Inovadora, precisa, rápida e versátil. Assim pode ser classificada uma técnica desenvolvida recentemente por pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. Batizada de DeSSI (sigla de Desorption Sonic Spray Ionization), ela é capaz de identificar, em questão de segundos e com confiabilidade total, tanto o princípio ativo contido numa determinada droga como as variadas substâncias presentes nos óleos in natura, perfumes ou vinhos. Comparada com os métodos convencionais de análises químicas, a nova tecnologia ainda leva a vantagem de dispensar a longa etapa de preparação das amostras. “Desde que seja devidamente adaptada, a técnica pode ser empregada para analisar uma vasta grama de produtos, que vão do mel ao biodiesel, sempre com a mesma rapidez e exatidão”, afirma Renato Haddad, um dos idealizadores da DeSSI. O pedido de registro de patente do invento já está sendo preparado para ser depositado pela Universidade.
Pelas suas características, a técnica tem tudo para vir a se tornar uma importante ferramenta para a identificação de fraudes ou para a certificação de produtos, conforme Regina Sparrapan, co-autora da pesquisa. Ela e Haddad integram a equipe do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, que está vinculado ao IQ e é coordenado pelo professor Marcos Nogueira Eberlin. Os principais usuários da tecnologia, de acordo com os pesquisadores, devem ser os órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização de remédios, alimentos, combustíveis etc.
A DeSSI, explicam os pesquisadores, foi validada com medicamentos. Foram analisados nove tipos diferentes, entre eles antiinflamatórios e anticancerígenos. Inicialmente, os cientistas examinaram amostras cedidas por laboratórios de reconhecida idoneidade, para estabelecer um padrão de investigação. Depois, fizeram o mesmo com produtos adquiridos em farmácias da região de Campinas. Por meio de uma sonda desenvolvida especificamente para o estudo, eles aplicaram um spray contendo solução de água e metanol sobre os medicamentos. Em seguida, um equipamento chamado espectrômetro de massas procedeu às análises químicas propriamente ditas. Em questão de poucos segundos, a equipe do IQ obteve, por meio de gráficos gerados por computador, a informação se o princípio ativo das drogas estava presente nas amostras, com 100% de certeza. “E não apenas isso. A técnica também é capaz de identificar com precisão absoluta o estágio de degradação desse mesmo princípio ativo”, completa Haddad.
De acordo com o pesquisador, alguns métodos são capazes de gerar análises similares. Ocorre, porém, que eles são baseados em técnicas híbridas, que exigem um tempo grande de preparação das amostras. Em alguns casos, esse prazo pode chegar a três ou quatro horas. “A DeSSI dispensa qualquer preparação muito elaborada. Em muitos casos, a amostra é analisada pelo espectrômetro de massas na forma em que se encontra, de forma praticamente instantânea”, esclarece Haddad. Depois que a técnica foi validada, outro integrante do grupo, Rodrigo Catharino, decidiu aplicá-la na avaliação de vários produtos. “Começamos com óleos in natura e depois estendemos para perfumes e vinhos. A DeSSI mostrou a mesma confiabilidade e rapidez em relação a todos eles”, assegura.
O pesquisador destaca que, comparada aos procedimentos tradicionais, a nova técnica permite que as substâncias contidas nesses produtos sejam identificadas com maior clareza. “Ela faz uma varredura completa da amostra em questão de segundos. Em apenas uma manhã, nós fizemos dezenas de análises de nove diferentes amostras de óleos. Se utilizássemos os meios convencionais, levaríamos um dia inteiro para avaliar apenas uma amostra”, diz Catharino. A expectativa dos cientistas é que a DeSSI possa deixar o estágio de bancada e ser empregada em larga escala no Brasil.
Eles consideram que a técnica seria uma ferramenta importante nos trabalhos de fiscalização de órgãos como o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Agência Nacional do Petróleo (ANP), para ficar em apenas três exemplos. “Com esse recurso, as eventuais fraudes seriam identificadas imediatamente. Além disso, as empresas que trabalham de forma correta poderiam ter seus produtos certificados por esses organismos, o que seria benéfico não apenas para elas, mas também para os consumidores”, considera Catharino.
Por ser uma técnica extremamente versátil, como já foi dito, os pesquisadores do IQ já começam a projetar novas aplicações para a DeSSI. A próxima análise deverá ser feita em explosivos. Os cientistas estão em contato com o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), unidade da Polícia Civil, para obter amostras dos produtos. Se o que os especialistas imaginam der certo, a corporação também poderá vir a utilizar essa tecnologia em suas futuras operações. “Como nossa técnica é extremamente sensível, se houver um traço que seja de explosivo na superfície de um artefato, nós teremos condições de identificá-lo. Ou seja, no futuro, a Polícia não precisará mais correr o risco de abrir um embrulho, por exemplo, para saber se ele contém ou não pólvora”, prevê Haddad, que completa: “O biodiesel também está na fila para ser um dos próximos produtos analisados”.
Ficção científica No limite, a técnica desenvolvida pelos pesquisadores da Unicamp pode abrir caminho para novas possibilidades no campo da análise química, com reflexos para diversas áreas do conhecimento. Embora ainda esteja no campo da hipótese, não seria de todo improvável que a DeSSI evoluísse, por exemplo, para uma tecnologia que pudesse ser aplicada pela Medicina no diagnóstico de doenças. Nesse caso, o procedimento seria mais ou menos semelhante àqueles mostrados nos filmes de ficção científica. Ou seja, por meio da análise de algum parâmetro clínico, o médico teria condição de identificar instantaneamente na tela do seu computador se o paciente é ou não portador de uma determinada enfermidade. Quem viver, verá.