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Poema de Gullar inspira temário do 16º Congresso de
Leitura, que ocorre de 10 a 13 de julho na Unicamp

Por um leitor mais atento e crítico

MANUEL ALVES FILHO

Congressistas durante a cerimônia de abertura do 15º Cole, realizado em 2005 na Unicamp: expectativa dos organizadores é que número de inscritos chegue a 5 mil (Foto: Neldo Cantanti)Na década de 80, Ferreira Gullar concebeu um poema no qual afirma que “Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las”. De lá para cá, o mundo mudou muito, mas não o bastante para desarmar determinadas arapucas. Sob certos aspectos, ao contrário, elas se tornaram ainda mais perigosas. Mas como fazer para escapar das ciladas impostas pela política, economia, cultura, educação etc? “Uma boa alternativa é uma experiência de leitura, do tipo que nos leva a reflexões e a ações mais críticas”, sugere Ezequiel Theodoro da Silva, professor colaborador aposentado da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e coordenador geral do 16º Congresso de Leitura do Brasil (Cole), que será realizado de 10 a 13 de julho na Universidade. Não por acaso, o verso de Gullar inspirou o temário do evento.

Na opinião do professor Ezequiel, que também é presidente da Associação de Leitura do Brasil (ALB), uma das promotoras do Cole, o Brasil de 2007 reitera, de certa forma, o país da década de 1980, período que coincide com o final da ditadura militar. Naquela oportunidade, destaca o docente, a mentira e a avacalhação predominavam na esfera política. Decorridas duas décadas, esse setor da vida nacional dá sinais de que não sofreu transformações. “Basta ver o que acontece atualmente nas instâncias decisórias do país”, afirma. A realidade brasileira de hoje, prossegue ele, tem muito de embuste e de embromação. Estes, com freqüência, estão camuflados por palavras, símbolos e discursos.

O professor Ezequiel Theodoro da Silva, organizador do 16º Cole: “A absorção da informação, por si só, não gera conhecimento. Conhecimento equivale à informação trabalhada" (Foto: Antoninho Perri)Decifrá-los torna-se, pois, indispensável para quem quer evitar emboscadas. “Nesse contexto, penso que o Cole é extremamente oportuno, visto que ele se propõe, entre outras coisas, a chamar a atenção para a relação que o leitor tem com a mensagem da sociedade. O leitor atento e crítico tende a duvidar do que vê e lê. Essa postura constitui um bom passo em direção oposta à das armadilhas do mundo atual”, analisa o professor colaborador da FE. O leitor do século 21, lembra Ezequiel, tende a ser mais seletivo. A seletividade a que se refere o coordenador do Cole está baseada na percepção do que é lixo. “A absorção da informação, por si só, não gera conhecimento. Conhecimento equivale à informação trabalhada”, pontua.

Nesse ponto, Ezequiel chama a atenção para o papel da escola diante da avalanche de informações a que os jovens estão sujeitos, principalmente por meio da internet. A missão não pode ser outra, diz, a não ser a de focar os conteúdos que sejam relevantes para a construção do conhecimento. “A armadilha, nesse caso, é a própria avalanche, que é composta por muito lixo. Se a escola não sistematizar e não disponibilizar as informações relevantes, o risco de que os estudantes caiam num mingau informacional que não leva a nada será grande”, adverte.

Ainda segundo Ezequiel, algumas orientações de leitura são fundamentais para que a pessoa possa compreender o que está sendo dito. Também nesse aspecto a escola é fundamental, pois ela pode ajudar o estudante a diferenciar um texto enganador de um que retrata a realidade de maneira objetiva. “Existem textos que são deformadores, pois pregam o preconceito, por exemplo. Penso que é papel da escola discutir e esclarecer os porquês disso. Na relação leitor-texto, nós podemos ter um leitor ruim diante de um texto bom, um leitor bom frente a um texto ruim, um leitor ruim em contato com um texto ruim e um leitor bom diante de um texto igualmente bom. Nosso desafio é alcançar esta última situação”, defende o organizador do Cole.

Gullar e companhia - O 16º Cole será realizado no Centro de Convenções da Unicamp. A conferência de abertura será feita pelo poeta Ferreira Gullar, no dia 10, a partir das 11h. De acordo com o professor Ezequiel, o evento reafirma a sua posição como o maior fórum brasileiro de discussão dos rumos da leitura. Entre os destaques do congresso estão os 15 seminários paralelos (ver programação nas páginas 6 e 7). Estes tratarão de inúmeros assuntos, que vão da leitura e escrita nas sociedades indígenas à educação para pessoas com deficiência, passando pela questão do letramento e alfabetização.

De acordo com o docente colaborador da FE, o Cole contabilizou 1.558 trabalhos inscritos. Até o dia 20 de junho, cerca de 3,7 mil pessoas já haviam feito inscrição para participar do evento. A expectativa dos organizadores é que esse número chegue a 5 mil. Quem prestigiar o congresso também poderá assistir a importantes conferências, algumas apresentadas por convidados internacionais. Todas, conforme o professor Ezequiel, procurarão aprofundar a questão da criticidade frente às armadilhas presentes não só no Brasil, mas também no mundo.

Um dos conferencistas estrangeiros é o moçambicano Mia Couto, que abordará o tema “Quebrando as armadilhas da opressão no mundo”. Já o colombiano Fernando Cruz Kronfly falará sobre “As armadilhas contra o povo leitor da América Latina: o declínio do pensamento crítico e a educação como espaço de resistência cultural”. Entre os brasileiros, além de Ferreira Gullar, o público poderá ouvir o escritor Ricardo Azevedo, que tratará das “Armadilhas didáticas da leitura na escola”, e a professora Regina Zilberman, uma das maiores especialistas brasileiras em literatura infanto-juvenil, que discorrerá acerca das “Armadilhas literárias para a formação de leitores”.

Paralelamente a essas atividades, assinala o coordenador do Cole, ocorrerão muitas outras. O congresso também reservou um espaço para prestar homenagens a algumas personalidades que têm contribuído para a evolução da leitura no Brasil. Um deles é o empresário e imortal José Mindlin, dono da maior biblioteca particular da América Latina, composta por aproximadamente 30 mil volumes, boa parte deles considerada rara. Ele receberá, ao lado de Ferreira Gullar, Marisa Lajolo, Elisabeth D’Angelo Serra, Regina Zilberman e Maria Inês Lucena o troféu ALB, concebido por um artesão de Ilha Solteira. Também serão homenageados com o título de presidente de honra da ALB João Wanderlei Geraldi e Luiz Percival Leme Brito.

Junto com o Cole, mas de maneira independente, será realizada a 7ª Feira de Leitura e Arte, sob a coordenação da Editora da Unicamp (ver matéria e programação na página 8). Outras informações sobre o Cole e a Feira de Leitura e Arte podem ser obtidas, respectivamente, nos sítios da ALB (www.alb.com.br) e da Editora da Unicamp (www.editora.unicamp.br)

No mundo há
muitas armadilhas

No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha 

Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para
acabar com tudo, já
que a vida é louca? 


Contudo, olhas o teu filho,
o bichinho que não sabe
que afoito se entranha
à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga

A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade
 

Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro
a ver de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e
não vais te matar
e agüentarás até o fim

O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos
poderiamalimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e
é preciso quebrá-las.

Ferreira Gullar

Mais sobre o 16º Cole nas páginas 6 e 7

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