Apresentando-se como um químico preocupado em dar a devida atenção a questões tidas como secundárias na discussão das “novas tendências mundiais”, o professor Wilson de Figueiredo Jardim vê a questão da sustentabilidade ambiental como um grande mito. “Todas as leis da termodinâmica apontam para a insustentabilidade do planeta. Nenhum processo é totalmente reversível, em todos existe uma perda. A própria manutenção da vida é uma atividade insustentável, pois todo ser vivo, enquanto estrutura muito organizada, fere o princípio da entropia”, afirma o docente do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.
Wilson Jardim vai proferir no dia 18 conferência sobre os “Combustíveis alternativos e o mito da sustentabilidade” na 60ª Reunião da SBPC. Ele lembra que o planeta é finito em suas características e que, tratado dentro de um modelo de desenvolvimento insustentável, ilimitado, caminha para o caos. “Acho que a capacidade de sustentação do planeta já está esgotada por causa do próprio tamanho da população. Para que a humanidade sobreviva, é preciso que um bilhão de pessoas passem fome. Temos de conviver com este lado perverso”.
Na opinião do docente, hoje predomina um modelo de desenvolvimento suicida, que levaria o mundo ao colapso em 15 anos, caso existissem dez países com o padrão de consumo dos Estados Unidos. Por outro lado, o mundo suportaria mil países como Cuba. “A dieta básica de um americano alimentaria vinte pessoas na China, que ainda tem 200 milhões de famintos. Mas o americano quer comer suas cinco mil calorias diárias e não se fala mais nisso. É por isso que a equação não fecha”.
O professor de química não poupa os economistas, atribuindo-lhes parcela da culpa pela manutenção do atual modelo econômico, em que países perdulários é que são classificados como desenvolvidos. “Se os economistas mudassem seu discurso em torno desta falsa sensação de riqueza, já teríamos menos aquecimento global. Não há riqueza no planeta que permita acumular a fortuna de um Bill Gates ou oferecer salários como os de Kaká e Ronaldinho Gaúcho. Alguém está pagando por isso”.
Jardim recorre sempre ao exemplo da criação de camarões em viveiros, incentivada pela crença de que a aqüicultura pode amenizar o impacto da pesca predatória nos oceanos. “Acontece que camarões também comem muitos peixes. E a comunidade local, que não tem condições de consumir camarões, abre mão de um estoque importante de peixes para a própria alimentação, a fim de atender a um requinte da parcela mais rica da população. Vista por este ângulo, a iniciativa da carcinocultura parece piada”.
Outro exemplo citado pelo pesquisador é do atum, muito apreciado pelos japoneses, que partiram então para a sua aqüicultura intensiva. “Cada atum, até atingir a idade madura, alimenta-se com o que mil japoneses consumiriam de peixe no mesmo período. Em pouco tempo, teremos de nos conformar de que o atum é muito saboroso, mas não podemos comê-lo; em sonhar com dois carros, mas não possuir nenhum; em viver no planeta que temos e não no que queremos”.
Biocombustíveis Nos últimos 100 anos, informa Wilson Jardim, a população mundial aumentou quatro vezes, ao passo que a demanda por água cresceu nove e o consumo de energia, 16 vezes. “É outra equação que não fecha. Sabedor da atividade degradante que exerce, devido a este estilo de vida, o ser humano busca saídas para se sentir melhor. Leva o cachorro para passear em carro a álcool e faz turismo ecológico, voltando para casa com a consciência tranqüila depois de plantar uma árvore na trilha”.
A ironia serve como mote para o pesquisador passar às críticas contra a política de biocombustíveis no país, começando pelo etanol da cana. “Não há dúvida de que o álcool é excelente e será o combustível do futuro, mas não engulo a pílula dourada. Ele está muito longe de merecer o status de alternativa sustentável, pois o cenário de produção é altamente impactante social, econômica e ambientalmente”.
Jardim começa apontando o problema do uso e ocupação do solo, endossando que os canaviais invadem, sim, áreas destinadas ao cultivo de alimentos. “Arrendando a terra para a indústria sucroalcooleira, ao invés de continuar plantando sua horta, o proprietário tem muito mais lucro e sem mover um dedo, a não ser para contar o dinheiro no fim do mês, já que todo o cultivo é feito pelo arrendatário. Obviamente, não foi isto que causou a alta no preço dos alimentos, mas devemos assegurar terras para as duas coisas”.
Igualmente preocupante, denuncia o professor da Unicamp, são as condições de trabalho para a produção de álcool no Brasil, que na sua visão segue o mesmo modelo dos senhores de engenho. “É imprescindível que se mude este modelo. Não podemos produzir energia como se produzia açúcar na época da escravidão, com as mesmas mazelas. Necessitamos de um modelo muito similar, por exemplo, ao de uma usina petroquímica”.
Wilson Jardim reitera que não é contrário ao programa do álcool, que nos últimos 40 anos trouxe muitos ganhos ao país em termos de tecnologia de produção, como por exemplo, na diminuição no tempo de fermentação e no aumento de produtividade média por hectare. “Promoveram-se maravilhas tecnológicas. A questão é que o cortador de cana ainda trabalha em regime próximo da escravidão, morrendo de exaustão, sendo que mesmo este meio de sobrevivência encontra-se ameaçado pela mecanização crescente”.
Outros impactos O pesquisador observa que as discussões sobre combustíveis alternativos, geralmente, ocorrem sob o ponto de vista do ciclo de carbono, sem considerar que a cana envolve fortemente o ciclo do nitrogênio e também do enxofre. “Devemos considerar as outras emissões, como das queimadas, responsáveis pelo grande comprometimento da qualidade do ar nas cidades rodeadas por canaviais. Está clara a relação entre a época de queimas e as internações hospitalares. Seria de se perguntar: o álcool combustível, afinal, é sustentável para quem?”.
Ainda sobre a produção de álcool, Jardim enumera outros aspectos a serem resolvidos, como do aproveitamento da vinhaça para aliviar seu impacto na saúde ambiental; do aprimoramento do ciclo hídrico, devido à enorme quantidade de água exigida por metro cúbico de etanol produzido; e, inclusive, do consumo intensivo de diesel de petróleo no maquinário agrícola e no transporte, além de fertilizantes e agrotóxicos.
Em relação ao biodiesel, o professor lembra que prevalece a idéia de simplesmente trocar o carbono do petróleo enterrado há milhões de anos, por outro que se possa renovar através da biomassa. “Não se faz um cálculo fundamental, quando se troca um hectare de mata por outro de dendê, soja ou pinhão manso para produzir biodiesel: que para repor o carbono destruído naquela mata, precisaremos de 100 anos no caso do dendê e de 320 anos com a soja. O Brasil precisa, enfim, balizar melhor o modelo de produção de biocombustíveis e discutir abertamente os problemas sociais e ambientais dele decorrentes”.
Consciência individual O professor Wilson Jardim considera que o atual modelo de desenvolvimento, que chama de “suicida”, leva os países a consumir os recursos naturais e finitos do planeta sem planejar adequadamente o futuro. “A Noruega deposita parte do lucro auferido com o petróleo em um fundo de pesquisas de longo prazo visando energias alternativas. O petróleo descoberto na bacia de Santos tem valor correspondente a 2% do nosso PIB. Como esta reserva pertence à nação, gostaria que os 150 reais por ano a que tenho direito fossem aplicados, por exemplo, em energia eólica, que o país usa pouquíssimo”.
A despreocupação em gerar um lastro para as futuras gerações deixa apreensivo o docente da Unicamp, que defende a mudança deste conceito de desenvolvimento a partir de programas que incentivem a colaboração individual. “Enfrentamos um paradigma: como o petróleo é finito, produzimos carros mais econômicos, mas que justamente por isso são mais vendidos e farão com que o petróleo acabe mais rapidamente. Não se trata de devaneio, pois o americano, que tinha dois carros grandes, comprou o terceiro por ser econômico, colocando três nas ruas. Ele deveria se perguntar por que sua família precisa de três carros”.
Dentro deste modelo, segundo Jardim, o mundo poderá produzir energia mais barata e eficiente, mas cuidará logo de gastá-la, sem se livrar da sina da insustentabilidade. “Na questão ambiental, guardamos uma esperança messiânica de que algo ou alguém vai nos salvar. É reconfortante pensar que, pessoalmente, nada podemos fazer. Se o desenvolvimento sustentável embute a idéia de legar aos filhos um mundo igual ao que temos, talvez estejamos transferindo para eles o comprometimento no nível individual. Eles terão de fazer o que não fizemos”.