“Nosso foco eram os supercondutores, mas resolvemos analisar a grafite presente em nanotubos de carbono por simples curiosidade. E acabamos verificando fenômenos espetaculares”, lembra Yakov Kopelevich. Mesmo que não assuma a condição de instigador da retomada das pesquisas, o pesquisador foi um dos primeiros a mudar de rota, trocando os nanotubos pelos estudos com grafite, a partir de financiamentos disponibilizados pela Fapesp, CNPq e Capes.
Obviamente, o objeto de estudo não é a grafite comum embutida no lápis, mas a grafite pirolítica altamente orientada (HOPG), ultrapura. Kopelevich explica que na HOPG os átomos estruturam-se em hexágonos regulares, como favos de uma colméia, formando camadas com um átomo de espessura são as folhas de grafeno, que se sobrepõem umas às outras.
“O acoplamento deste material laminado é muito frágil e, se colamos uma mera fita adesiva na superfície, conseguimos retirar camadas de grafeno. Com uma nanofaca bem regulada, obtemos camadas ainda mais finas”, ilustra.
Nos experimentos que se seguiram no IFGW, o primeiro fenômeno comprovado, surpreendente, foi o da supercondutividade local da HOPG. Mais que isso, que esta propriedade podia manter-se a temperatura ambiente, algo absolutamente inédito e que abre um campo infinito de aplicações.
Posteriormente, também se identificou a coexistência de ferromagnetismo e supercondutividade, o que pode ajudar a explicar porque a grafite comporta-se ora como metal e ora como material isolante.
Para que se mensure a importância de tudo isso, será preciso traduzir conceitos como do efeito Hall Quântico e dos férmions de Dirac, propriedades inesperadas para a grafite. Elas estão descritas em artigos assinados por Yakov Kopelevich e seus vários colaboradores, publicados nas mais importantes revistas científicas da área, como na Physical Review Letters em 2001, 2003 e 2004.
As publicações se deram antes do boom, mas, ainda assim, o autor firma um pé atrás em relação ao pioneirismo. “Este interesse mundial, na verdade, surgiu a partir da confirmação dos mesmos efeitos no plano bidimesional da grafite, em artigos publicados na Nature em 2005 por grupos das Universidades de Manchester (Inglaterra) e Columbia (Estados Unidos). Eles estão melhor equipados e chegaram facilmente a camadas únicas de grafeno”.
Em seu laboratório, Kopelevich e equipe ainda recorrem aos meios de que dispõe como a fita adesiva para obter amostras cada vez mais finas de grafite e buscar outros fenômenos. “Mas há cada vez mais gente reconhecendo que os primeiros resultados foram obtidos aqui”, admite o professor, que receberá em setembro o prêmio Lady Davis, concedido pelas universidades de Jerusalém e de Haifa aos pesquisadores de todo o mundo que se destacaram em cada área da ciência em 2007/2008.
Efeito Hall Quântico A descrição na Physical Review Letters do chamado efeito Hall Quântico em grafite, em 2003, impactou a comunidade científica. Faz mais de um século que o físico norte-americano Edwin Hall, ao aplicar campo magnético em uma fina lâmina de ouro, atravessada perpendicularmente por uma corrente elétrica, percebeu que os elétrons da corrente eram desviados lateralmente para uma das bordas da lâmina, ausentando-se da outra.
O efeito Hall refere-se à ocorrência de diferença de potencial nos lados opostos de uma lâmina fina de condutor ou semicondutor na direção perpendicular à da corrente elétrica aplicada, e em campo magnético aplicado perpendicularmente ao plano principal da lâmina. A razão da diferença de potencial pela intensidade de corrente é conhecida como resistência Hall, e é característica do material da lâmina.
Ocorre que, antes, Edwin Hall só poderia realizar o experimento em temperatura ambiente e aplicando um campo magnético fraco. Um século depois, o físico Klaus von Klitzing, repetindo o experimento sob temperaturas extremamente baixas e elevados campos magnéticos, acabou por descobrir o efeito Hall “Quântico”, o que lhe valeu o Nobel de 1985.
“Em princípio, a resistência Hall varia linearmente com a intensidade do campo magnético. Mas, conforme esse material é submetido a temperaturas mais baixas e a campos magnéticos mais fortes, a resistência vai crescendo em degraus, com seus sucessivos patamares”, explica Kopelevich, apontando o gráfico que forma exatamente uma “escada”.
Von Klitzing observou que, ao mesmo tempo, a resistência elétrica no sentido da corrente desaparecia, o que fazia com que o material passasse a se comportar como um condutor ideal. “Esta é uma propriedade do silício e de outros materiais semicondutores, mas ninguém esperava que houvesse o efeito Hall Quântico em grafite”, reitera o professor da Unicamp.
Temperatura ambiente Ninguém esperava, também, que a HOPG mostrasse evidências de supercondutividade numa faixa tão ampla de temperaturas, que vai de menos 271 até 27 graus Celsius positivos, pelo menos. Isto significa a viabilidade de se conseguir um supercondutor quente, ou seja, a temperatura ambiente.
A questão é que na grafite pirolítica a supercondutividade aparece em pequenas regiões, como gotas. “Nossa tarefa agora é ligar essas gotas para chegarmos a um supercondutor que possa efetivamente transmitir correntes sem dissipação”.
Ao aplicarem um campo magnético perpendicular na grafite, os pesquisadores do IFGW registraram uma resistência gigantesca à passagem de corrente elétrica de uma folha para outra de grafeno, até 100 mil vezes superior à resistência verificada ao longo do plano.
Além disso, conforme variava a resistência, a grafite pirolítica passava a apresentar o comportamento de um isolante. “Encontramos esta transição em campos magnéticos extremamente baixos, entre 300 e 500 Oersteds, que qualquer ímã de geladeira pode gerar. É um efeito realmente espetacular, que contribuiu para motivar nossos estudos em grafite e que agora inclui o bismuto, cujo comportamento é bem semelhante”.
Férmions de Dirac Em 2004, Kopelevich e o colega Igor Lukyanchuk, da Universidade de Picardie Jules Verne (França) encontraram na grafite pirolítica os chamados férmions de Dirac, trabalho igualmente descrito na Physical Review Letters.
O professor da Unicamp ensina que toda matéria condensada (quaisquer sólidos) apresenta um espectro parabólico, formado por elétrons que possuem massa em estado de repouso. O outro é o espectro linear, com partículas de massa zero.
Acontece que na grafite, variando-se a intensidade do campo magnético, esses elétrons sem massa exibem um comportamento atípico, que o inglês Paul Dirac descreveu em suas equações da física quântica em 1928. “Os elétrons se movem como se fossem fótons [partículas de luz]. Isto é muito excitante para nós físicos, pois temos o primeiro sistema que permite associar teorias relativísticas com as de matéria condensada”.
Tal como em relação aos efeitos anteriores descobertos por Yakov Kopelevich e seus colaboradores, a presença de férmions de Dirac também seria comprovada em camadas únicas de grafite pelos mesmos grupos de Manchester e de Columbia, em 2005, e mais tarde em HOPG por pesquisadores das Universidades da Califórnia e de Rutgers.
‘A grafite vai concorrer com o silício’
“Por enquanto, temos de ser um pouco modestos, mas é real a possibilidade de a grafite vir a concorrer com o silício. Suas propriedades são tão impressionantes e as pesquisas avançam tão rapidamente, que em breve surgirão as primeiras aplicações tecnológicas para este material”, prevê o professor Yakov Kopelevich.
O pesquisador da Unicamp comenta que numerosas instituições de pesquisa da Europa e Estados Unidos já montaram laboratórios para retomar os estudos com grafite. “Os editores da revista Nature, por exemplo, elegeram a linha de pesquisa com grafite como uma das mais importantes da física moderna”.
No Laboratório de Materiais e Dispositivos do IFGW, uma das prioridades é viabilizar o uso da HOPG como mini-magnetos e mini-supercondutores, o que seria importante tanto para pesquisas em física básica como para aplicações. Quanto às pesquisas que correm pelo mundo, como das aplicações hoje permitidas pelo silício, elas renderiam outras matérias neste jornal.
No entanto, um único estudo, dentre outros citados por Kopelevich, nos dá a dimensão desta maratona. “Há um físico famoso, Grigory Volovik, que vê nos férmions de Dirac a base para explicar por que o universo e a nossa vida existem. Outros físicos, mais modestos, avaliam o uso da grafite como sensor para testar ao menos previsões das teorias relativísticas”.
Nesse sentido, o professor rende-se à associação inevitável, embora imprópria, da grafite pirolítica com o mais rudimentar objeto do aprendizado humano. “Agora podemos dizer que podemos entender melhor o universo estudando o lápis, que volta a ser um instrumento básico do conhecimento”.
Mas Yakov Kopelevich adianta que até o lápis está sendo aprimorado. “Por esses dias, li um artigo mostrando como nanotubos de grafeno estão sendo enrolados para se obter uma grafite elástica. Vai ser difícil quebrar a ponta do lápis”.