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REFERÊNCIA

na saúde, HC chega aos 20




CAIUS LUCILIUS


Obras na década de 80O Hospital de Clínicas da Unicamp (HC) completa, em outubro, duas décadas de atividades alicerçadas no ensino, na pesquisa e na assistência. Os números traduzem a importância do complexo hospitalar para a população da região – quando completar 20 anos, o HC terá atendido cerca de 2 milhões de pacientes e efetuado 300 mil cirurgias. Não é por acaso que o hospital é o elo mais visível da cadeia de relações da Unicamp com a sociedade.

A primeira etapa de uma série de acontecimentos relacionados ao aniversário foi a inauguração, no dia 28 de junho, da nova área da Coleta de Exames da Divisão de Patologia Clínica do hospital. A nova área, que tem o dobro da capacidade anterior, está adequada à demanda atual do hospital, que recebe aproximadamente 600 pessoas por dia e faz a coleta de amostras para a realização de cerca de 390 tipos de exames feitos em diferentes materiais clínicos, entre os quais sangue, urina, líquido cefaloraquidiano e secreções. Por ano, são realizados em média 1,8 milhão de exames.

De acordo com o superintendente do hospital, Ivan Toro, estão previstas durante a semana de aniversário do HC (15 a 22/10), diversas atividades direcionadas ao público interno e aos pacientes, que terão inclusive o apoio da iniciativa privada. “Cabe destacar que estaremos promovendo ações festivas que valorizam o funcionário e a assistência. Em breve, detalharemos essa programação”, informa Toro.

A história do hospital começa em 1975, com o lançamento da pedra fundamental pelo então reitor Zeferino Vaz. Um dos mais antigos funcionários da instituição em atividade, o engenheiro Reinaldo Custódio lembra as inúmeras dificuldades enfrentadas naqueles anos. “Como não havia telefone nem rádio nas instalações da obra, o engenheiro calculista do hospital avisava que estava chegando de São Paulo por meio de vôos rasantes em um pequeno monomotor, sobre o canteiro de obras. Era o sinal para que uma perua Rural fosse buscá-lo no Aeroclube Campo dos Amarais”, recorda Reinaldo. Entre outras atividades, ele e o engenheiro calculista desciam de corda em centenas de tubulões (fundações) com 1,20 metro de diâmetro por 12 metros de profundidade, para inspecionar a perfuração. Depois, completa Reinaldo, ficava até as 22 horas calculando quantos metros cúbicos de concreto eram despejados em cada tubulão.

vista área do complexo hospitalar hoje: HC, que completa 20 anos em outubro, torna-se referência nacionalDez anos depois da pedra fundamental, em 1985, o convênio mantido com a Santa Casa de Misericórdia, onde funcionavam as atividades básicas da Faculdade de Ciências Médicas, foi cancelado. Era o nascimento das atividades no HC, com a inauguração do primeiro leito na Enfermaria Geral de Adultos. Poucos meses depois, em dezembro, era realizada a primeira cirurgia do HC: de úlcera péptica conduzida pelos professores Luiz Sérgio Leonardi e Mário Mantovanni. Já a transferência das enfermarias se deu ao longo dos primeiros meses de 1986, terminando com a inauguração do Pronto-Socorro, em 06 de junho de 1986.

Nos dias de hoje, o Hospital de Clínicas da Unicamp revela porque é uma instituição de referência em doenças e atendimentos de alta complexidade, muito diferente daquela inaugurada em 1985, numa parte alta do campus, cercada por canaviais. Estrategicamente localizado entre as principais rodovias da região, o HC é um dos cinco maiores do Estado em atendimento público, recebendo por dia mais de 100 ambulâncias e ônibus com pacientes, inclusive da região Norte do país.

Com o passar dos anos, a estrutura proposta adquiriu uma forma mais complexa. A planta do hospital, que tem hoje uma área de 65 mil metros quadrados, sofreu uma série de modificações, para adequar-se às novas necessidades originadas por uma demanda crescente, e à própria diversificação de atividades de ensino e pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas. No cenário atual, o Hospital de Clínicas da Unicamp é considerado um dos maiores hospitais gerais do interior do Estado de São Paulo e um centro de excelência médica nacional, que atende cerca de 350 mil pacientes por ano.

O que leva um paciente ao HC, porém, é a reputação de seus serviços médicos. As fronteiras da região ficaram pequenas para milhares de pacientes que procuram espontaneamente o hospital todos os dias. Todo encaminhamento para o hospital é agendado pelas secretarias municipais de saúde e por outros serviços, com exceção do atendimento de urgência. São 10 mil pessoas que circulam todos os dias, parte de uma significativa parcela da população da região, do interior de São Paulo e de outros estados que ali encontra a chance para um atendimento, cuja abrangência compreende centenas de especialidades clínicas e cirúrgicas. Na verdade são 44 especialidades clínicas, divididas em quase 600 sub-especialidades, que cobrem 95% das doenças existentes, inclusive as raras.

Ivan Toro, superintendente do HC: desafios constantesO caso da agricultora M.B.T, casada e residente na cidade de Ji-Paraná, em Rondônia, é emblemático. Ela veio à procura de tratamento médico em Campinas, pois ouviu dizer que na Unicamp “se curava e resolvia tudo em doenças”. M.B.T veio sem encaminhamento, sem local para ficar e sem dinheiro. Sofria de uma doença rara que popularmente chamava de “o queixo que cai”. Mas ao chegar na cidade, M.B.T foi atropelada e deu entrada na Unicamp pelo antigo PS. Ao ser atendida na ortopedia, os médicos suspeitavam que a paciente sofria de um surto psicótico, pois não conseguiram avaliar o problema que a trouxe para Campinas. Às vésperas da alta da ortopedia, seu queixo “caiu” e com o apoio de uma dentista do HC a situação foi diagnosticada e resolvida. Segundo a diretora do Serviço de Assistência Social do HC, Sandra Terra, esses casos são rotina dentro do serviço e pelo menos 10 mil/mês precisam da ingerência do Serviço.

E para dar conta desse exército de profissionais e serviços, o HC possui um orçamento de R$ 171 milhões (2004), mantendo uma comunidade de quase cinco mil pessoas formada por funcionários, docentes, alunos, estagiários e pesquisadores. Em muitos casos, uma diversidade de atendimentos nada ficar a dever a países de primeiro mundo – a estrutura física é composta de sete blocos, o que equivale à área de dois shoppings Iguatemi. Como instituição de ensino, são quase mil alunos da área da saúde: Medicina (670), Enfermagem (161), Fonoaudiologia (83) e 40 de Farmácia. Os alunos realizam boa parte do treinamento e internato dentro do HC. Além disso, participam da rotina do HC cerca de 500 pós-graduandos e 454 residentes – a terceira maior do país atrás da USP e da Santa Casa de São Paulo.

Todo esse desenvolvimento não deixa de lado a tecnologia cada vez mais presente e necessária em hospitais de grande porte como o HC. Um exemplo é o acelerador linear, um moderno equipamento de radioterapia usado para tratamento de tumores malignos e um dos poucos no país. O equipamento, avaliado em 1,5 milhão de dólares, realiza em média 3.500 aplicações mensais, delimitando a área de radiação do doente e diminuindo as seqüelas em outros órgãos sadios. Em alguns casos de neoplasias, a fila no HC para um tratamento com o acelerador linear é de 15 dias, tempo semelhante ao dos melhores hospitais particulares da Europa e dos Estados Unidos.

Mas em um hospital com foco principal nos procedimentos de alta complexidade, outros números impressionam. Transplantes de fígado, rim, coração, córnea, medula óssea e pâncreas, implante coclear, também conhecido como “ouvido biônico”, cirurgia bariátrica, para tratamento de obesidade mórbida e neurocirurgias, entre outros, fazem parte dos procedimentos fundamentais para a elevação dos patamares de capacidade profissional. “Em agosto atingiremos o centésimo implante coclear, o que situa a Unicamp como a segunda no país em números totais nesse tipo de cirurgia complexa”, considera o professor é médico Paulo Porto, responsável pelo programa.

No entender do diretor-associado da Faculdade de Ciências Médicas, professor José Antônio Rocha Gontijo, o conjunto dessas características evidencia a vitalidade de um hospital de ensino ainda jovem, porém maduro frente ao que existe no país. Uma das provas desse potencial é o alto número de pesquisas em pós-graduação: cerca de 500. “A fama da qualidade da alta medicina espalhou-se Brasil afora. Foi no HC que nasceu o Projeto Catarata, que ganhou o país com mais de um milhão de pessoas atendidas”, enfatiza Gontijo.

Para assegurar um crescimento sustentável, formar novos profissionais – transmitindo o conhecimento acumulado durante anos de atuação –, tem sido preocupação constante. “A evolução científica é tão grande que um procedimento de ponta do começo do ano fica defasado doze meses depois. Daí a necessidade da pesquisa continuada e a participação em congressos internacionais. Esse é o diferencial de um hospital de ensino como o HC”, diz Otávio Rizzi Coelho da disciplina de Cardiologia.

Por outro lado, ressalta Ivan Toro, a sustentação dessa estrutura está baseada em desafios constantes. A partir de janeiro de 2004, o HC iniciou a implantação de um plano para readequar o hospital à sua verdadeira vocação, que é a de hospital terciário e quaternário. A proposta, amplamente discutida com todos segmentos internos e externos de usuários do hospital, estabeleceu, entre outras medidas, a reorganização do atendimento no pronto-socorro, agora chamado de Unidade de Emergência Referenciada (UER) e nos ambulatórios, que passaram a dar prioridade aos casos referenciados de maior complexidade. “Não existe diferença entre pobres e ricos dentro do hospital. A UER é um exemplo – mesmo apinhada de gente, é a porta de entrada mais segura na região para um paciente com uma doença grave ou em risco de morte”, enfatiza o coordenador da UER, professor Paulo Madureira.

Vários cenários traçados para o futuro do HC apontam para um quadro positivo, no qual a assistência à saúde pública passa a ser cada vez mais exigida pela sociedade, que necessita de bons serviços e humanização. Entretanto, para que o HC possa crescer e enfrentar os desafios dos próximos anos, é necessário promover também uma reforma física em algumas áreas do hospital, como a UER. “A partir desta preocupação, estamos iniciando diversas ações para melhorar a humanização no hospital, inclusive com a iniciativa privada, visando que essa meta seja uma constante nos próximos anos”, finaliza Toro.




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