No que interessaria a uma grande empresa que planeja implantar depósitos ou escritórios pelo país, formigas virtuais percorrem a tela do computador exalando maior ou menor quantidade de feromônio para indicar as melhores opções de localização, segundo uma série de critérios econômicos, envolvendo inclusive densidade populacional. “Numa demonstração do potencial dessa ferramenta, problemas de grande interesse prático são resolvidos. Exemplo: registrando no mapa do Brasil as 186 cidades mais populosas, chega-se às melhores localizações para a instalação de um número fixo de escritórios ou pontos de distribuição. Considerando apenas a densidade populacional, o Estado de São Paulo é sempre contemplado, especialmente a região de Campinas”, exemplifica o professor Fernando José Von Zuben, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp.
Von Zuben coordena o recém-inaugurado Laboratório de Bioinformática e Computação Bio-inspirada (LBiC), que nasceu centralizando pesquisas de 21 pós-doutorandos, doutorandos, mestrandos e alunos de iniciação científica. O LBiC é mantido totalmente por projetos de pesquisa financiados pelo CNPq e pela Fapesp. Além do novo laboratório, a computação bio-inspirada é tema do livro Recent Developments in Biologically Inspired Computing (Idea Group Publishing), organizado pelo professor da FEEC e por Leandro Nunes de Castro, professor do Programa de Mestrado em Informática da Universidade Católica de Santos e colaborador do LBiC, que assinam o capítulo introdutório. Ao todo, são 16 capítulos com autores de dez países: Japão, França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Portugal, Espanha e Brasil.
“O livro contempla todas as áreas bio-inspiradas, como sistemas imunológicos artificiais, colônias de formigas, comportamento coletivo de robôs, vida artificial e computação de DNA. Nosso objetivo foi gerar um leque de opções, homogeneizando os conteúdos que sustentam várias vertentes dentro da computação bio-inspirada. O projeto do livro contou com submissões de trabalhos que foram avaliados por um amplo corpo de revisores, resultando em capítulos conceituais e também no relato de experimentos avançados, como os de robótica autônoma pelos japoneses. São grupos realmente diversificados e deu muito trabalho encontrar a coerência por trás dessa divergência de pensamentos”, afirma Fernando Von Zuben.
O professor atribui a Leandro de Castro não apenas a idéia do livro, mas a própria viabilização de importantes linhas de pesquisa do laboratório hoje instalado na FEEC. “Ele já havia defendido sua tese de doutorado na FEEC/Unicamp e seguiu para um pós-doutorado na Inglaterra na mesma linha de pesquisa, quando então publicou, em co-autoria, o primeiro livro-texto em sistemas imunológicos artificiais. Com um Projeto de Pesquisa em Computação Bio-Inspirada, Leandro de Castro voltou ao Brasil para participar de um Programa de Fixação de Doutores (Profix) financiado pelo CNPq e me propôs esta nova obra. O sucesso de seu projeto de pesquisa foi fundamental para que as agências de fomento aprovassem outros trabalhos em computação bio-inspirada, os quais complementam a linha de atuação em bioinformática que já estava em andamento, dando origem ao nosso laboratório”, explica o pesquisador.
Leandro de Castro afirma que algoritmos computacionais bio-inspirados podem ser empregados com sucesso na solução de problemas de mineração de dados, incluindo agrupamento de informações na Web, assim como muitos outros problemas de engenharia e otimização, como em navegação autônoma de robôs, otimização combinatória e busca multimodal. Todas estas linhas de pesquisa estão em plena atividade no LBiC.
Ambiente Von Zuben lembra que colônias de insetos são estudadas há muito tempo, dentro e fora da biologia. Este estudo normalmente visa explorar aspectos da hierarquia e auto-organização, bem como relação sociais e o papel de cada indivíduo na colônia. Observa, porém, que esse trabalho dos naturalistas, com insetos e tantas outras espécies da fauna, nunca foi devidamente valorizado. “Não se acreditava, por exemplo, que mamíferos carnívoros utilizassem estratégias sofisticadas de caça, realizando ataques coordenados para enfraquecer a defesa de uma manada, separar uma presa e colocá-la na trilha com caçadores posicionados. Essa linha de pesquisa só foi reconhecida em 1973, com o Prêmio Nobel para o zoólogo austríaco Konrad Lorenz, por seu estudo comparativo do comportamento humano com o animal. Se hoje temos a computação bio-inspirada, é devido à migração do foco também para a observação da natureza”, critica.
Outra área também bio-inspirada é a modelagem espaço-temporal, que pode servir a pesquisas sobre reprodução de organismos celulares e crescimento de recifes de corais, dispersão de poluentes ou devastação de florestas, simulando cenários futuros a partir da dinâmica apresentada hoje. “No caso da existência de tubulações submarinas para transporte de petróleo, por exemplo, é possível chegar a um relatório de impacto ambiental muito mais confiável. Dentre inúmeras variáveis, é preciso considerar que haverá um tipo de impacto se as correntes trouxerem o óleo para a costa, e outro tipo de impacto se a direção for o alto-mar, e que nessas regiões as correntes mudam durante o ano”, ilustra Von Zuben.
Já num contexto mais científico, o professor da FEEC afirma que a computação bio-inspirada também pode auxiliar na modelagem de processos evolutivos naturais. “Dispomos de mais e mais tecnologia para mensurar o quanto uma espécie difere de outra, mas ignoramos a ancestralidade, ou seja, não testemunhamos o processo de diferenciação que levou ao que temos hoje. É preciso propor hipóteses para explicar esta diferenciação, sendo que a identificação das hipóteses mais verossímeis não pode ser realizada sem o auxílio de algoritmos computacionais sofisticados. Dentre as propostas que vêm sendo consideradas na literatura, os algoritmos bio-inspirados para inferência filogenética ocupam uma posição destacada”, aponta o pesquisador.
Na arte A computação bio-inspirada propõe soluções inclusive no campo da arte, voltada a pesquisadores que trabalham com o auxílio do computador ao artista e não necessariamente na produção de arte por computador. Em interação com o Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS) da Unicamp, o LBiC acolhe bolsistas que trabalham em síntese sonora, na produção de bases sonoras para composições. “Recorrendo-se a uma abordagem co-evolutiva inspirada em um sistema presa-predador, o objetivo dos sons ‘presa’ é se distanciar dos sons ‘predador’, e o objetivo destes últimos é se aproximar dos primeiros. Medindo-se no computador os atributos desses sons e a distância entre eles, viaja-se no espaço sonoro, produzindo vertentes sonoras bastante criativas”, explica Von Zuben.
Segundo o professor, outra área desafiadora para o laboratório é a de processamento de sinais, diante da rápida evolução das telecomunicações. Como pesquisador principal de um Projeto Temático financiado pela Fapesp e coordenado pelo professor João Marcos Travassos Romano (FEEC/Unicamp), ele trabalha no desenvolvimento de abordagens supervisionadas e não-supervisionadas para filtragem adaptativa. “Sem mencionar aplicações específicas, o objetivo básico está na exploração de tecnologias emergentes visando baratear projetos de telecomunicações e também estender funcionalidades de dispositivos já existentes”, explica.
Interação Fernando Von Zuben esclarece que o Laboratório de Bioinformática e Computação Bio-Inspirada trata essencialmente de problemas que sejam de difícil solução por meio de metodologias convencionais, sendo fundamental identificar peculiaridades que tornem interessante o tratamento por computação bio-inspirada. “Em vários problemas de bioinformática, por exemplo, não é relevante buscar a resposta ‘ótima’ (única), mas sim propor múltiplas soluções, todas atendendo a particularidades relevantes do problema. Depois, as alternativas serão apresentadas para análise, que pode se dar com base em vários cenários. Em suma, as especialidades do nosso grupo de pesquisa estão na atuação multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, de modo que o LBiC não se sustenta sem a interação com outros grupos de pesquisa, visando uma atuação conjunta, complementar e cooperativa”, finaliza.