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Jornal da Unicamp 179 - Página 4

1 a 7 de julho de 2002
Agora semanal


Reciclagem de chumbo é inadequada, aponta tese

Estudo mostra que empresas do setor precisam investir em equipamentos de segurança

Manuel Alves Filho

As medidas de controle ambiental adotadas por algumas empresas brasileiras que reciclam chumbo estão dentro de um padrão razoável, mas ainda são insuficientes para evitar possíveis contaminações. A conclusão faz parte da dissertação de mestrado de Iraci Pereira Machado, apresentada à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. De acordo com ela, que analisou os processos de reciclagem e as instalações de três empresas, o setor, considerado potencialmente poluente, precisa fazer maiores investimentos em equipamentos e em gerenciamento. Os resíduos do chumbo, quinto metal mais utilizado na indústria, são classificados pelas normas brasileiras como 'perigosos'. Absorvidos pelo organismo humano, eles podem causar anemia crônica e problemas ósseos, além de atacar o sistema nervoso central.

De acordo com Iraci, ninguém discute que a reciclagem do chumbo é recomendada tanto do ponto de vista ambiental quanto do econômico. O Brasil não possui jazida comercialmente aproveitável do metal, o que obriga o país a importá-lo. O reaproveitamento não só alivia a balança comercial, como resolve um problema de disposição final do material, empregado principalmente na fabricação de baterias de automóveis, ônibus e caminhões. Só para se ter uma idéia, a frota brasileira é composta por cerca de 18 milhões veículos. O potencial de reciclagem, apenas nesse segmento, é de aproximadamente 65 mil toneladas ao ano.

O problema, segundo Iraci, está justamente na forma de gerenciamento da reciclagem. O processo é feito em duas etapas. Primeiro, os componentes das baterias (plástico e metal) são separados hidraulicamente. Depois, o metal é fundido. Ao longo desse trabalho, ocorrem emissões de gases e efluentes, ambos contaminados com o chumbo. Conforme a pesquisadora, um dos obstáculos para que as indústrias alcancem um patamar seguro no que se refere ao controle da poluição que geram é o alto custo dos equipamentos. Para evitar a contaminação do ar e da água, as recicladoras devem contar com filtros, lavadores de gases e sistemas de exaustão e de tratamento de efluentes. "Não tem como trabalhar de forma segura sem que as empresas estejam adequadamente equipadas", ressalta.

De maneira geral, diz a autora da dissertação, as grandes recicladoras vêm investindo em tecnologia de controle ambiental. Mas mesmo nessas empresas o monitoramento é limitado. "Qualquer descuido pode causar um grave problema ao meio ambiente", adverte Iraci. O que dizer, então, as indústrias menores? A resposta a esta questão pode ser encontrada com alguma freqüência nas páginas dos jornais. Somente nos últimos 12 meses, a imprensa noticiou a interdição de três unidades. Nenhuma delas atendia às exigências mínimas impostas pela legislação vigente.

A pesquisa desenvolvida por Iraci apontou, ainda, dois outros problemas em relação à reciclagem do chumbo. Um deles refere-se à escória obtida ao final do processo. De cada tonelada de metal reaproveitado, são gerados entre 150 e 300 quilos de resíduos. Esse material, que está contaminado pelo chumbo, normalmente é armazenado na área da própria recicladora ou disposto em aterros industriais. Os dois procedimentos oferecem riscos à natureza. Segundo a pesquisadora, somente nos últimos alguns grupos estão promovendo estudos com o objetivo de encontrar alternativas para o emprego da escória. Uma possibilidade aventada é o seu uso no lugar da brita, após tratamento adicional.

O outro problema identificado por Iraci diz respeito à falta de uma sistemática para o recolhimento das baterias, cuja vida útil gira em torno de três anos. De acordo com o orientador da dissertação, professor Waldir Antonio Bizzo, as baterias sempre chegam ao reciclador, mas ninguém sabe como isso ocorre. "Infelizmente, a legislação não estabelece uma forma segura e controlada para a coleta das baterias", afirma. Resultado: pequenas oficinas mecânicas costumam despejar o ácido das peças no esgoto, para reduzir o seu peso e facilitar o transporte. "Esse ácido está contaminado com chumbo, o que pode comprometer o curso d'água para onde ele será levado", alerta Bizzo.

Estudo disseca as propriedades letais do arsênio

Durante quatro anos a professora e pesquisadora Aloísia Laura Moretto freqüentou os laboratórios do Instituto de Química (IQ) da Unicamp investigando um elemento químico com poderosas propriedades letais: o arsênio, elemento de número atômico 33, que na forma metálica é de cor acinzentada.

As conclusões de suas investigações resultaram na tese Determinação de arsênio por espectrometria de absorção atômica com geração de hidreto em um sistema de injeção em fluxo, realizada recentemente junto ao Departamento de Química Analítica do IQ/Unicamp, sob orientação da professora Solange Cadore. Nos sistemas biológicos, os íons metálicos (átomos carregados positivamente) podem desempenhar dupla função, pois enquanto alguns são indispensáveis à vida como o potássio e o cálcio, outros são considerados tóxicos como o arsênio, o mercúrio e o chumbo, podendo provocar no homem a perda das funções vitais e a deformidades de órgãos quando presentes em quantidades elevadas.

Empregado na indústria química (herbicidas, de pesticidas e na fabricação de vidros) e ainda na produção de semicondutores, o arsênio e seus compostos, principalmente os inorgânicos (quando não produzidos por um organismo animal ou vegetal), são altamente tóxicos quando inalado, ingerido ou absorvido. Ou seja, os compostos contendo arsênio inorgânico são consideravelmente mais venenosos que os derivados orgânicos, como o ácido monometilarsênico e o ácido dimetilarsênico. A contaminação dos solos e águas, segundo Aloísia, pode ser de origem natural ou de origem antropogênica. Na biosfera, a literatura mostra que a água de mar não poluída e a crosta terrestre contém respectivamente teores da ordem de duas a três microgramas por litro e duas microgramas por quilo para compostos inorgânicos de arsênio, enquanto que a concentração na fauna e flora marinha é mais elevada, variando de 1 a 30 microgramas por grama caracterizados em compostos organo-arsênicos de baixa toxidade.

"Quando o arsênio é introduzido no organismo humano – seja ele orgânico ou inorgânico – ele é rapidamente convertido a espécies altamente tóxicas que reagem com os grupos sulfidrilas (gás) das proteínas, inibindo e bloqueando os processos celulares do indivíduo", diz a pesquisadora. Por outro lado, o arsênio pode também ser introduzido por ingestão, inalação e absorção que, em 24 horas os compostos contendo arsênio se distribuem em diferentes órgãos do corpo humano como fígado, baço, rins e pulmões. Os sintomas mais comuns são vômitos e diarréia, quando ocorre a ingestão, náuseas, vertigem e dispnéia, quando há inalação. Quando o indivíduo fica exposto por muito tempo aos compostos inorgânicos, pode ocorrer o aparecimento de câncer pulmonar ou de pele. Foram analisadas também amostras de água de rios do interior de minas de ouro desativadas da região de Ouro Preto. Sabe-se que o arsênio se encontra na natureza em quantidades muito pequenas em minérios de ouro, antimônio, manganês, sendo a arsenopirita, que contém ferro, enxofre e arsênio, a que mais contribui para a sua obtenção. (A.R.F.)