Especialistas de universidades
latino-americanas e européias participam de evento na Unicamp
Seminário internacional debate C&T e desenvolvimento sustentável
Clayton Levy
O processo de internacionalização das instituições de ensino superior e o papel das universidades latino-americanas na consolidação do desenvolvimento sustentável estão entre os principais temas do “1º Seminário Internacional sobre Ciência e Tecnologia na América Latina: a universidade como promotora do desenvolvimento sustentável”, que a Unicamp promove no dia 30 de julho. O encontro, que será aberto pelo reitor Carlos Henrique de Brito Cruz e contará com a participação de especialistas da América Latina e da Europa, será um evento paralelo à 12ª Conferência Geral da IAU (International Association of Universities - http://www.unesco.org/iau/gc-brazil/index.html) , organizada pela USP, Unicamp, Unesp, UNIFESP e UFSCar e sediada na Universidade de São Paulo (USP) de 25 a 29 de julho. A 12a Conferência da IAU terá como tema “A Riqueza da Diversidade - O Papel das Universidades na Promoção do Diálogo e do Desenvolvimento!” Em entrevista ao Jornal da Unicamp, o coordenador da Coordenadoria das Relações Institucionais e Internacionais (CORI), Luís Cortez, fala sobre os objetivos do debate.
JU - De que maneira as universidades latino-americanas participam do debate sobre desenvolvimento sustentável?
Cortez - Discutindo a inserção desse conceito nos currículos da graduação e da pós-graduação. Também se discutem as propostas de cursos de extensão sobre esse tema para a comunidade bem como cursos para os funcionários das próprias universidades. Quanto às implicações do conceito de desenvolvimento sustentável no âmbito internacional não faz sentido, por exemplo, estudar uma bacia hidrográfica só do lado brasileiro, já que para o equilíbrio ambiental o outro lado também é importante. Essa integração regional é, portanto, muito importante.
JU - Por que fazer um evento na seqüência do evento da IAU com a participação apenas das universidades latino-americanas?
Cortez - Porque certas questões que serão debatidas na 12a Conferência Geral da IAU em São Paulo, dizem respeito particularmente à América Latina, como por exemplo a internacionalização da educação superior. Isso implicará na entrada de universidades de países desenvolvidos no Brasil, bem como em toda a América latina. Esse é um ponto crítico nas discussões. Na percepção de grupos importantes, o processo de privatização associado à internacionalização venha a acelerar a deteriorização do ensino superior.
JU - A Unicamp compartilha dessa visão?
Cortez - A Unicamp compartilha da visão de que a presença das instituições privadas não pode ser predatória. Não podemos nos colocar contra o ensino superior privado. No entanto há que se obedecer certas regras. Há, por exemplo, instituições privadas que têm uma preocupação social bastante grande. O ideal seria que o estado tivesse condições de atender a toda demanda. Atualmente, porém, cerca de 75% das vagas estão nas mãos do ensino privado. Isso é preocupante.
JU - Esse quadro se repete em outros países latino-americanos?
Cortez - Não tenho conhecimento de que em outros países latino-americanos tenha havido uma expansão de instituições privadas tão rápida quanto no Brasil. Talvez o México apresente uma situação semelhante. Em alguns países, como por exemplo o Chile, está havendo um avanço bastante grande das instituições privadas internacionais. Lá houve uma mudança importante nas universidades públicas. Elas passaram a ter o ensino pago, com parte significativa do orçamento já composto por taxas escolares. É quase uma situação de “estado empresário”, diferente da nossa filosofia, que defende o ensino gratuito e a autonomia universitária. Mas não acredito que isso venha a ocorrer em larga escala no Brasil. Acredito que as instituições estrangeiras que por acaso vierem a operar no Brasil estarão em busca de nichos de mercado. Não acredito que veremos grandes universidades oferecendo um número importante de vagas.
JU - Esse aumento no índice de privatização dificulta o relacionamento entre as universidades latino-americanas?
Cortez - Dificulta porque passamos a falar linguagens diferentes. A própria participação em redes de trabalho, como a AUGM, sofre impactos negativos. O Chile praticamente não tem participado provavelmente porque as universidades públicas chilenas raciocinam em termos de orçamento. Isso dificulta até mesmo o intercâmbio de estudantes. O relacionamento entre as instituições tem ficado mais limitado basicamente entre Argentina, Brasil e Uruguai. A maneira “privada” de gerenciar a universidade pública pode levar a um bloqueio no processo de intercâmbio, sobretudo estudantil.
JU - A internacionalização poderia ser útil à inovação tecnológica?
Cortez - Desse ponto de vista a parceria é interessante. O Politécnico di Torino, por exemplo, tem um programa de inovação na área de tecnologia sem fio. Essa é uma parceria que nos interessa muito. Tivemos contatos há um ano para estreitarmos as relações. Outro pólo que nos interessa em termos de parceria é o conjunto de universidades e centros de pesquisa de Montpelier, na França. Esse processo de internacionalização está apenas começando. O Brasil fez um grande esforço nas décadas de 70 e 80 para formar doutores no exterior. Grande parte dessas pessoas voltou e replicou esse processo, o que possibilitou a formação de bons programas de pós-graduação. Agora temos de dar seqüência ao processo criando condições para a inovação tecnológica.
JU - Como o senhor disse, o Brasil já dispõe de bons cursos de pós-graduação, que possibilitam a formação de oito mil doutores por ano. Mesmo assim, o conhecimento gerado ainda não é transformado em riqueza. Essa situação também se repete nos outros países latino-americanos?
Cortez - Com certeza. Temos grande potencial de recursos mas ainda falta desenvolver tecnologias adequadas para agregar valor aos produtos.
JU - Existe a perspectiva de as universidades latino-americanas se articularem de maneira a incrementar projetos conjuntos voltados para a inovação tecnológica?
Cortez - Isso já vem sendo feito. Há, por exemplo, um intercâmbio crescente entre Brasil e Argentina na área de tecnologia. Mas é preciso considerar a enorme disparidade existente entre os países da América Latina. O Brasil poderia fazer mais facilmente esse tipo de articulação apenas com alguns paises, como México, Chile e Argentina.
JU - Qual é o papel das universidades latino-americanas nesse processo articulado de inovação tecnológica?
Cortez - Um caminho é incentivar a inserção dos alunos que acabaram de defender suas teses em incubadoras de empresas. Nós precisamos de gente com muita energia. Quanto mais investirmos no micro-empresário que estabeleceu o seu negócio a partir de uma empresa de base tecnológica, maiores serão as perspectivas de alavancarmos a inovação e obtermos produtos. Também acredito muito na segmentação das incubadoras. Num primeiro momento é natural a ênfase em incubadoras que abriguem empresas de vários segmentos. Mas num segundo momento seria interessante incentivar o surgimento de incubadoras temáticas. Da mesma forma que já temos, por exemplo, o Softex, também podemos ter incubadoras voltadas para o agronegócio, por exemplo.
JU - Em maio do ano passado, a Unicamp abrigou a 35ª reunião do Conselho de Reitores da AUGM. Na época, os participantes defenderam a criação de um fórum regional capaz de discutir as políticas de ciência e tecnologia e ensino superior. Em que aspecto foi possível avançar de lá para cá avançou?
Cortez - Temos avançado em termos numéricos. Aumentamos o número de intercâmbios, principalmente com a Argentina, tanto no que diz respeito ao intercâmbio de estudantes quanto em projetos conjuntos. Já estamos com 400 alunos de outros países latinos estudando na Unicamp. É um processo crescente. Talvez agora seja uma boa idéia tentarmos alguma parceria com a Argentina para implementação de incubadoras de empresas.