| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 330 - 17 a 30 de julho de 2006
Leia nesta edição
Capa
Aparências enganam
Cartas
Cérebro da criança
Pré-natal
Instituto de Química
Mandarim 33
Arcos dentais
Mesopredadores
Alterações diastólicas
Qualificação de professores
Cátedra
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Unicamp na mídia
Portal Unicamp
Eneq
Habitantes da rua
 


6-7



Resistência se organiza e interventores não conseguem assumir

CAPÍTULO 33

Com a Universidade parada, novos diretores são perseguidos pelo campus sob gritos de “Abaixo a intervenção!”

EUSTÁQUIO GOMES

Assembléia de professores, estudantes e funcionários no prédio do Ciclo Básico, no terceiro dia da intervenção. “O jeito é partir pro pau”, diz a faixa (Foto: Acervo Histórico do Arquivo Central (Siarq))GRANDES NUVENS NEGRAS pairavam sobre o campus na segunda-feira que se seguiu à portaria da intervenção, o dia 19 de outubro de 1981. Já no domingo as lideranças internas passaram o dia fazendo nervosos telefonemas na tentativa de arregimentar pessoas e organizar a resistência. Temia-se que a Unicamp acordasse ocupada por forças policiais. Corria que Maluf planejava aprofundar a intervenção destituindo Plínio e colocando em seu lugar o secretário estadual da Educação Luiz Ferreira Martins, um dos artífices da intervenção. A dois dias da consulta oficiosa para a escolha do novo reitor, cinco dos candidatos haviam sido destituídos de seus cargos. As aulas foram interrompidas para que as assembléias tivessem quorum máximo. Milhares de alunos vagavam atônitos pelas cantinas.

A semana foi tensa e carregada de eletricidade. Na quarta-feira, uma passeata de três mil pessoas percorreu as ruas centrais de Campinas. Levavam faixas de protestos e gritavam bordões contra o governador e os interventores. A população, advertida pelas manchetes dos três jornais locais e pelo intenso noticiário das rádios, manifestou seu apoio jogando papel picado das janelas dos edifícios. Na noite de sexta-feira o principal teatro da cidade, o Castro Mendes, acolheu uma multidão para um ato público organizado pela Comissão de Justiça e Paz. O momento mais tocante foi quando um favelado subiu ao palco e leu um manifesto de solidariedade à Unicamp firmado por 13 associações de favelas da cidade.

A manifestação dos três mil no centro de Campinas: chuva de papel picado mostra o apoio da população da cidade (Foto: Acervo Histórico do Arquivo Central (Siarq))O ato serviu de preparação para um outro mais amplo, previsto para ser realizado uma semana depois no Largo do Rosário, a praça mais central da cidade, e depois transferido para o saguão do prédio da Prefeitura por causa da chuva. Duas mil pessoas se comprimiram no espaço entre os elevadores e a Câmara Municipal para ouvir os discursos de uma delegação de políticos e lideranças vindos de São Paulo e Brasília. Discursaram os deputados Fernando Moraes, Alberto Goldman e Carlos Nelson Bueno, do PMDB, o presidente da União Nacional dos Estudantes Aldo Rebelo, e o ministro da Educação do governo João Goulart, Paulo de Tarso. Ouviu-se também a voz de dirigentes de entidades que há anos se empenhavam em furar a carapaça da ditadura, como o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, presidente da seção paulista do Comitê Brasileiro pela Anistia, e o físico Sérgio Mascarenhas, presidente da Academia de Ciências do Estado. Os discursos já iam a meio quando chegou o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do recém-criado Partido dos Trabalhadores, abrindo caminho sob a chuva ao lado do líder petroleiro Jacó Bittar, que nessa época presidia uma comissão nacional que pugnava pela criação da Central Única dos Trabalhadores. Com sua voz rouca acostumada a berrar em piquetes e assembléias de porta de fábricas, a barba selvagem e um ar de messias da nova era, Lula falou durante dez minutos. O que os jornais destacaram de seu discurso no dia seguinte foi, por quase unanimidade, a espécie de sortilégio que ele lançou contra Maluf e o governo federal:

Companheiros, é chegada a hora da sociedade não baixar a cabeça, mas exigir que se algo deve sofrer intervenção que seja o Palácio dos Bandeirantes, para a retirada do governador Paulo Maluf. É preciso que o povo intervenha no Palácio dos Bandeirantes e no Palácio do Planalto para se colocar lá gente que represente os interesses do povo brasileiro.

O rumor dessas manifestações públicas terminou por despertar o interesse da chamada grande imprensa, que passou a gerar e distribuir para o país, por meio de suas agências, noticiário cotidiano sobre a crise na Unicamp. Ao fim de alguns dias a intervenção era assunto em todos os campi do país, fosse pelo apelo de resistência política que parecia representar, fosse pelo forte sentimento antimalufista que prosperava no meio intelectual. Ofertas de mediação ou de solidariedade chegavam de parlamentares de todos os partidos.1 E até mesmo o presidente da República em exercício, Aureliano Chaves (o presidente João Figueiredo tinha sofrido um infarto e estava afastado do cargo), teve sua interinidade crispada por uma carta vinda da América: a Academia de Ciências de Nova York manifestava seu desconforto com aquele estado de coisas. “Situações como esta podem apenas servir para diminuir internacionalmente o prestígio das universidades brasileiras”, dizia a carta dos cientistas novaiorquinos. Aureliano não se mexeu.

Estudantes e professores fazem o enterro simbólico do secretário da .. (Foto: Rede Anhangüera de Notícias)A Folha de S. Paulo deu um espaço considerável para o factual da crise, para a análise de sua natureza política e o desenrolar da violência perpetrada contra a Unicamp. Conselheiro do jornal, Cerqueira Leite arregimentou tantos intelectuais quanto pôde para escrever a respeito. Antonio Candido, num longo artigo, classificou a intervenção como “um dos atos mais brutais” a que assistira no terreno da cultura. José Gregori, presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, associou as raízes da crise na Unicamp ao processo de abertura institucional pelo qual o país vinha lutando. Aproveitou para criticar o velho processo de sucessão nas universidades: “O ranço corporativo que caracteriza a tradição universitária brasileira fez com que o núcleo dirigente de nossos institutos superiores emergisse, quase sempre, ou de conciliábulos de grupelhos carreiristas ou da vontade pura e simples do poder que tem um velho pendor de preferir os mais confiáveis aos mais notáveis”. A esse argumento fez eco o filósofo Rubem Alves num artigo em que buscava desarmar a cilada do golpe institucional:

A realidade ultrapassa, de muito, as mais alucinadas invenções da imaginação. (...) As cabeças de oito diretores ou, mais precisamente, as cabeças de seis institutos e duas faculdades rolaram por terra antes que os interrogatórios se iniciassem e antes que qualquer crime tivesse sido cometido. (...) Em nome da ordem, puxaram o artigo 137 do Regimento Geral da Universidade, que diz que, para ser diretor de instituto ou faculdade, é necessário ser professor titular. Disseram que professor titular, só por concurso. E sem maiores cerimônias declararam que as denominações de “professor titular”, tradicionais na Unicamp, conferidas a cientistas de notório saber e que, por anos a fio, construíram a reputação nacional e internacional da Universidade, não valiam nada. Eram só de brincadeira. (...) Antes era conveniente. A Administração nomeava os diretores. E quando eles não tinham o título de professor titular, ela simplesmente os promovia à função de “professor titular”. Naquela ocasião, isso era vantajoso... Até mesmo listas sêxtuplas foram enviadas ao governador do Estado em que não havia um só candidato que fosse titular por concurso.2

... Educação Luiz Ferreira Martins, um dos artífices da intervenção (Foto: Rede Anhangüera de Notícias)No período mais agudo da crise, a Folha publicou mais de uma dezena de editoriais a respeito. Em alguns deles se podia perceber o estilo de Cerqueira. Num breve e contundente texto intitulado “Assalto à Unicamp”, o editorialista não perdoa o reitor: “O que fazer quando se está ameaçado de perder a maioria no Conselho Diretor de uma Universidade? Elementar.

Basta demover de seus cargos aqueles que estão em posição divergente, nomeando outros mais dóceis”. Sobre os interventores designados por Maluf para fazer o “trabalho sujo” da operação de troca, o editorial afirma que “nunca se deve subestimar os mandarins paulistas: há sempre gente disposta a desempenhar, com ar altaneiro, as tarefas mais indignas e a transformar em ‘dever’ a descompostura”.3 Lastimando o meio acadêmico que, ao mesmo tempo que cria núcleos de resistência sadia, também é capaz de fornecer interventores segundo o gosto do regime, Cerqueira assina no dia seguinte um artigo em que volta suas baterias contra “a mediocridade militante”, essa “persistente minoria de homo energumenus conhecida como a ‘reserva imoral’ da USP”, que é “acionada sempre que o autoritarismo solicita”. A diatribe, se ofendeu o núcleo de colaboracionistas da “irmã mais velha”, herdeiros morais dos ex-ministros Alfredo Buzaid e Gama e Silva, encontrou eco em seu Instituto de Matemática e Estatística, onde o professor Chaim Samuel Honig, diretor da unidade, considerou “inaceitável que docentes de nossa universidade se prestem a ser instrumento desse atentado a uma das mais prestigiosas universidades do País”.4 Em manifesto encaminhado ao Conselho Universitário, Chaim fez um apelo para que a USP não autorizasse seus docentes a exercer cargo de direção em qualquer unidade da Unicamp, se convidados. Referia-se aos professores Eduardo Corona, Shigueo Watanabe e Antonio Soares Amora, designados para ocupar os postos de interventores respectivamente na Faculdade de Engenharia Civil, no Instituto de Física e no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Por essa razão ou por outra, nenhum dos quatrocompareceu para assumir o cargo. Watanabe foi inclusive alertado do que o esperava: em frente ao Instituto de Física, dois sacos recheados de pano pendiam de uma árvore com a inscrição: “Chute seu interventor”. Em todas as unidades atingidas podiam-se ler faixas dirigidas aos interventores com mensagens do tipo: “Tenha dignidade, renuncie” ou “O que dirão seus filhos?”.

Ato contra a intervenção na escadaria da prefeitura (Foto: Acervo Cedoc/RAC)O epíteto de homo energumenus, com que Cerqueira esperava ter apanhado alguns luminares da USP, terminou por carapuçar a cabeça do secretário Luiz Ferreira Martins, inconformado com o envolvimento da Folha no caso e em particular com um artigo do colunista Jânio de Freitas em que era qualificado nestes termos: “Um secretário de governo oportunista, ou um secretário oportunista de governo, ou um oportunista secretário de governo oportunista — ora, deixa pra lá”. Atribuindo a Cerqueira a autoria moral do texto, Ferreira Martins desafiou-o diante de alguns repórteres, momentos antes de embarcar num avião no aeroporto de Viracopos:

— Desafio esses senhores a apresentar suas contribuições científicas nos últimos anos. – E mirando o alvo: — Estou me referindo ao professor Rogério Cerqueira Leite. Por que ele é contra concursos dentro da universidade? Se ele é tão bom, não deveria temê-los. Se esses homens são tão bons assim, por que não fazem os concursos? Será que eles têm medo dos exames?

Cerqueira, um ferrenho defensor do publish or perish e mais ainda do ranking do Science Citation Index, encontrou sopa no mel:

— Pois eu desafio o senhor Luiz Ferreira Martins a pedir demissão de seus cargos se apresentar um número de citações científicas que seja pelo menos um por cento do número das minhas citações nos últimos vinte anos. Aceito a comparação não só com ele, mas também com qualquer outro membro do ‘Bando da Lua’ [como passara a chamar os conselheiros interventores no Conselho da Unicamp] e com a somatória de todos os interventores da Unicamp. Se tiverem mais citações, pedirei desculpas públicas a todos eles.

Caso ficasse demonstrado que não reunia um por cento das citações internacionais de Cerqueira, o secretário era desafiado ainda a reconhecer sua condição de homo energumenus. E como Ferreira Martins – tal como Plínio – era dentista, Cerqueira admoestou-o, com ironia, a não lançar mão de artigos publicados n’O Grito da Dentina, o boletim do centro acadêmico da Faculdade de Odontologia de Piracicaba. O secretário calou-se e o desafio caiu no vazio. Não era para menos: dias antes, ao tomar posse no Conselho da Unicamp como um dos seis novos membros representantes de Maluf, Ferreira Martins e seus pares foram seriamente hostilizados na porta reitoria, onde os esperava uma multidão de professores, alunos e funcionários. Os seis conselheiros desceram as escadas escoltados por agentes do DOPS previamente arregimentados pelo chefe de gabinete de Plínio, Arnaldo Oliveira Camargo. Tentando negar o óbvio, o secretário não se impressionou com as vaias e ainda teve tempo de declarar aos jornalistas que “a troca de conselheiros é uma rotina”, e que “não existe intervenção na Unicamp”. Assustado com o tumulto, seu motorista, mal recolheu o chefe, saiu cantando pneus em direção à recém-construída rodovia Bandeirantes.

No IFCH, estudantes depositam moedas de 1 cruzeiro no capacho para receber o interventor Paulo Artigas (Foto: Acervo Cedoc/RAC)Apesar das notícias de resistência organizada, alguns interventores tentaram tomar posse das diretorias para as quais haviam sido nomeados. Nenhum deles chegou a fazê-lo de fato: em cada unidade davam com massas humanas postadas à porta ou sitiando os corredores. O dentista Eduardo Daruge, escalado para assumir a Faculdade de Educação, encontrou todas as portas trancadas. Ao contornar o prédio em busca de algum acesso livre, teve o azar de cair no meio de uma assembléia. Tentou enveredar por outro caminho, mas a passagem foi bloqueada. Antes de conseguir bater em retirada, teve de haver-se repetidas vezes com um Judas enforcado que lhe atrapalhava o passo e trazia uma faixa atravessada no peito com os dizeres: “Fora, interventor!”.

Melhor sorte não teve o biólogo Paulo de Toledo Artigas, velha lenda do Instituto Biológico, ao dirigir-se ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas na manhã de 23 de outubro. Foi recepcionado com vaias por uma multidão furiosa em que se misturavam funcionários e alunos com gente de variada fama acadêmica. Estavam lá os economistas José Serra, João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo, o lingüista Carlos Vogt, o historiador José Roberto do Amaral Lapa, o crítico Roberto Schwarz e o contista Modesto Carone. A Folha narrou o episódio desta forma:

Ao chegar ao IFCH, o septuagenário interventor Artigas, parasitólogo do Instituto Biológico, era aguardado por alunos de várias unidades que também queriam manifestar o seu protesto. Teve que passar por um corredor polonês sob intensa vaia, caminhando sobre uma passarela onde estavam impressas pegadas de porco, galinha, cavalo, cachorro etc. O capacho do prédio onde ocuparia uma sala estava coberto de moedas de 1 cruzeiro. Para entrar, foi obrigado a rasgar um cartaz pregado na porta, que dizia: “Autonomia universitária / Democracia”. Sua permanência no instituto ocorreu sob gritos de “Abaixo a intervenção!”5

A atmosfera era tão tensa que o coordenador dos institutos Ferdinando Figueiredo, cicerone de Artigas durante o acidentado percurso, fez pressão sobre ele para que renunciasse. “Não fique, é ingovernável”, acrescentou o historiador Sérgio Silva, diretor associado da unidade. Artigas, nervoso, acatou a sugestão e abandonou o prédio.

A manifestação na hora do rush parou o trânsito, mas o povo aplaudiu (Foto: Acervo Histórico do Arquivo Central (Siarq))Mas nada disso é comparável ao que experimentou o matemático Frederico Pimentel Gomes, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, unidade mantida pela USP em Piracicaba. Pimentel tentou quebrar a resistência de professores e alunos do Instituto de Matemática. No início, a tomada do prédio pareceu-lhe coisa simples: não havia ninguém na entrada e o interventor pôde entrar galhardamente no saguão, chegar à sala que lhe estava destinada e sentar-se na cadeira do diretor. Julgando a situação sob controle, Figueiredo, o cicerone, voltou à reitoria para a ingrata missão de conduzir outro interventor até seu posto, de onde inevitavelmente ele seria banido meia hora depois. Foi o que aconteceu a Frederico Pimentel. Minutos depois, teria início a sua via-crúcis.

Tudo começou quando alguns professores do Instituto quiseram entregar a Frederico um abaixo-assinado que pedia sua renúncia. Ele se recusou a atendê-los e irritado deixou sua sala pretendendo voltar à Reitoria. Mas quando chegou na porta, uma decepção: o motorista não estava lá. Decidido, mesmo não conhecendo bem os caminhos da Universidade, resolveu ir a pé. (...) E assim começou a manifestação, que ia engrossando a cada curva. Ele se confundiu e deu mais voltas que o necessário, sempre seguido da passeata que manifestava em alta voz a indignação pela sua presença lá, na posição de interventor.6

Aspecto do protesto nas  ruas centrais de Campinas (Foto: Acervo Histórico do Arquivo Central (Siarq))Sob um sol inclemente, Pimentel fez um périplo de dois quilômetros pelos gramados do campus, enxugando o suor da testa com um lenço branco e ouvindo às suas costas a gritaria estridente. Após completar uma volta de 360 graus em torno da praça circular do Ciclo Básico, retornou à Matemática, redirecionou-se e finalmente tomou o rumo da administração central. Aquilo já era uma fuga. A cada cem metros a multidão engrossava mais. Na altura do pátio da Reitoria, calculava-se que era seguido e vaiado por mil e duzentas pessoas. Refugiou-se no gabinete do reitor e dali não saiu enquanto o último manifestante não abandonou o pátio. Mesmo assim, posando de estóico, declarou que não renunciaria. Na verdade, renunciou sem ter assumido.

O transe vivido por interventores aprisionados em sua própria inépcia inspirou a Modesto Carone, futuro tradutor de Franz Kafka do alemão para o português, um breve conto publicado pela Folha em primeiro de novembro. O conto apareceu na capa do caderno “Folhetim”, em edição inteiramente dedicada à crise e que contou com a colaboração, entre outros, de Marilena Chauí, Irede Cardoso, José Reis, Antonio Muniz de Rezende e do próprio Cerqueira Leite. No terceiro dos quatro blocos que compõem o conto, Carone narra o drama kafkiano de um interventor:

Foi provavelmente nesse instante que se sentiu traído e começaram as suspeitas de que a trincheira se transformava em prisão. De fato, já caminhavam para ele os representantes exigindo sua renúncia; logo mais, organizava-se a fila dos que insistiam em visitá-lo. Eram numerosos – a aglomeração lá fora – e todos tinham uma palavra a dizer ou um gesto a comunicar. A princípio, ele se mostrou constrangido diante dos olhares, principalmente o das crianças, que o estudavam sem animosidade a despeito da decepção. Recompondo mentalmente imagens pregressas, ele fazia esforços para ignorar os demais – a não ser um ou outro senhor que o interpelava mudamente sobre o caráter daquela missão. Quanto aos que dançavam a meio metro de distância, embalados pela fanfarra ao fundo, encarava-os como sempre enfrentava cenas assim: com rancor disfarçado em desinteresse. Era sensível, no entanto, que havia alguma coisa falha nessa postura e aos poucos chegava à conclusão de que o espetáculo agora era ele e não os outros. Como a descoberta o atingisse, ficou olhando para dentro, na esperança de que desse ângulo o desconforto passasse.7



1 Manifestaram-se contra a intervenção na Unicamp os deputados estaduais Fauze Carlos, do partido do governo (PSD), Marco Aurélio Ribeiro (PT) e Luiz Máximo (PMDB). O deputado estadual Fernando Moraes propôs uma Comissão Especial de Inquérito na Assembléia do Estado para apurar o assunto, idéia logo apoiada pelos deputados Marco Aurélio, Waldemar Chubacci (PP) e Reginaldo Valadão (PDT). A consagração de um “Dia Nacional de Luta pela Unicamp” foi proposta pelo Conselho Nacional de Entidades Docentes (Coned), ato que deveria consistir na leitura de uma carta aberta nas salas de aula de todas as universidades públicas do país. E a bancada paulista do PMDB na Câmara Federal manifestou seu repúdio “à intervenção brutal na Unicamp pelo governador Maluf”, em nota assinada pelo presidente nacional do partido, Ulysses Guimarães, e pelos deputados Carlos Nelson Bueno, Freitas Nobre, Alberto Goldman e Audálio Dantas.

2 Folha de S. Paulo, 21/10/1981.

3 Folha de S. Paulo, 22/10/1981.

4 Manifesto da Congregação do Instituto de Química da Universidade de São Paulo ao Conselho Universitário em 21 de outubro de 1981. Folha de S. Paulo, Folhetim, 1/11/1981. Texto de Laerte Ziggiatti e Guacira Coelho Waldeck.

5 Folha de S. Paulo, 29/10/1981.

6 Folha de S. Paulo, 29/10/1981.

7 “O interventor”, Folhetim de 1/11/1981.


Continua na próxima edição.

 

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP