preciso diversificar a matriz energética para reduzir a dependência do país às usinas hidroelétricas. Entre 10% e 12% da energia consumida em vários países é obtida do gás natural. No Brasil, este percentual ainda está entre 2% e 3%”, justifica Schiozer, da primeira turma de mestrado em Engenharia do Petróleo, curso inaugurado pela Unicamp em 1988 junto a Faculdade de Engenharia Mecânica.

Schiozer é especialista em exploração e produção de reservas de petróleo, área de pesquisa que busca encontrar o combustível nas bacias sedimentares brasileiras e produzir óleo e gás da melhor forma possível, integrando geociências, engenharia e economia.
Atualmente, segundo ele, a Petrobrás explora reservas de gás, principalmente no Rio de Janeiro, Bahia e Bolívia. No Brasil, como combustível, o gás já é utilizado em veículos como táxis e coletivos, mas no geral a utilização é pequena se comparada ao seu potencial. O professor também conhece as críticas ao combustível como fonte de eletricidade. “Não é limpo como as hidroelétricas, nem tão seguro, mas com o governo atuando rigidamente como regulador, pode ser a alternativa para a escassez de energia”, argumenta.

Este controle governamental deve ser o mais severo, segundo o professor, pois a exploração de energia, um setor estratégico para qualquer país, terá grande presença de companhias estrangeiras. “Isso pode ser bom para o governo, pois estas companhias estão investindo pesado em exploração e produção, coisa que a Petrobrás sozinha não tinha condições de fazer. O Brasil ganha impostos e royalties dos produtos, mas é preciso ter cuidado com o meio ambiente e com o planejamento a longo prazo”, diz.

Especialistas – A área de petróleo e energia é bem especializada e, com o novo papel regulador do Estado, o país precisa de profissionais capacitados para atuar na área e garantir o sucesso a longo prazo. Até muito recentemente, o Brasil tinha poucos especialistas fora da Petrobrás que pudessem dialogar de igual para igual com as grandes corporações multinacionais que estão entrando no mercado nacional de energia. A Unicamp foi uma das pioneiras na área com o curso de Engenharia do Petróleo.

Agora, o professor acha importante o governo brasileiro reforçar a idéia de aliança com universidade e centros de pesquisa para preservar o interesse do país em uma área estratégica como a do petróleo. “A empresa estrangeira vai fazer o que é melhor para ela e as atividades de exploração e produção de petróleo envolvem meio ambiente, segurança e saúde por ser uma área estratégica. Por isso, o país precisa contar com centros de pesquisas e agências fortes para traçar políticas de longo prazo. Na crise de energia, isso não foi feito e devemos aprender com mais esse problema”, avisa.

 

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