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Mal remediável
Teste para detectar surdez genética ganha prêmio e pode virar lei
LUIZ SUGIMOTO
A deficiência auditiva é o problema sensorial de maior incidência na população. Em mil crianças nascidas no Brasil, de duas a sete apresentam problemas de surdez. O diagnóstico precoce até os seis meses de idade é crucial para o desenvolvimento do bebê, mas isso não ocorre. Um método de teste para diagnóstico de surdez de origem genética, adaptado pela doutora Edi Lúcia Sartorato, da Unicamp, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Governador do Estado em 2001 e um projeto de lei está tramitando na Assembléia Legislativa para torná-lo obrigatório em unidades públicas de saúde paulistas. E, importante, gratuito. A pesquisa será divulgada em pôsteres e foldes durante o Salão de Inovação Tecnológica.
O mérito do teste, patenteado para garantir sua aplicação correta, é a facilidade de diagnóstico. “Ele era feito de maneira mais sofisticada e conseguimos um método rápido, prático e barato”, explica Edi, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG). A partir de um pedaço de papel absorvente que pode ser o usual em testes de sangue ou mesmo um filtro para café , coleta-se o sangue e se obtém resultado preciso.
O estudo das causas genéticas de surdez avançou significativamente nos últimos quatro anos. O projeto “Aplicação das técnicas de biologia molecular no diagnóstico etiológico da surdez”, financiado pela Fapesp, teve início em 1999. O avanço nas pesquisas tornou evidente a importância dos estudos de mutações no gene da conexina 26, especificamente a mutação denominada 35delG (herdada de pai ou mãe), a mais freqüente observada até hoje em caucasóides. Estima-se que ela acometa uma em cada 5.000 crianças brasileiras. “A conexina 26 é uma proteína essencial para o funcionamento normal do ouvido interno”, explica Edi.
O teste para surdez pode ser feito juntamente com o do “pezinho”, que atualmente permite apontar até 80 patologias em recém-nascidos. A importância maior está na detecção precoce da mutação. “A criança pode nascer ouvinte, mas fatalmente ficará surda. Existem casos em que a deficiência se manifesta somente na fase adulta, mas não conhecemos pessoas que tenham a mutação e não fiquem surdas”, alerta Edi.
Portanto, é possível, em algumas situações, um diagnóstico predi-tivo, naqueles indivíduos afetados pela mutação no gene da conexina 26, ainda sem manifestação da surdez. As conseqüências dessa predição, no âm-bito social e familiar, são enormes, seja em relação a prevenção da surdez ou no auxílio e redução de custos destinados à educação especial desses indivíduos, seu tratamento médico e decisão profissional.
Planejamento A surdez de origem genética, portanto, não tem cura. “Mas podemos trabalhar para que a criança aprenda a falar antes de perder totalmente a audição. Detectando o problema na principal fase de seu desenvolvimento cerebral, temos como atuar para assegurar sua inclusão no meio social”, ressalta a pesquisadora. No Brasil, percebe-se a deficiência aos três anos de idade, em média. “É quando a mãe começa a se preocupar porque o filho não fala. Nesse período, o casal pode ter tido outro bebê, e com o mesmo problema genético, pois a chance de outro filho surdo é de 25%. A detecção precoce daria aos pais a chance de um planejamento familiar em função dos riscos”, pondera.
Gradativamente, as linhas de reabilitação, tanto oralistas quanto manualistas, vão se aperfeiçoando de modo a permitir o melhor desenvolvimento dos indivíduos afetados e sua perfeita integração social. A criança surda pode perfeitamente freqüentar a escola com ouvintes, desde que esteja preparada para isso e possa falar. “O ideal é que o diagnóstico ocorra até os três meses de idade e, a intervenção para reabilitação, até os seis meses. O exame também serve como alívio para a mãe, que ao conhecer a causa da deficiência do filho, livra-se de culpas”, acrescenta Edi. Qualquer pessoa pode verificar, por esse teste, se é portadora da mutação: tanto aqueles que desconhecem a causa da surdez, como os que trazem histórico na família.
Incidência A mutação 35delG é mais comum na Europa, onde está presente em 1 entre 51 indivíduos; na Itália, a proporção chega a ser de 1 para 32. A surdez ocorre em 25% dos descendentes de pais e mães que possuem mutação, pela combinação dos pares de genes. Como boa parte da população brasileira é descendente de europeus, está sendo realizado um levantamento para se detectar a incidência exata de portadores da mutação no país.
A maioria das ocorrências de surdez no Brasil, de acordo com Edi, tem causas não-genéticas, classificadas de ambientais, como rubéola, traumatismo de parto, complicações perinatais, meningite e uso de determinados medicamentos durante a gestação. Com o aumento da atenção à saúde materno-infantil, os casos ambientais tendem a diminuir e, os casos genéticos, a crescer progressivamente, o que torna o teste fundamental.
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