Edição Especial - Jornal da Unicamp 183 -  30 de julho a 3 de agosto de 2002
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A inovação na vitrine

A Unicamp traz para o Salão de Inovação Tecnológica pelo menos 15 trabalhos desenvolvidos por pes-quisadores da área de tecnologia. Produtos, equipamentos e sistemas inovadores estão apresentados em forma de pôsteres e kits de experimentos em um estande de 75 metros quadrados, no Expo Center Norte. O tomógrafo para identificar o teor de fluídos no meio poroso – processo fundamental na extração de petróleo – e os robôs construídos com peças de brinquedos Lego para auxiliar em programas de educação são alguns frutos dessas pesquisas.

Além de dar maior visibilidade aos estudos desenvolvidos dentro dos campi, o Salão serve como um termômetro. “Vamos ouvir do público a opinião sobre o que fizemos e saber dele o que ainda pode ser feito”, afirma o pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp, Rubens Maciel Filho. O pró-reitor acredita que esta participação atenta os pesquisadores para a importância de se fazer pesquisa para a indústria.

O Salão de Inovação Tecnológica tem o objetivo de promover uma perfeita integração entre governo, iniciativa privada e centros de pesquisa. Entre os expositores estão empresas como Philco, Tigre, Deca e Tam, ao lado de instituições como Associação Brasileira de Energia Nuclear, Centro Técnico Aeroespacial, Centro Tecnológico da Marinha de São Paulo, Laboratório de Produtos Florestais/Ibama, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Usiminas.

Esta edição, distribuída exclusivamente aos visitantes do Salão, traz trabalhos e opiniões de pesquisadores da Unicamp sobre inovação tecnológica.

Crianças observam mecanismo montado com peças 'Lego': bincando e aprendendoNied acerta na mosca

MANUEL ALVES FILHO

O Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp desenvolve pesquisas em torno do uso educacional do computador. Desde que foi criado, há 19 anos, o Nied tem trabalhado na definição de métodos que permitam aos estudantes, principalmente de escolas públicas, construir o conhecimento com o auxílio da informática. Há cerca de dez anos, o Núcleo levou o conceito também às empresas, com a finali-dade de melhorar o nível de formação dos funcionários.

“A pessoa que atua numa linha de montagem, por exemplo, não é um Zé Nin-guém. Ela quer e precisa ser esclarecida sobre os aspectos que envolvem sua atividade. Para facilitar essa tarefa, nós estamos desenvolvendo softwares e atividades computacionais que ajudam na qualificação dos trabalhadores”, explica José Armando Valente, um dos coordenadores do Nied.

Batizado de “Dinamização da Formação e Aprendizagem nas Empresas”, o projeto faz uso de algumas ferramentas, como os jogos interativos, para facilitar a captação por parte dos trabalhadores dos conceitos subjacentes necessários ao entendimento e melhoria dos processos produtivos. Um bom exemplo é o “Jogo do Alvo”, software que aborda conceitos e técnicas de Controle Estatístico de Processos (CEP), cujo princípio está ligado à qualidade dos produtos.

Como o nome sugere, o “Jogo do Alvo” usa a metáfora e a representação do “tiro ao alvo” com o objetivo de obter, no contexto de um game, um conjunto de valores que representam amostras da fábrica. Com esses valores, pode-se gerar os gráficos (cartas de controle). A qualidade, nesse caso, é entendida como a uniformidade dos tiros em torno do centro do alvo. “Trata-se de uma atividade lúdica, mas que une conhecimento, informação e conceito, aspectos fundamentais para serem usados numa linha de montagem”, afirma o professor Valente.

Os operários aprendem que não se trata apenas de saber realizar um determinado tipo de tarefa, mas sim de entender a razão dela ser executada daquela maneira. Os resultados desse tipo de trabalho junto às empresas, afirma Valente, têm sido altamente animadores. No modelo de formação tradicional, os operários teriam que deixar a linha de montagem e se dirigir até uma sala, onde teriam aulas teóricas, com várias anotações na lousa.

Mão na massa – Com o suporte da informática, eles não só continuam no ambiente de trabalho, como aprendem a fazer fazendo, ou seja, com a mão na massa. “Além disso, ainda surge um subproduto desse aprendizado, que é o contato com a informática”, destaca o pesquisador. Após avaliação feita junto aos funcionários de uma empresa da região de Campinas, os pesquisadores do Nied constataram que 98% das pessoas aprenderam, nas situações propostas pelo jogo, a usar o computador.

Já a performance delas no posto de trabalho teve uma melhora significativa, o que resultou num aumento da produtividade em torno de 5%, segundo informações da diretoria. “Tudo isso tendo como única novidade a melhoria da formação do pessoal. Não houve gastos com equipamentos e nem com contratação de mais pessoas”, esclarece o pesquisador do Nied.

Mary Ann e Vera do CPQBA: sucesso na adaptação de uma árvore da China em clima brasileiroPlanta contra a malária

RAQUEL DO CARMO SANTOS

A Artemísia annua é uma planta de origem chinesa utilizada há pelo menos 15 séculos no combate à malária. Desde 1988, ela vem sendo estudada meticulosamente por especialistas do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, na tentativa de se alcançar o know-how que só a China detinha para a produção de um dos remédios mais eficazes no tratamento da doença. Os testes foram positivos. E as pesquisadoras Vera Rehder e Mary Ann Foglio comemoram um pacote tecnológico pronto, que inclui pesquisas de adaptação climática, produção e atividades farmacológicas da planta, além da negociação do repasse do produto para a indústria. A Fiocruz é uma das mais interessadas, pois a instituição importa a substância para a produção do fármaco.

As plantações de Artemísia annua geralmente são feitas em clima temperado de países como a China e do sudeste europeu. Por isso, a etapa mais difícil da pesquisa foi conseguir seu cultivo na região de Campinas, extraindo dela os teores do princípio ativo artemisinina, semelhantes aos obtidos pelos chineses. “Chegamos a uma árvore de dois metros de altura com bastante teor da substância”, diz Mary Ann. Ela explica que a árvore também possibilitou a extração dos derivados arteméter e artesunato de sódio, que representam duas alternativas seguras e eficazes no tratamento da doença e, que por serem solúveis em óleos e água, permitem a aplicação na forma endovenosa e intramuscular. O medicamento tradicional é aplicado em forma de supositório.

“Os estudos ainda identificaram a planta como rica em princípios ativos que podem levar a descobertas no combate ao câncer, úlcera e determinados fungos e bactérias”, acrescenta Vera Rehder. No Brasil, o CPQBA é o único centro de pesquisas que concentra grande número de trabalhos sobre a Artemísia annua. Segundo Vera, o remédio contra a malária é pioneiro e o mais completo em termos de investigação. Ao longo dos anos, com base neste tema, já foram defendidas quatro teses de doutorado, quatro dissertações de mestrado e publicados mais de 20 artigos científicos, além de registrada uma patente.

A doença

A malária é uma doença infecciosa causada por um protozoário do gênero Plasmodium, que aniquila os glóbulos vermelhos do sangue, tornando as pessoas anêmicas. É transmitida pela picada do mosquito Anopheles. A cada ano são registrados 500 mil novos casos no Brasil, levando cerca de dez mil pessoas ao óbito. Esses índices são superiores aos observados na Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids), o que a coloca como infecção humana mais devastadora. Embora atinja principalmente países de clima tropical, o desenvolvimento agrícola, a resistência dos mosquitos aos inseticidas, os fluxos migratórios e o aquecimento global têm colaborado no aparecimento da malária em locais onde já havia sido extinta ou onde não existiam relatos da doença.